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Por que falar sobre descriminalização das drogas
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Por que falar sobre descriminalização das drogas

| CRIME ORGANIZADO | Sem negar os riscos, especialistas apontam a descriminalização das drogas como uma das estratégias de combate às facções e à violência
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Estudiosos que defendem a descriminalização das drogas acreditam que a medida pode colaborar no enfrentamento das organizações criminosas e diminuição da violência no Brasil. A mudança atingiria em cheio o ponto central das facções: o lucro. Os pesquisadores dizem que é preciso superar o tabu e ter um debate franco sobre os impactos, avaliando vantagens e prejuízos.

“Trata-se de um dos negócios mais lucrativos do planeta, ao lado do tráfico de armas e da lavagem de dinheiro, no topo da pirâmide do crime organizado. Efetivamente, não há como vencer o mercado da droga com o uso da violência, porque na base da violência o mercado da droga é mais forte”, destaca Marcelo Uchôa, professor de direito da Universidade de Fortaleza (Unifor).
 

O uso da força no combate ao tráfico, conforme o integrante do Grupo de Pesquisa “Drogas: Direitos Humanos e Políticas Públicas”, se tornaria desnecessário se o mercado fosse lícito. “Por outro lado, a legalização permite o controle sobre a movimentação da substância, além da possibilidade de estabelecimento de condições para produção e venda, monitoramento sobre a qualidade do produto, imposição de faixas etárias para uso, tributação com possibilidade de conversão do imposto recolhido em políticas de prevenção, desmistificação da falsa ideia do usuário como criminoso, facilitando o consequente tratamento de pessoas em situação de uso problemático pelas áreas de saúde”, destaca Marcelo, que foi secretário interino de Políticas sobre Drogas do Ceará entre setembro de 2016 e abril de 2017.
 

Geovani Jacó, sociólogo e coordenador do Laboratório de Estudos da Conflitualidade e da Violência (Covio) da Universidade Estadual do Ceará (Uece), destaca que o problema é uma questão de saúde pública e, por ser complexo, perpassa aspectos políticos, econômicos, culturais e sociais, além da segurança pública.

“Uma empresa que se fortalece com a circulação da mercadoria. As mercadorias ganham valor de mercado quando são raras, por serem proibidas. A descriminalização iria atingir a alma do negócio. É valorizado por ser perigoso. Quebrar a raridade é quebrar a lógica econômica do valor”, esclarece.

Conforme Jacó, o tabu acerca do tema é permeado por uma questão moral e pelo preconceito da sociedade, que reproduz que o tema é proibido. “Há um mito sobre a representação da droga”, resume. Esse preconceito resulta também na ideia equivocada de que o controle ao crime organizado se dá no combate ao consumidor, e isso faz com que os usuários sejam objeto da política de combate.
 

“Quando se prende o pequeno consumidor, se dá a falsa de sensação de que se está combatendo o crime. Se gasta energia, investimento, inclusive, com espetacularização dos casos. Os usuários são alvo de preconceitos, estigmas, criminalizados, e a gente percebe que a questão hoje, que é de saúde, não é tratada como tal. O próprio estado perde o controle da proteção daqueles que são vítimas dos grandes produtores e traficantes”, detalha o professor.
 

É certo que uma mudança como a legalização da maconha, alerta Geovani Jacó, demandaria mudanças estruturais mais profundas e que se estendem a diversos âmbitos.
 

“Um medida dessa significa uma articulação de ações e medidas no sistema que organiza o próprio narcotráfico. Hoje, o crime se estrutura como uma grande empresa porque funciona por dentro do próprio sistema financeiro. É necessário, uma política de controle do mercado, das entradas e fronteiras. Mudar a tática e estratégia do combate. Atuar nas redes bancárias onde se dá a lavagem de dinheiro”, defende.
 

De acordo com Marcos Silva, pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (Lev) e professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), a falta dessa estrutura para amparar a mudança resultaria em uma ineficácia da legalização no combate ao tráfico.
 

“Há a falta de um projeto de segurança pública eficaz e, a longo prazo, instituído como política pública. Seria preciso uma cultura de combate efetivo à corrupção, sistema de justiça criminal que funcionasse adequadamente, sistema de segurança pública com política permanente, políticas públicas para a juventude e uma atuação eficiente na reeducação da sociedade no combate à práticas ilegais, com o controle da venda e do consumo da droga”, enumera. “Se não vai continuar fazendo parte do consumo ilegal, pois continua sendo uma mercadoria. No Brasil que nós temos hoje a legalização estaria fadada ao fracasso”, conclui. (Colaborou Marcela Benevides)

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