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Enquanto o rio não chega
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Enquanto o rio não chega

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Por enquanto, seu Zilvan Francisco da Silva, 50, vai cuidando do seu traçado de pomar. Usa o que tem: água encanada mesmo. Não é pouca coisa, em tempo de chuva rareando, mas já queria que fosse a irrigação. O São Francisco, de tanto atraso com a obra da transposição, ainda não chegou no seu terreiro, na Vila Produtiva Rural (VPR) de Retiro, em Penaforte, no Ceará. Culpa dos homens, não do santo.


Seu Zilvan pega um balde para molhar cada muda. Dia sim, dia não. As plantas são pequenas, algumas de menos de um ano, mas já vingam em fileira e prometem sombra e muitos frutos: mamoeiros, mangueiras, gravioleiras, coqueiros, cajueiros, bananeiras, pés de maracujá, de quiabo, acerola, tangerina, goiabeiras, laranjeiras e até pé de canela. A mão é boa, habilidosa, a terra é fértil. Há um jardim na frente da casa, florado, grama verde. Sua mulher, dona Edileuza, 49, e a filha Nádia, 24, também cuidam. Podia estar melhor, mas não lembram de se maldizer.


Neste agosto completou dois anos que se mudaram para a Vila de Retiro. A casa de taipa, de um sitiozinho pequeno no distrito Atalho, em Brejo Santo, foi desapropriada para dar lugar a um dos reservatórios no caminho da transposição. Há mais 30 famílias na Vila Retiro. Ganharam a casa, um roçado de cinco hectares cada, com a promessa de água para irrigar um pedaço dessa terra tão logo o São Francisco desponte.

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“Tô doido é que isso chegue logo, pra nós trabaiá”, vislumbra Zilvan. Mas segue a espera. Com pouca chuva e sem o rio santificado ainda presente em território cearense, já foram dois plantios perdidos em Retiro. Ou ralos, colheita pouca. Seu Zilvan tirou de sua roça meia saca de feijão e dez de milho. Dá só para guardar e esperar a outra friagem, para plantar de novo.


Com água para irrigar, estima que teria mais do dobro de milho e muito mais de feijão - o que daria também para comer, vender na feira. Por isso sonha com outras plantas, vai regando o pomar de pouquinho. Ganhando tempo enquanto São Francisco não chega. “Acho que vai dar uma custadinha pra essa água chegar. Estão fazendo o canal ainda aí perto”, conta, da demora e das obras recém-retomadas em Penaforte e Jati, no Eixo Norte. “Tô pensando que daqui pra um ano é que ela (a água) chega”. Tomara menos. Previam que as obras acabariam em 2012. Já se vão nove anos desde que os serviços da transposição foram iniciados.


O presidente da Associação de Moradores da Vila Produtiva Retiro, Antônio Taveira, confirma duas safras já perdidas, nesses dois anos em que estão reassentados nas terras trocadas pelo Governo Federal. “Não teve como tirar legume nesse tempo. Enquanto não vier água para os lotes irrigados, a gente não pode trabalhar com plantio grande, nossa agricultura não vai se firmar. Por isso o plantio caseiro ainda está se aguando com água que é para abastecimento humano”, descreve. Cada família segue recebendo pouco menos de R$ 1.500 de ajuda de custo, para compensar a impossibilidade da irrigação anunciada.


Nos dois eixos do projeto, já foram entregues 18 VPRs, segundo o Ministério da Integração Nacional. Para cerca de 850 famílias (99 no Eixo Leste e 746 no Norte) entre Ceará, Pernambuco e Paraíba. As casas têm, em média, área de 99 m². Desenho igual de três quartos, água, esgoto, energia elétrica, o lote de morar e outros quatro para plantar.


Sobre o documento da terra, Taveira diz que todos ali ainda estão com papéis provisórios. Que lhes permitem o direito de trabalhar, usar o cercado, mas ainda não é o título de posse dos cinco hectares. O posto de saúde tem funcionado em Retiro, a escolinha nem abriu. “A Secretaria da Educação diz que não tem demanda e por isso está desativado. Apesar de tudo bem estruturado”, informa o presidente da associação de moradores. As crianças têm frequentado uma escolinha mais distante, nem tanto, mas poderia ser a da Vila.


Um ano e quatro meses atrás, em abril de 2016, quando O POVO visitou seu Zilvan e dona Edileuza, já habituados à Vila Retiro, mostravam-se felizes com a nova morada. Mais pela perspectiva que lhes apontava. De chão bom e água prometida. Haviam até comprado móveis novos para a casa. Contam agora é da “fulô do feijão que não saiu porque não teve chuva”, aí perderam a safra. Reclamam do vizinho “que inventou de queimar a lenha (o mato arrancado ao limpar o roçado) e tacou fogo foi na metade do cercado dos outros”, acham que vão “precisar cavar logo um poço, mas é muito caro”. Resignados, pelejam e esperam.


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