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Feminismo para ler e ver
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Feminismo para ler e ver

Pedimos a cinco mulheres que indicassem livros e filmes que marcaram suas trajetórias na luta por uma sociedade mais justa entre os gêneros
Edição Impressa
Tipo Notícia

Cícera Barbosa

Professora de História da rede pública

Gênero, sexualidade e educação, de Guacira Lopes Louro (1998), foi uma obra lida pela professora Cícera Barbosa após concluir o curso de História em 2008. A professora começou a refletir sobre como abordar o debate de gênero em sala de aula por ver as meninas passando por muita opressão dentro do sistema educacional e da sociedade. “A obra discute feminismo dentro da educação, permitindo tratar conteúdos na perspectiva de uma educação feminista popular, para que as meninas reconheçam no cotidiano delas as opressões e transformem essas opressões em processos de resistência”.

 

Mulheres, raça e classe, de Angela Davis (1981), foi lido por Cícera após começar a militância no feminismo negro. “A Angela Davis traz um panorama histórico e a perspectiva de que os feminismos não são iguais, há opressões diferentes para cada tipo de mulher”.

 

Não sou eu uma mulher? Mulheres negras e feminismo, de Bell Hooks (1981), é outra referência importante entre as feministas negras, segundo Cícera. “Quando eu conheci o feminismo negro, vi que a minha luta estava dentro dessa perspectiva do feminismo que também combate o racismo”.

 

Helena Vieira

Escritora e transfeminista

Se me deixam falar, de Moema Viezzer (1977), é uma das obras elencadas pela escritora e transfeminista Helena Vieira. O livro é narrado pela militante trabalhadora e de esquerda da Bolívia, Domitila Barrios, esposa de um trabalhador da mina de carvão. Ao tomar consciência da desigualdade que assola a Bolívia, Domitila enfrenta a ditadura em nome dos direitos dos trabalhadores, demandando mais qualidade de vida, trabalho menos precário e condições dignas de existência. “Nesse livro, que li ainda durante minha adolescência, aprendi, vendo a organização das mulheres mineiras no Comitê das Donas de Casa da Siglo XX, um exemplo da importância da auto-organização política das mulheres, marcada pelo feminismo e por uma perspectiva socialista”.

 

A Cor Púrpura (1985) foi visto por Helena quando ela estava no Ensino Médio por indicação da amiga e referência política Maria Aparecida Contin. “A Cor Púrpura é um filme marcado por violência masculina, machista e racista, de todas as formas possíveis. É um filme tocante, não é necessariamente feliz. Mas nos põe em contato com as mazelas do que foi o racismo nos EUA e na época me botou a pensar sobre as mulheres negras no Brasil, sobre a violência doméstica sofrida por outras mulheres, do papel da da escolarização como formas de combate à violência de gênero”.

 

Transfeminismo: Teorias e Práticas, organizado por Jaqueline Gomes de Jesus (2014), ativista trans, é outro livro indicado por Helena. “É um primeiro esforço de sistematização do que se pode pensar como uma corrente ‘transfeminista’ do pensamento feminista. É muito rico. Me marcou justamente nesse esforço de pensar pelas lentes do feminismo as violências sofridas pelas mulheres trans e travestis como eu”. 

 

Liduína Rocha

Obstetra

Aborto e saúde pública: 20 anos de pesquisas no Brasil, de Débora Diniz (2008), foi a primeira escolha da obstetra Liduína Rocha. O texto é de uma professora que estuda há anos cobre corpo, feminismo e direitos. A autora construiu vasta documentação sobre os caminhos de dor, sofrimento e morte a que são submetidas as mulheres, em especial, as pobres, negras periféricas quando vivem a experiência de um aborto clandestino no Brasil. “Foi o instrumento que me permitiu dialogar de um modo mais efetivo, claro, sobre a profunda violência que recai sobre essas mulheres, que não são poucas, e correspondem a aproximadamente ¼ de nós. Essa leitura me levou a querer dialogar sobre o caminho da descriminalização do aborto como um mecanismo fundamental para salvar vidas humanas, incluindo aí os fetos, já que a pesquisa dela nos revela que a descriminalização, a adoção de políticas claras de direitos reprodutivos não só diminuem o número de mortes por abortamento, mas o também o número de abortos provocados e de gravidez não desejadas”.

 

Nascer no Brasil, publicação da Fiocruz, de 2014, é outra indicação. “Documenta como os corpos femininos em processo de parturição vêm sendo tratados historicamente no País, e constrói a ideia da violência obstétrica como uma cultura (social e institucional), e, em essência, uma violência contra a mulher”.

 

Triste, louca ou má, canção de Francisco, el hombre, foi apresentada a Liduína pelo irmão. “Traz consigo uma força impressionante: ‘que um homem não te define, sua casa não te define, sua carne não te define, você é seu próprio lar’”. 

 

Lola Aronovich

Professora de Literatura em Língua Inglesa na UFC e autora do blog Escreva Lola Escreva

O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres, de Naomi Wolf (1992), é um clássico feminista recente, para a professora Lola Aronovich, e deve ser lido por meninas e mulheres que precisam fazer as pazes com o próprio corpo. “É fundamental entender que a ditadura da beleza é, mais do que massacrante, uma estratégia de silenciamento feminino. Este é o tipo de livro panfletário (no melhor sentido) que muda a vida de quem o lê”, conta Lola que gostaria de tê-lo lido na adolescência, mas o livro só foi publicado quando ela tinha 25 anos.

 

Backlash: o contra-ataque na guerra não declarada contra as mulheres, de Susan Faludi (1991), é outro livro importante para Lola pela carga de pesquisa, que explica a reação conservadora nos anos 1980 contra as feministas. Na época, com a vitória de Ronald Reagan nos EUA e de Margaret Thatcher na Grã Bretanha, conquistas alcançadas pelos movimentos sociais viveram grandes retrocessos. “Depois de ler esta obra, cheguei à conclusão de que hoje, na segunda década do século 21, ainda estamos mais próximas do conservadorismo da década de 80 do que da revolução sexual dos anos 60 e 70. Para mudar a situação, é preciso conhecer a história”.

 

Miss Representation, de Jennifer Siebel Newsom (2011), segundo Lola, é um documentário que ajuda a compreender, por exemplo, por que há baixa participação feminina na política e, apesar de retratar a realidade americana, pode ser comparada ao Brasil. Quando apresentado em sala de aula por Lola, sempre rende bom debate. “Ele explica como as mulheres ou não são representadas pela mídia, ou são representadas de forma negativa, limitada ou mentirosa”.

 

Ticiana Studart

Educadora popular

Autobiografia de uma mulher emancipada, de Alexandra Kollontai (1926), foi o primeiro livro sobre feminismo lido pela educadora popular Ticiana Studart. Ela explica que a autora traz questões de 1917 que permanecem atuais. “Alexandra defendia que era trabalho do socialismo construir o novo homem e a nova mulher e romper com essa série de padrões que, de fato, se a gente for analisar, serve para dar sustentação a um modelo de família patriarcal, do homem como provedor e da mulher como a cuidadora e também reprodutora de nova mão-de-obra”, conta Ticiana que encontrou na mãe, Ana Edite Studart, a primeira referência feminista.

 

A nova mulher e a moral sexual, de Alexandra Kollontai (1918/1921), conforme Ticiana, é uma obra que aborda a fidelidade e a “falsa hipocrisia” que impõe a monogamia às mulheres e justifica a infidelidade dos homens, problematizando questões sobre a dupla moral burguesa e defendendo o amor-camaradagem. “A Alexandra traz várias questões problematizando a forma como se dão as relações entre homens e mulheres, a forma como se dá essa questão da monogamia e de como uma dupla moral se estabelece”.

 

Feminismo, economia e política, organizado por Renata Moreno (2014) e editado pela Sempreviva Organização Feminista (SOF), é outra indicação. “A SOF tem difundido referências teóricas muito importantes no Brasil, trazendo essa discussão sobre o feminismo marxista e materialista, que nos ajuda a entender como a questão das mulheres tem a ver com a luta geral da classe trabalhadora”. 

 

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