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Sertão nerd
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Leonilda Soares tem produção de brindes unindo o sertão e a cultura nerd em Pentecoste. (Foto: Mateus Dantas / O POVO) (Foto: Mateus Dantas)
Foto: Mateus Dantas Leonilda Soares tem produção de brindes unindo o sertão e a cultura nerd em Pentecoste. (Foto: Mateus Dantas / O POVO)

Bem que se quis viver na Capital. Durante a infância, a microempreendedora Leonilda Soares Silva, 31 anos, acompanhou a peleja dos pais, migrantes do semiárido de Pentecoste (a 95,8 quilômetros de Fortaleza) para conseguir emprego na construção civil e se sustentar na cidade grande.

Mas a violência, maior, medida pela sensação de insegurança, por exemplos cada vez mais próximos, pela desconfiança de uns contra os outros ou por estatísticas absurdas de homicídios (só de crianças e de jovens, esse índice aumentou 1.039,6%, de 2003 a 2013, com 267,7 homicídios por 100 mil habitantes, segundo o relatório Violência Letal contra Crianças e Adolescentes no Brasil, de 2015) fez com que a família de Leonilda voltasse para a comunidade Serrota, a 13 quilômetros de Pentecoste, onde "quase todo mundo se conhece".

Leonilda deixou Serrota outra vez, quando "quis arrumar um trabalho em Fortaleza. Com a ilusão, né, coisa de adolescente. Aquela questão de ser independente", reflete. A ilusão durou cinco meses, no serviço de telemarketing, até ela criar pânico da violência na Cidade: "Em todo canto que eu entrava, eu ficava meio assustada". Somente ao pedir demissão da fábrica de sapatos, onde ganhava um salário mínimo pelo expediente em pé, já de volta ao Interior, é que descobriu o tamanho do sertão.

Nem só de agricultura se vive no semiárido, ela demonstra, em constante renovação do negócio próprio, há quatro anos. O empreendimento, instalado no antigo quarto do irmão mais velho que se casou e de onde Leonilda pastora o envelhecimento dos pais, começou com um computador, cresceu lan house, virou gráfica de "impressão de boleto, trabalho da faculdade" e edição de imagem. "Fui dando uma melhoradazinha. Sempre tem que ter uma visão lá na frente", ela ajusta.

O curso básico de informática, videoaulas em aplicativos e pesquisas na internet ampliaram olhares e pensamentos sobre o sertão. Leonilda percebeu que havia um campo desmedido para trabalhar na comunidade Serrota: uniu o gosto pelas culturas sertaneja e nerd - "que vem da infância nos anos 90, mas, no Interior, falta acesso a essas coisas", pontua - em uma fabricação de lembranças personalizadas.

Cordel, HQs e rock se encontram e se misturam, em canecas e almofadas, originando estampas como O Cabra de Ferro e os Vingadores do Sertão, sucessos de vendas. "Tô tentando expandir mais, usando modelos diferentes, fazer combos", projeta Leonilda, que aumentou o número de funcionários depois que o irmão passou no concurso (antes, eram só os dois), para mais três costureiras e uma auxiliar e produção e atendimento ao cliente.

A formação no Programa Jovem Empreendedor Rural (PJER), da Agência de Desenvolvimento Econômico Local (Adel), aprimorou a iniciativa, mostrando o mercado em redor. A microempreendedora vai além, usando um site de vendas para reverberar o sertão no mundo. "Tem três clientes minhas, de Minas Gerais, que sempre me indicam", conta, planejando abrir uma filial da lojinha no município próximo, Apuiarés, "onde está tendo muito pedido".

A principal dificuldade é o fornecimento da matéria-prima, que só tem na Capital. No começo, ela ia buscar, mas agora descobriu um modo de ganhar o tempo necessário à parte administrativa do negócio: o rapaz que faz a lotação também passou a trazer a encomenda de Leonilda do fornecedor que ela indica. No dia desta entrevista, ele buzinava lá fora, levantando a poeira da rua, com as novidades.

Leonilda convive de outra forma com o semiárido, tem um modo diverso de plantar e de colher, ao mesmo tempo em que possui raízes fixadas lá. Não pensa em arriscar o ganho longe, pelo contrário, com o dinheiro das vendas da lojinha, ela paga a faculdade de Administração "para ver se dou uma melhorada" e também ensina quem está ao lado "a se sobressair".

É o sertão de possibilidades econômicas e humanas que lhe faz ficar. "Gosto da simplicidade de viver das pessoas. Parece importante eles fazerem isso: uns ajudando os outros. Tem pessoas que te apoiam, gente que você conhece. E você conhece o trabalho delas e dá importância também. Gosto por causa dessa simplicidade de viver aqui", ressalta.

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