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Pepe, bicampeão mundial com a seleção brasileira, fala das conquistas de 1958 e 1962
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Pepe, bicampeão mundial com a seleção brasileira, fala das conquistas de 1958 e 1962

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Ponta esquerda reserva na Seleção Brasileira em 1958 e 1962,  nos dois primeiros títulos mundiais, José Macia, o Pepe, falou exclusivamente ao O POVO. Pepe relembrou o triunfo na Copa da Suécia, os 405 gols pelo Santos (sendo o segundo  maior goleador do clube, atrás somente de ninguém menos que Pelé), e a criação do País do Futebol.

 

 

O POVO - O que era estar numa seleção brasileira que não tinha nenhum mundial?

 

 

Pepe - Defender a Seleção Brasileira sempre é o ápice do jogador. Quando a gente era cooptado para Seleção Brasileira era um glória, porque você se sente um cara realizado. Puxa! Vai defender as cores do seu país. Antes tinha campeonato brasileiro, eu só defendi o Santos, a seleção paulista, e a seleção brasileira. Em 1958, eu estava com 23 anos de idade e não tinha ido para Europa nenhuma vez ainda. Fui conhecer a Europa quando a Seleção embarcou para o Campeonato Mundial da Suécia. E aí foi uma satisfação muito grande ser campeão mundial, embora eu tenha tido uma infelicidade muito grande que eu me machuquei, tive uma contusão justamente na Europa. Antes de ir pra Suécia, nós tivemos dois jogos na Itália. Ganhamos da Fiorentina de 4 a 0 e eu fiz um gol. E depois nós jogamos com a Inter de Milão, e esse jogo com a Inter de Milão era o último preparativo antes da Copa, e eu quem estava jogando na ponta esquerda. E aí o que aconteceu foi que fui atingido deslealmente pelo ponta direita, Bicieli. E foi uma contusão que aparentemente não era muito grave, mas acabou se agravando, porque ele pegou meu tornozelo direito por trás. Eu conduzia a bola com o esquerdo e ele me deu no pé de apoio. O jogo acabou umas 22h, por volta de meia-noite nós viajamos para Suécia e uma semana depois o Brasil ia estrear na Copa. Eu cheguei na Suécia de chinelo, com o pé direito totalmente inchado. E naquela época não tinha os tratamentos que existem hoje. Era só água quente, gelo e compressas. Acabei não ficando bom. Por volta do quarto jogo é que eu teria condições de atuar, mas era um risco. A seleção estava jogando bem, estava jogando o Zagallo na ponta esquerda, ele estava em boa forma física. Era um risco a minha escalação, por que eu podia voltar a sentir o tornozelo e naquela época jogava os 11 (não tinha substituição). Então, o (Vicente) Feola (técnico da Seleção), acertadamente, manteve o time e o Brasil foi campeão. Foi uma glória muito grande. Nós chegamos ao Brasil muito festejados, porque o Brasil nunca tinha sido campeão mundial e tinha aquele trauma de 1950 quando jogou em casa, e depois 54, que foi na Suíça, também não foi bem. Então, foi uma festa incrível. Nós começamos a receber muitos prêmios de várias firmas aqui. Coisas interessantes. Eles ofereciam geladeiras, mobília da casa. Tenho uma galeria na minha casa com muitas medalhas daquela época. Em 62, foi (campeão) outra vez. Mas a de 58 foi a melhor porque foi a primeira, né? Apresentou a gente pro mundo. O Pelé não era ainda conhecido no mundo inteiro, embora que no Brasil ele já estivesse fazendo muito sucesso. Foi a Copa também do Garrincha que jogou muito bem quando entrou no lugar do Joel. E Didi que foi, inclusive, considerado o melhor jogador da Copa. Então a Seleção Brasileira era muito forte e ganhou com inteiros méritos.

 


OP - O senhor lembra se vocês chegaram acreditando que seriam campeões? Quem eram os favoritos?

 

 

Pepe - Olha, nós não éramos favoritos. Falavam muito no futebol inglês, no futebol francês, e foram duas seleções que o Brasil passou por cima. Ganhou de 5 a 2 da França que tinha um grande time, uma defesa vulnerável, mas um ataque fantástico com Fontaine e Piantoni. E a Suécia é porque era o time local, e ela foi ganhando, ganhando e chegou até a disputar com o Brasil a final. E ela foi incentivada pelo seu público, foi engrenando durante a competição e também foi um adversário difícil.

 

OP - Oito anos depois o fantasma da Copa de 50 ainda pairava sobre vocês?

 

 

 

Pepe - Eu tinha 15 anos na Copa de 50, eu era garoto, e eu senti bastante mesmo sendo garoto ainda. Foi um trauma. Ninguém esperava o Brasil perder aquela Copa. Estava jogando em casa, jogando bem e acabou sendo surpreendido pelo Uruguai. Em 54, também foi, foi fora na Europa (na Suíça), e o Brasil foi eliminado também. Então, essa seleção de 58 foi uma seleção muito forte, muito bem armada pelo seu Vicente Feola, que era um treinador muito bom. E fazia um ambiente excelente, ele não era um professor de táticas, não, mas era um cara que fazia um ambiente bom. E fazia com que os jogadores se familiarizassem muito com ele e jogassem até por ele também. Ele era gordão, muito simpático, então essa seleção foi brilhante. Foi aí que começou a fase de Pelé, de Garrincha, de Didi. Ainda ontem me fizeram uma entrevista falando sobre seleção brasileira e eu disse que se a seleção de 58 jogasse com a seleção de 1970, que também foi excepcional, ia ser um jogo espetacular. Devia ser uns 4 a 4, nada de 0 a 0, não.

 

 

OP - Então, o senhor acredita que a de 70 não seria superior?

 

 

Pepe - A de 70 foi uma seleção muito forte também, que teve Pelé ainda brilhando e Jairzinho fez uma Copa ótima, Clodoaldo. Mas a de 58… por isso que eu digo se tivesse a condição de jogarem as duas, seguramente, daria 4 a 4. Eram seleções muito fortes.

 

 

 

OP - Era um elenco com Didi, Vavá, Pelé e Garrincha, no auge das suas formas, vocês tinham noção, naquela época, da magnitude daquele elenco?

 

 

 

Pepe - O Brasil era muito ofensivo em 58. O Garrincha surpreendeu todo mundo lá. Ninguém conhecia o Garrincha. Não tinha internet, esse intercâmbio que existe agora, que todo mundo conhecia todo mundo. Eu tinha 23 anos e era a primeira vez que ia a Europa, então não se conhecia. Muitos adversários, agora, você tem o mapeamento de tudo quanto é time de qualquer lugar do mundo. Aquela época era tudo diferente. Você ia jogar contra a França que tinha um ataque com Kopa, Piantoni, Fontaine, que eram jogadores excepcionais e que você nem conhecia direito. Assim como eles também tinham dificuldades d e conhecer os brasileiros. Na concentração na Suécia, o que nosso dirigentes, através o Paulo Amaral, nosso preparador físico também, e os dirigentes e o seu Feola, conseguiram filmes, assim como filmes de cinema, com a seleção adversária jogando e mostravam pra nós pra gente conhecer alguma coisa dos adversários.

 

OP - Foi, inclusive, a primeira seleção que teve uma preparação de organização muito boa, com uma comissão técnica organizada, não é?

 

 

 

Pepe - Foi. Daí pra frente o Brasil se organizou, porque foi primeira vez que foi um psicólogo, a primeira vez que foi feito um tratamento rigoroso com os dentes os jogadores. Antes, os atendimentos eram muito simples. Era auscutado o coração, via-se a pressão, via se tinha algum problema de joelho, alguma coisa, mas não se via isso tudo. Então, teve psicólogo, teve dentista, a seleção foi preparada para surpreender - veja bem o termo. Surpreender porque o Brasil não era assim supervalorizado, mas chegou lá e mostrou que tinha uma excelente equipe, com jogadores fantástico, Pelé passou a ser, daí pra frente, o Rei do Futebol, o Garrincha jogou muito depois que entrou no lugar do Joel. Bellini foi um grande capitão, foi a primeira vez que o Brasil ergueu a taça e aquela foto com o Bellini erguendo a taça é realmente histórica.

 

OP - Pelé, Garrincha e Zito só entraram no terceiro jogo. É verdade que o Nilton Santos internamente fez pressão no Feola por essa escalação depois do 0 a 0 com a Inglaterra?

 

 

 

Pepe - Olha, é um pergunta muito interessante e muito inteligente, mas a gente não sabia. Agora, o Nilton Santos tinha um acesso muito bom com o seu Feola. Seu Vicente Feola conversava sobre como ia a equipe com o Nilton, com o Djalma Santos, com o Bellini, que eram jogadores mais antigos, e não com os garotos. Então, nós não soubemos de nada disso, mas pode realmente ter acontecido. Pode ter acontecido, porque, com todo o respeito ao Joel que era um magnífico ponta direita, mas o Garrincha desequilibrava, era fantástico. E o Garrincha estava levantando fogo, largando brasa mesmo, e o Nilton Santos quando falava de futebolista estava sempre o nome do Garrincha na frente. Ele dizia: “Se o Mané entrar, o Mané arrebenta com eles”. E o Mané entrou e arrebentou mesmo.

 

 

 

OP - Muito se fala do Pelé nessa Copa, mas o senhor acha que em 58 ele era o melhor jogador do Brasil em campo, ou era do Didi esse título?

 

 

Pepe - O Didi foi considerado o melhor jogador da Copa, inclusive. O Didi jogou bem todas as seis partidas. O Pelé foi uma revelação, mas o Pelé jogou quatro. E eles normalmente dão o título de melhor jogador pro jogador que jogou bem todas as partidas. E o Didi jogou bem da primeira à última. Ele era o mais veterano o ataque, era realmente o homem cerebral. 

 


OP -
Qual foi o jogo mais difícil?

 

 

 

Pepe - Nós tivemos um jogo com o País de Gales (nas quartas de final), foi 1 a 0, que o goleiro pegou tudo, e fizeram uma retranca incrível e a bola não entrava. A Rússia era mais forte que o País de Gales, mas a Rússia o Brasil passou com 2 a 0. Ele tinham o Aranha Negra, e foi difícil. Mas o País de Gales, até os 40 minutos do segundo tempo tava 0 a 0, quando o Pelé marcou o gol.

 


OP - Como foi a comemoração do título?

 

 

 

Pepe - A comemoração foi sensacional. Primeiro, a festa no campo, demos a volta olímpica, o público sueco - eu senti que eles ficaram tristes, porque a Suécia perdeu - ficou contente porque o Brasil tinha mostrado um grande futebol, eles aplaudiram o time de pé. E a nossa volta, que não tinha esse aviões de hoje, fazia muitas escalas, descemos em Portugal, e para surpresa nossa, havia uma multidão no aeroporto de Lisboa, aguardando a Seleção Brasileira. Nós ficamos de duas a três horas, aguardando até reabastecer o avião, e com o carinho do povo português. A próxima escala já foi Recife. Puxa vida! Quando nós chegamos em Recife, Nossa Senhora! Foi uma festa incrível, o aeroporto lotado, descemos para receber o carinho dos torcedores. E depois de Recife, no Rio de Janeiro, ficamos algumas horas e aí depois viemos a São Paulo. E era eu, Zito e Pelé aqui do Santos, tivemos ainda festa aqui, da torcida do Santos que estava toda na Vila Belmiro, esperando a gente.

 

OP - A partir daquele título o senhor acredita que houve mudanças no futebol brasileiro?

 

 

 

Pepe - Teve uma mudança muito boa, porque o Brasil sentiu que era grande. Os adversários passaram a respeitar e considerar mais o Brasil. A partir de 58, o Brasil realmente ficou sendo chamado de o País o Futebol.

 

OP - O senhor jogou a vida inteira no Santos, não é? Como era a relação do senhor com o Pelé?

 

 

 

Pepe - Marquei 405 gols no Santos, e pela Seleção, embora não tenha jogado nessa Copa,  marquei 22 gols. E com o Pelé, eu sou padrinho do primeiro casamento dele. Eu e  minha mulher, dona Lélia. Ultimamente a gente não tem visto ele, ele tem andado meio recolhido, meio adoentado. Teve problemas de coluna, e a gente não tem visto ele. Seguramente, ele está bem, fora esses problemas. Deve está assistindo à Copa pela TV, não tem mais a facilidade de se locomover como antigamente que era um super atleta, mas vai se recuperando.

 

OP - O senhor fez parte do elenco bicampeão de 62. O clima de 62 era muito diferente da primeira Copa?

 

 

Pepe - Em 62, o Brasil já era considerado o País do Futebol, já era um dos favoritos. A seleção de 62 não teve o mesmo brilho da de 58, porque era quatro anos mais velha. O treinador na ocasião era o seu Aymoré Moreira que era muito bom taticamente, era muito inteligente. Teve a participação efetiva do Garrincha, porque o Pelé se machucou logo no primeiro jogo e o Garrincha, como se diz na gíria, vestiu a farda de general. Eu me lembro do Nilton Santos dizendo: “Dá a bola pro Mané”. Porque ele era lendário, ele na linha de fundo cruzava na frente do gol pro Vavá fazer. O Vavá, um homem muito oportunista, perigosíssimo, conferia todas. Depois da contusão do Pelé, nós tivemos a felicidade de ter o Mané Garrincha na ponta direita que foi brilhantíssimo.  

 

 

OP - No começo, o senhor estava falando que um lesão tirou o senhor de campo…

 

 

Pepe - Em 62, eu tive outra. Tive um problema sério de uma contusão no joelho. Na época, sem a medicina que existe hoje, era água quente e gelo, gelo e água quente. Acabei chegando aqui, o pessoal do Santos ficou surpreso, porque meu joelho estava todo queimado, de tanto fazer compressa. E eu precisava fazer, porque eu queria ficar bom, mas acabei não me recuperando a tempo. Me sagrei bicampeão mundial, embora não tenha entrado no campo. Entrei no campo para dar as voltas olímpicas.

OP - O senhor se ressente de ter sido bicampeão sem entrar em campo e de ter sido reserva do Zagallo?

 

 

Pepe - Não, não. Todo mundo sabia que eu era um jogador de bom nível, e que realmente eu me lesionei com extrema gravidade. Eu queria estar lá dentro, não foi possível. Estava escrito. Até hoje a gente curte essa chateação de não ter jogado, mas a felicidade de ser bicampeão mundial. 

 

 

OP - O senhor consegue analisar a importância daquele primeiro título, a vista do que o Brasil se tornou no futebol mundial?

 

Pepe - A importância foi muito grande. A Seleção de 1958 mostrou ao mundo inteiro que o futebol do Brasil era um dos melhores do mundo, e foi coroado em 58 com a conquista da Copa. Daí pra frente, o que aconteceu foi que as equipes brasileiras passaram a ser mais valorizadas, não só a seleção. Então, da década de 60 em diante, o Santos passou a excursionar todos os anos para a Europa, porque tinha Pelé, Pepe e Zito, que eram jogadores de seleção brasileira.

 

 

OP - O senhor chegou até ser campeão mundial por clubes contra o Benfica, não é?

 

Pepe - Bimundial pelo Santos. Em 62, ganhamos a final do Benfica, em Portugal, de 5 a 2. E em 63, foi o Milan, perdemos de 4 a 2 na Itália, depois tínhamos que devolver aqui. E devolvemos: ganhamos de 4 a 2 deles, eu fiz dois gols nesta noite no Maracanã. Depois ganhamos de 1 a 0, com gol do Dalvo cobrando pênalti. E aí nos sagramos bicampeões mundiais. Eu tenho a satisfação de ser bicampeão interclubes e bicampeão mundial pela Seleção. Na seleção eu não fui tão útil, assim, mas aqui no Santos eu realmente fui muito importante. 

 

 

OP - Hoje, vendo os jogos da seleção, o que o senhor acha desse elenco?

 

Pepe - Me fica difícil analisar muito os jogadores da Seleção Brasileira, porque 90% deles jogam no exterior. Então, a gente tá aqui torcendo. Eu conheço bem o Neymar, porque ele foi cria nossa aqui do Santos, começou aqui. E aos 14, 15 anos ele já era o melhor jogador dente de leite, do infantil, do juvenil, e dava pra perceber que ele ia ser fora de série, né. A gente tem um conhecimento apenas regular com relação ao jogadores. Devido aos problemas financeiros, eles procuram fazer o mais rápido possível uma independência financeira e a maioria consegue isso no exterior. Antigamente, não. A seleção de 58, 62 era uma seleção do Brasil mesmo. Talvez falte um pouco mais de entusiasmo pros torcedores por esse motivo, porque os grandes ídolos jogam em clubes do exterior. Eles têm um bom treinador, o Tite, dá pra perceber que os jogadores o respeitam muito, e o acatam. Eles veem o Tite como um professor, e isso é muito importante. Você vê os jogadores de mais gabarito da seleção, volta e meia, conversando com o Tite. Então, isso mostra que o Tite é um treinador de diálogo. Temos que esperar o melhor. O time é bom, o treinador é bom, a seleção é forte. Vai dar Brasil.

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