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A obra de Belchior
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A obra de Belchior

Belchior desapareceu de vista nos últimos anos, mas sua poesia seguiu presente País afora. Entre pais e filhos que continuaram com o mesmo ídolo, a música dele não virou passado
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Ao vencer o Festival Universitário da Canção Popular, em 1971, no Rio de Janeiro, Belchior começou a se projetar nacionalmente. A música premiada foi Na Hora do Almoço, mesma canção que emocionou o público cearense no último sábado, 29, no show da banda As Bahias e Cozinha Mineira, atração do festival Maloca Dragão 2017. Em palco montado na comunidade Poço da Draga, as cantoras Raquel Virgínia e Assucena Assucena homenagearam o cantor cearense, sem imaginar que horas depois receberiam a notícia de sua morte. “Somos duas mulheres trans e somos apaixonadas pela obra dele, que é muito atual e é porta-voz de muita gente, inclusive, de pessoas trans”, se emociona Raquel.


A banda nascida da união de músicos baianos e mineiros tem repertório quase completamente autoral. Na Hora do Almoço, porém, está entre as exceções da turnê justamente por dizer muito do que as artistas querem gritar ao mundo. “As músicas dele têm uma força poética muito rica e muito potente. Nosso primeiro álbum é de 2015, mas tem forte conexão com o que ele escreveu há mais de 30 anos. Esse artista é um clássico”, completa a cantora de 28 anos, ressaltando que, mesmo com o desaparecimento dele nos últimos anos, “o público jovem nunca desistiu de sua obra”.


Com mais de 30 músicas escritas e gravadas em parceria com o compositor de A Palo Seco, Jorge Mello, músico e ex-sócio de Belchior, faz coro à Raquel. “A obra dele não é comprometida com modismos. É sempre atual, porque fala do homem como homem, não tem época, não tem tempo. Qualquer pessoa que esteja na presença de dúvidas sobre si e sobre o mundo percebe que a obra dele está viva”, afirma.


Para o amigo, o sumiço recente do músico foi também um ato artístico. “Até isso foi motivado por um projeto cultural maior dele de virar outra pessoa. Quando era jovem, ele foi seminarista e ia ser padre, mas teve a mudança de religioso para músico. Depois dessa primeira reviravolta, ele vivia dizendo que teria outra virada e mudaria para ser um pensador, um filósofo”, conta Jorge, que se alegra ao lembrar da capacidade de Belchior de se reinventar.


Os parceiros de composições têm, inclusive, canções inéditas. Essas obras agora ganham o mundo a partir da voz do ator, diretor e dramaturgo Ricardo Guilherme. “Fizemos juntos a peça O Morro do Ouro, em 1972. Eu estava no elenco, com direção de Haroldo Serra, e ele musicou a peça”, puxa pela memória o teatrólogo, que atualmente tem um espetáculo, De olhos abertos lhe direi, em homenagem a Belchior. Duas dessas músicas nunca gravadas, Madalena e Padre Cícero, foram apresentadas por ele em homenagem feita ao músico ontem no encerramento da Maloca Dragão 2017.


Para Ricardo, que quando tinha apenas 14 anos trabalhou com Belchior no programa Porque Hoje é Sábado, da TV Ceará Canal 2, Belchior retratou tão bem uma geração que seu ideal político e social se firmou no imaginário brasileiro. “Ele era de uma geração que tinha o sonho de liberdade e de democracia. O seu desejo de transgressão e superação é permanente. Sua obra fala sobre o rejuvenescimento permanente que o sonho deve ter”, completa.


Apesar de só ter 23 anos “de sonho e de sangue”, a cantora cearense Luiza Nobel afirma ser diretamente inspirada pelo “anseio de liberdade” contido na obra de Belchior. Ela ouviu Como Nossos Pais pela primeira vez num CD que ganhou como lembrancinha de dia dos pais na escola— mas que não foi entregue, pois o pai dela já havia morrido. Em 2016, Luiza estreitou ainda mais sua relação com o compositor e vem se apresentando com o espetáculo Alucinação, obra do coral do Instituto Federal do Ceará (IFCE). “Sempre acaba comigo cantá-lo, porque me renova. Eu já terminei vários espetáculos chorando e não sabia o porquê, mas é simplesmente pela energia de luta e de liberdade que o Belchior traz para a gente. Ele ensina a não abaixar a cabeça e a reivindicar”, afirma.


DEPOIMENTOS

 

“As músicas dele têm uma força poética muito rica e muito potente. Nosso primeiro álbum é de 2015, mas tem forte conexão com o que ele escreveu há mais de 30 anos”

Raquel Virgínia, vocalista da banda As Bahias e a Cozinha Mineira

“A obra dele não é comprometida com modismos. É sempre atual, porque fala do homem como homem, não tem época, não tem tempo. ”

Jorge Mello, cantor, compositor e divulgador da história de Belchior

 

“Ele era de uma geração que tinha o sonho de liberdade e de democracia. O seu desejo de transgressão e superação é permanente.”

Ricardo Guilherme, ator, diretor e dramaturgo

 

SAIBA MAIS

 

Belchior (1974)

Apelo popular (A Palo Seco) e experiências sonoras (Bebelo) jorram ideias de um nordestino pop. Na Hora do Almoço ganha clip no Fantástico.

 

Alucinação (1976)

O álbum definitivo com arranjos, letras e interpretação fortes. Um clássico atemporal.

Coração Selvagem (1977)

Após o sucesso do disco anterior, o cearense mantém a boa forma. Paralelas, lançada por Vanusa no ano anterior, ganha a voz do autor

Todos os Sentidos (1978)

 

Era uma Vez um Homem e Seu Tempo (1979)

Também conhecido pelo nome de seu maior sucesso, Medo de Avião.


Objeto Direto (1980)

Obra de forte apelo poético, o álbum não tem o apelo radiofônico dos outros. Nada Como Viver é uma obra prima.

 

Paraíso (1982)

 

Cenas do Próximo Capítulo (1984)

Tentando de funcionar como artista independente, Belchior lança trabalho pela própria gravadora, Paraíso.

Melodrama (1987)

Sem o sucesso da década anterior, Belchior faz um disco com boas canções. De Primeira Grandeza consegue espaço nas rádios.

 

Elogio da Loucura (1988)

 

Trilhas sonoras (1990)

 

Eldorado (1992)

Algo que iria se tornar comum, Belchior relê canções de carreira ao lado dos músicos uruguaios Eduardo Larbanois e Mario Carrero.

 

Baihuno (1993)

Último trabalho com canções inéditas, chama a atenção pelo volume de parcerias. Jorge Mello, Caio Silvio e Gracco são alguns deles.

 

Um concerto bárbaro (1995)


Vício Elegante (1996)

Inusitado trabalho de intérprete, o álbum traz a voz forte de Belchior a serviço de obras de Chico Buarque, Caetano Veloso, Djavan e outros.

Auto-Retrato (1999)

 

As várias Caras de Drummond (2004)

Misturando artes, Belchior pintou vários perfis do poeta mineiro e musicou poemas. Projeto lançado nas bancas, em parceria com a revista Caras.

 

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