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Um oásis de mamão e de melancia
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Um oásis de mamão e de melancia

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Rafael Vieira produz mamão e melancia em Crateús. (Foto: Mateus Dantas / O POVO) (Foto: Mateus Dantas)
Foto: Mateus Dantas Rafael Vieira produz mamão e melancia em Crateús. (Foto: Mateus Dantas / O POVO)

Todas as vezes, no semiárido, a coragem é o começo, narra a família Silva, agricultores da comunidade Convento, a 23 quilômetros de Crateús (distante 359,4 quilômetros da Capital). Eles trabalham de inverno a verão, "não tem sábado, não tem domingo", desde sempre. "Aqui, tudo é agricultor desde quando nascemo", conduz José Osmar Alves da Silva, 58 anos. "Estudei, mas não quis fazer faculdade. Meu negócio era a roça... Com sete anos, a mãe já levava pra roça", segue Rafael Vieira Silva, 29 anos, que não aguentou o trabalho de carpinteiro, dos 19 aos 23 anos, em uma refinaria de Recife (Pernambuco). "Aqui é melhor porque não tem quem me grite", compara.

Nesta última década, ao lado do pai, que o alfabetiza para o semiárido, Rafael multiplica uma produção própria de mamão e melancia, cultivados em 1,3 hectares (um hectare tem tamanho semelhante ao do campo oficial de futebol), que começou com a coragem sertaneja de nascença e a curiosidade sobre irrigação, no sítio de dois hectares de José Osmar. Lá, cavaram um poço e obtiveram dez mil litros d´água (vazão por hora). Foram "pegando o jeito, o macete (com a irrigação), aí, apareceu este terreno para comprar", salta Rafael.

Filho e pai fecharam o negócio há apenas três anos, e o terreno de 12 hectares, onde só havia uma casinha-depósito, ganhou vida nova pelas mãos dos Silva. Nada se perde, transforma o pai. "Tudo o que nós adquere aqui dentro, nós vai empregando", poupa, para o cultivo. As safras já renderam moto, caminhonete e uma morada toda na cerâmica.

Para colher 150 caixas de mamão por semana (quantidade que abastece o mercado de Crateús) ou apurar R$ 17 mil em 75 dias de colheita de melancia, foi preciso descobrir água entre as estiagens e lutar até não poder mais. "Agora mesmo, pra trás (por causa de uma praga), perdi três safras. Foi quase R$ 15 mil embora", subtrai Rafael.

Eles recomeçaram com dois poços profundos (um de 26 mil e outro de 5 mil litros de vazão/hora) e uma caixa com capacidade para 60 mil litros d´água, financiados pelo Banco do Nordeste, há um ano e meio. Um investimento de R$ 20 mil, pago com a riqueza do semiárido. Além do mamão e da melancia, principal ganho de outubro a abril, a família Silva tem 27 cabeças de gado e 1,5 hectares de silagem - são 75 mil quilos de ração, cujo excedente pode ser vendido na necessidade. Eles também iniciaram uma criação de 110 abelhas italianas, em dois apiários.

"Ano passado, nós tiremo dez tambor, de 200 litros, de mel. Tudo já ajuda. A gente vai pelejando dum lado, doutro", desbrava José Osmar. "Pra nós morar no sertão, tem que bulir com tudo. Porque aqui, quando uma coisa se acaba, nós começa outra", entende, valendo-se também de cursos no Sebrae e de amizades com técnicos agrícolas que, vez em quando, lhe visitam e orientam.

Esta é a lei no Nordeste, cumprem os Silva, faça sol ou faça chuva: "correr atrás" porque não chega nada por aquela estradinha de terra, de atravessar rezando na quadra invernosa. E, quando acontece de chover; a chuva é a importância maior. "Sem chuva, a gente não vai pra lugar nenhum. Tem um poço desses daí, mas, se não chover, as fenda pode esfraquecer", calcula José Osmar. É importante ainda para o pasto dos "bicho bruto", completa Rafael.

Severina e forte, a vida se salva pelos sertões destes tempos. Não nega mais o lugar de nascenças, pelo contrário, agarra-se ao que tem, até aprender a viver. Nega-se à morte que já houve, aquela da ignorância que alimentou a miséria. A fome de gerações como a de José Osmar e Rafael, dispostas a amansar o destino, é pela permanência no semiárido.

"Aqui, mesmo que a pessoa saiba ler, saiba fazer curso, é difícil emprego", contrapõe José Osmar, adiantando o serviço do dia, às 5 horas da manhã. Dali a pouco se juntam a mulher, dois filhos (dos três homens, somente um não permaneceu no campo) e um rapaz de fora. Rafael quer crescer a propriedade em cem hectares. "O futuro nosso, aqui, é comprar mais terra. A gente, da roça, é difícil conseguir o dinheiro todo pra comprar um pedaço de terra, mas, esse daqui, nós conseguimo com o nosso suor", abarca. "Não pretendo sair daqui, não", firma, saboreando um gosto que só o sertão possui.

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