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Cartilha sertaneja
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Cartilha sertaneja

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Francisco Heitor Vieira tem criação de galinha caipira em Pentecoste. (Foto: Mateus Dantas / O POVO) (Foto: Mateus Dantas)
Foto: Mateus Dantas Francisco Heitor Vieira tem criação de galinha caipira em Pentecoste. (Foto: Mateus Dantas / O POVO)

Os 11 quilômetros entre Pentecoste (a 95,8 quilômetros de Fortaleza) e a comunidade de Xixá, na zona rural do município, são de estradas de terra, curvas e bifurcações que parecem levar a lugar nenhum. No caminho, é também como se desfizessem as horas e existisse um tempo paralelo capaz de ser moldado pela vida - e não a vida caber no tempo; porque a vida, ali, ultrapassa o longe.

Na comunidade, vivem cerca de 48 famílias, circula a professora aposentada Maria Vieira de Souza, 57 anos, que mora em Xixá desde quando casou, há quase quatro décadas, com o agricultor Antônio Sinval de Souza, 67 anos, mestre de Reisado e dono do Xixá Esporte Clube.

Antônio preenche metade dos acontecimentos em Xixá. Ele elabora os versos do nascimento do menino Deus no meio de uma conversa banal, animando o sempre, aplaude Maria, na beira do fogão. "E se você souber que ele ainda joga e faz gol?", ela engrandece. Fora o folguedo de janeiro e o campeonato de futebol, a festa da padroeira Nossa Senhora de Fátima e o Terço dos Homens movimentam a comunidade ano a ano.

Francisco Heitor Vieira de Souza, 27 anos, nasceu e se criou no pequeno universo dos pais e de Xixá, dando valor ao que tem. "Sempre tive o sonho de ficar, ter meu próprio negócio aqui. Estudava e já tinha o pensamento de não sair daqui, desde novo", conecta. A vida é só outro modo de dizer sobre estradas de terra, curvas e bifurcações. "Como a gente nasceu e se criou aqui, a vivência é o que mais fica pra gente", gosta Heitor.

Ele só não sabia como fazer para unir o pouco ao sonho. "Por causa da condição. Meu pai, toda vida, foi agricultor, e minha mãe, professora. Ela ensinava os dois turnos, e a renda que tinha aqui era só a da comida mesmo", contrapõe.

A vida foi se fabricando: depois do Ensino Médio, um amigo lhe falou do Programa Jovem Empreendedor Rural (PJER), da Agência de Desenvolvimento Econômico Local. Ele não se interessou, foi preciso a mãe fazê-lo nascer outra vez, mostrar-lhe o tamanho da vida. "Eu sei que a gente tem o sonho de transformar o meio num ser maior", agarrou-se Heitor.

A formação, no PJER, aproveita o que o lugar oferece e a vocação que cada pessoa ainda não sabia possuir. Heitor imaginou ser padeiro, mas avaliou que tinha muita concorrência e gente mais sabida. "Aí é onde a gente descobre o tamanho que a gente é, numa situação como essa", encarou. Conhecendo sobre o mercado local e sobre si mesmo, escolheu se tornar um microempreendedor no ramo de galinha caipira. "Deu tudo certo: já tenho meu negócio, já estudo, batalho para ter uma visão a mais que eu não tinha", convida a ver a produção, em três galpões que fez no sítio dos pais.

Cada galpão comporta cem pintos e rende negócios na região. "Acho pouco, quero mais", projeta Heitor. "Meu dia a dia é assim: cuido dos meus bicho, leio algum livro, estudo um pouco. O dia começa 5 e meia", traça o sustento. Com o dinheiro das vendas de ovos e galinhas, ele paga a faculdade de Administração, desde 2016, e projeta, "até o final de março", construir mais dois galpões e chegar a ter uma granja climatizada. "Quando entrei na faculdade, foi só aumentando o desejo de crescer mais. Porque lá eu aprendo e, aqui, eu busco ideias. Levo o errado daqui e trago o certo de lá", aproxima.

A criação de frango começou em 2013, quando Heitor disse para ele mesmo: "Tenho que ter uma técnica, uma visão, uma mente aberta. Tenho que saber como é que vou me manter e progredir. E assim fui levando a vida".

O tempo lhe mostrou respostas "para o que estava procurando", ele considera, e o semiárido lhe alfabetiza o viver. "O sertão traz a realidade do mundo. A gente convive com a seca, sabe pra onde vai". As secas são como uma cartilha que ensina "que a gente não deve fracassar. Deve ter muito foco, muita fé, muita sabedoria diante de qualquer situação", lê Heitor sobre o sertão.

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