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Além das beiradas dos açudes
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Além das beiradas dos açudes

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Em Tauá (Sertão dos Inhamuns), a saudade tem a extensão do açude Favelas, um dos grandes da região, a 23 quilômetros da sede do município. Pode-se medir pelas conversas no caminho: quando a chuva encontrava o açude, faziam-se “uns cinco, seis quilômetros d´água para um lado e para outro. Quando tá chei, vai até Tauá botando água”, somam as histórias de pescadores e agricultores locais. Quando tinha água, tinha também curimatã, tilápia, traíra, sardinha, paisagem.


Mas a chuva faz falta há cinco anos, pelo menos. O açude ressente, partiu-se em mil pedaços. O que era vida – peixe, árvore, esperança – morreu. “Quem tava arranchado aqui saiu”, vela o pescador José Viana de Franca, 47. Da dezena de casas de taipa em redor do açude, somente a família dele e a de outro pescador ficaram. E já faz tanto tempo de estiagem que a lembrança da chuva também está indo embora. “Dá uma tristeza” ver o açude morto, padece também José. Em 18 anos que mora ali, ele diz, “é a primeira vez que o açude seca assim”.


O pescador não sabe ler o mundo e fica difícil ir além das beiradas dos açudes. A vida de José é andar em busca das águas. “Vamos pescar fora, no município de Aiuaba (a 114 quilômetros de Tauá). Eu mesmo nasci pescando, não sei fazer outra coisa”, segue.


Acontece que, no sertão, é preciso nascer muitas vezes, tantas quantas forem as secas. É um nascimento que se dá pela disposição de aprender o novo, de querer todas as possibilidades que o sertão guarda, conduz o Projeto Paulo Freire nos Inhamuns. Há pouco mais de um ano e meio, o projeto se desenvolve na Comunidade Oiticica (40 quilômetros de Tauá), com 73 agricultores.


Técnicos e agricultores trocam conhecimento e sabedoria há três anos. “É trabalhada a questão agroecológica: qualidade na produção, respeito ao meio ambiente, diversidade na produção”, resume a engenheira agrônoma Valdênia Delmondes de Macedo, 43. O principal resultado, ela completa, é a utilização de técnicas que os sertanejos desconheciam, fazendo brotar o alimento do impossível chão.


Os homens entram com a força e as mulheres, com a inventividade – une a engenheira agrônoma Keila Delly Marinheiro Veríssimo, 38, agente Cáritas e técnica de campo do projeto. É assim nas terras dos agricultores José Luciano Gomes de Freitas (seu Tá), 48, e Francimari Gomes de Oliveira, 42. Eles se mantêm, principalmente, com uma horta, vendendo o que colhem em escolas, nos comércios e nas feiras do município. Uma renda mensal que pode somar R$ 2 mil, calcula Keila Veríssimo.


“A ideia surgiu das nossas cabeças, eu e minha esposa”, diz seu Tá. Com as últimas secas, a produção, no roçado, diminuiu. “Foi quando nós partimo pra criar esse negócio de horta... Tinha um canteirim pra gente comer, desse canteirim, a gente passou pra vender pra vila”, amplia. O casal de agricultores considera que a horta não demanda muita água: o plantio se sustenta da irrigação por um poço profundo e da água que conseguem armazenar em duas cisternas (uma de 52 mil litros e outra de 22 mil litros).


Além disso, sublinha seu Tá, “aqui, nós economiza. Eu aguo o canteiro de manhã e deixo pra aguar à noite. A aguada que eu dou de manhã, se eu gastar dez mil litro d´água, à noite, vou usar cinco, devido à frieza”.


Enquanto houver bem querer, os aprendizados e artifícios são muitos na convivência do sertanejo com o sertão. “Deus me livre d´eu sair do meu lugarzinho!”, contrapõe seu Tá. “Porque, lá fora, eu não tenho uma moradia. Aqui, eu tenho; fraca, mas tenho. Eu já conheço a região. Se eu preciso de uma coisa, é um começo. Se vou na vila, uma pessoa tem pra me fornecer uma feirazinha. E, lá fora, como eu vou conseguir?”, devolve a questão.


E frente a qualquer pergunta sobre o futuro no semiárido, seu Tá se dispõe ao novo, retratam as técnicas do Projeto São José. Este ano, o agricultor já lida também com a produção de mel e deve colher uma renda extra neste semestre. Começou do zero, mais uma vez. Não espera mais pela chuva que sempre fica de vir em janeiro.


“Tem que enfrentar. Quando a chuva faltou, a gente usou a água do cacimbão. Quando o cacimbão secou, tive que cavar um poço. Cada dia, a gente inventa uma coisa. Eu já mexia com horta, hoje, tô mexendo com abelha pra ver se dá algum resultado”, atravessa. Durante a última estiagem, seu Tá negociou ainda os 12 gados que tinha, inteirou com uma safra de milho, para conseguir um poço profundo. “A chuva me ensinou. Porque, hoje, eu tenho poço. Vendi o gado pra ter um poço. A pessoa, tendo coragem e fé, a água aparece”, extrai. (Ana Mary C. Cavalcante)



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