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Estabelecer os fatos. Defender a verdade
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Estabelecer os fatos. Defender a verdade

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POR ANTONIO CAÑO
 
DIRETOR DE REDAÇÃO DO JORNAL EL PAÍS, DE 2014 A 2018

 
Vivemos tempos turbulentos. Hoje questionamos o que ontem dávamos como certo e, todos os dias, vemos como os costumes, as práticas e os valores que nos acompanharam
durante décadas mudam ou desaparecem. As instituições que consideramos fortes tornaram-se vulneráveis, até o ponto de parecerem insustentáveis.
 
 
A crise econômica levou à desmoralização da cidadania. O passo seguinte foi a perda de confiança na classe política. Então, veio o desespero, a falta de solidariedade e o ódio. Um cenário perfeito para o crescimento do populismo e da demagogia. A propagação de mentiras, boatos, visões panfletárias e calúnias é usada para negar o acesso do cidadão aos fatos e à verdade.
 
“Renunciar aos fatos é renunciar à liberdade. Se nada é verdade, ninguém pode criticar o poder, porque não há base sobre a qual fazê-lo. Se nada é verdade, tudo é um espetáculo”, adverte Timothy Snyder. É relativamente fácil de fazer: basta, por exemplo, questionar a honestidade e a legitimidade de um jornal. A partir daí, o que o meio disser sobre alguém, não terá legitimidade entre seus seguidores.
 
 
Alguns também tentam fazer com que as emoções prevaleçam sobre os fatos. Apela-se constantemente ao que chamam de estado de espírito “do povo”, tentando fazer que a crença tenha mais peso do que aquilo que realmente é. Esse desprezo pelo conhecimento implica um desprezo pela verdade e uma busca permanente de um espetáculo que beneficie aqueles que só querem gerar ruído. Tenta-se substituir o jornalismo pelo que é conhecido como relato, que é uma história feita ao gosto do consumidor. E, em última instância, impedem que os cidadãos estejam bem informados, conheçam a verdade e sejam genuinamente livres.
 
 
Contra tudo isso, a mídia profissional desempenha um papel fundamental na defesa da democracia. Se perdermos o jornalismo – o bom jornalismo, o que se baseia em regras deontológicas, que conhece as demandas de seus leitores e os limites da profissão –, perderemos a democracia.
 
 
Apesar de ter atravessado uma tempestade quase perfeita, que combinou a crise econômica com a fraqueza da imprensa e uma sociedade alimentada pela disseminação de mentiras, nós, da mídia tradicional, como chamam, temos mais leitores do que nunca. E conseguimos isso fazendo um grande esforço de transformação para estar onde a sociedade está hoje.
 
 
Ao contrário do que muitos gostariam, o jornalismo não só não está morto como está em um ótimo momento e está tendo uma grande oportunidade.
 
 
Não podemos prever o que acontecerá nos próximos anos. Novos formatos chegarão.
Novas formas de consumir informações ou uma nova relação entre jornalistas e leitores. Podemos ter certeza é de que o jornalismo continuará sendo necessário. E continuará sendo, porque, por sorte, existem instituições que estão empenhadas em defender um modelo de sociedade democrático, plural, aberto e com o olhar posto no progresso.
 
 
Em tempos de mudanças e dúvidas permanentes, permaneçamos fiéis à razão de ser da nossa profissão.
 
 
Vamos estabelecer os fatos. Defender a verdade. É a única maneira de defender o jornalismo e, com ele, a democracia.

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