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Futebol também é o espelho do nosso país
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Futebol também é o espelho do nosso país

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Tipo Notícia
Torcer para a seleção virou troço estranho. Grande parcela do povo brasileiro se veste de ódio à seleção por rejeitar a CBF e quem tem uma queda pelo ufanismo quase vira vítima do acirramento político. “E eu vou torcer para uma empresa?”. Não consigo justificar isso. Assim como deve ser difícil explicar quem faz vaquinha para a campanha do Lula.

 

Há quem, em protesto, se recuse a vestir a Amarelinha moderna, da CBF de Ricardo Teixeira, Marco Polo Del Nero, Antonio Carlos Nunes. Optam pelo verde-amarelo CBD — aquela, do João Havelange. Eu me perco nessa de buscar justificativa retórica para torcer para quem se torce.


Já assumi aqui que torço pro Neymar — por mais paradoxal que o sujeito seja. Não por quem ele votou em 2014 ou pelas acusações de sonegação que pairam sobre ele. Mas porque eu já vi o quanto ele se esforça pela tal camisa. Fale-se o que se quiser, mas Neymar jogou as Olimpíadas contra tudo e contra todos e fez algo que nenhum brasileiro conseguira: venceu.


Copa é lugar de histórias, já diz o clichê. E, no Brasil, futebol é rara oportunidade de ascenção social. Vez por outra, ela é usada para importar dois cabeleireiros para a Rússia. Mas tem também um Gabriel Jesus, que pôde levar sua mãe-pai consigo.


O protagonista do “alô, mãe” mais famoso da TV brasileira é um dos seis titulares desta seleção que cresceram distantes do pai biológico, afirma o El País. Ou seja, sujeitos criados pela mãe, na maioria pobres e alimentadospor um sonho bobo de dar certo num meio onde milhões quebram a cara.


Gosto de pensar que torço por esses meninos abortados pelos pais. Porque, aqui, abandono parental só é notícia quando a mãe decide abortar. Nada mais brasileiro do que essas crianças abandonadas e vindas de uma realidade que, dentro de meus privilégios, mal sou capaz de compreender.


Tudo bem odiar futebol e apontar aspectos econômicos, políticos e pragmáticos para isso. Só peço respeito para eu rascunhar minhas justificativas sociais, por mais forçadas que sejam, e defender Gabriel Jesus, Miranda, Thiago Silva, Marcelo, Casemiro e Paulinho como brasileiros que merecem um amor nacional que substitua o que os pais lhes negaram. Uma seleção historicamente negra, assim como nosso povo. De origem pobre, como a maioria de nós. Feita de gente capaz de sonhar e fazer o impossível. Algo em que a maioria de nós falha.

 

ANDRÉ BLOC

andrebloc@opovo.com.br

 

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