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Com o vento a favor
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Com o vento a favor

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Francisco Ednaldo Clementino tem projeto de energia eólica para a produção de polpa de frutas. (Foto: Mateus Dantas / O POVO) (Foto: Mateus Dantas)
Foto: Mateus Dantas Francisco Ednaldo Clementino tem projeto de energia eólica para a produção de polpa de frutas. (Foto: Mateus Dantas / O POVO)

A natureza é ponto de referência no Sítio Barreiras, localizado na zona rural de Quixeré (a 201,8 quilômetros de Fortaleza). Referência da casa, propriamente, como identifica um alguém na bifurcação da estrada: "É aquela que tem um pé de figo na frente". E referência do tempo: o reflorestamento, iniciado há sete anos, traz de volta os pássaros que ocupavam a infância do dono do sítio. Quando era criança, lembra-se o agricultor Francisco Ednaldo Clementino Gonçalves, 50 anos, ele passava horas afugentando os pássaros, para não comerem a plantação de frutas do pai.

Esta história é debulhada debaixo da sombra da antiga árvore, onde Ednaldo colocou o banco centenário e as sabedorias que herdou do avô paterno. "Ele morava na Barra, aqui, próximo, e sempre dizia: 'Meu filho, nunca derrube uma árvore, plante outra. Porque a árvore, o primeiro grande bem que faz ao ser humano é a sombra. E depois da sombra, os frutos. E o que alimenta, você não pode exterminar'", guarda. Nas brechas dos galhos e folhas, onde os pássaros sertanejos fazem uma festa, um aerogerador também chama a atenção. É a tecnologia, ganhando espaço no cotidiano do sertão.

"Andando por Fortaleza", reconstitui Ednaldo, ele viu a turbina eólica em um evento da área e se interessou em saber "como um agricultor podia chegar, um dia, a ter um negócio daquele na sua propriedade". As informações das secretarias de Agricultura do Estado e de Quixeré o levaram a um financiamento por meio do Fundo Estadual de Desenvolvimento da Agricultura Familiar (Fedaf), via Banco do Nordeste. Foi um investimento de pouco mais de R$ 80 mil, equilibra: "Pra mim, alto ainda, devido à inovação". Ednaldo deve começar a amortizar a dívida neste mês de São José, após três anos de carência (um deles foi um bônus por conta das últimas secas).

O agricultor utiliza a energia eólica na produção de polpas de fruta e comprova que fez um bom investimento. Ednaldo já contabiliza uma economia na manutenção dos equipamentos: "Antes havia um desgaste muito grande porque a energia (elétrica) tinha muita oscilação", explica. "(A eólica) É positiva pela questão econômica e, por ser uma energia limpa, não está poluindo o meio ambiente", soma.

A natureza passou a dialogar com o agricultor, retribuindo-lhe o cuidado. Nos fundos do sítio, plantas nativas e forasteiras (como o mogno africano), nascidas do reflorestamento traçado em três linhas, formam uma espécie de "quebra-vento, onde plantei um pomar de acerola", mostra Ednaldo. "Tive um resultado enorme na questão do controle de pragas", observa que o equilíbrio ambiental foi restabelecido.

A acerola é o carro-chefe da pequena fábrica de polpas do sítio. O comércio vai longe, passando por cidades vizinhas - Jaguaruana, Limoeiro, Russas, Morada Nova - , até Baraúna, no Rio Grande do Norte. Só não chegou a Fortaleza ainda, avalia Ednaldo, por causa da onda recente de violência. "A gente está um pouco apreensivo, mas já temos alguns contatos. Estamos esperando a poeira baixar", planeja.

Enquanto isso, no sertão, Ednaldo vive "em harmonia com a natureza, com menos poluição" e uma riqueza singular. "De tudo tem um pouco", ele exalta: manga, caju, açaí, cajá-umbu, pitaya, banana, abacate, goiaba... E se, na infância, ele afastava os pássaros com baladeira, hoje, pastora os adultos em redor para que não machuquem os ovos de sabiá-laranjeira, galo-campina, canário-da-terra... postos pelo sítio. "Não troco isso aqui por nada no mundo. Oportunidade de ter vivido fora, de Fortaleza pra frente, sobrou. Não vejo motivo pra sair", passeia.

A ligação afetiva com o semiárido é herança que o agricultor recebeu das gerações anteriores. Mas também se amplia na convivência atual, aproximando passado e presente. "Hoje, a tecnologia, praticamente, resolveu a questão do semiárido. Porque o agricultor, tanto o familiar como o convencional, só espera pra produzir nas chuvas se quiser. Ele tem tecnologia pra produzir o ano inteiro", inclui.

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