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O rigor fiscal do Plano Mansueto
Economia

O rigor fiscal do Plano Mansueto

De nome original Plano de Equilíbrio Fiscal (PEF), o projeto quer reverter problemas de caixa sérios de estados nota C
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Mansueto Almeida (Foto: 16 23:48:29)
Foto: 16 23:48:29 Mansueto Almeida

Entre 2020 e 2030, a venda de excedente do pré-sal deve aumentar em mais de 100% a arrecadação com royalties e de participação especial do Governo Federal. A estimativa é do secretário do Tesouro Nacional, o economista cearense Mansueto de Almeida, que ministrou palestra ontem sobre o tema "ajuste fiscal e retomada do crescimento", no auditório da Assembleia Legislativa, como parte das comemorações pelos 30 anos da VSM Comunicação.

Em entrevista exclusiva ao O POVO, ele adianta pontos do Plano de Equilíbrio Fiscal (PEF), que já está sendo chamando de Plano Mansueto, para os estados recuperarem a nota "B" para empréstimos. As medidas serão apresentadas na próxima semana. Mansueto ainda falou sobre o cenário para reforma da Previdência, o que está sendo feito para reanimar a economia e a recente política de contingenciamento dos ministérios.

Ele diz que, se os números não melhorarem, uma nova leva de cortes, que já atingiu a educação, terá que ser anunciada ainda neste mês. "Se a arrecadação melhorar, isso pode ser revertido, senão, vamos ter uma situação difícil para vários ministérios".

O POVO - O que é possível adiantar do ‘Plano Mansueto’, aos estados, que deve ser lançado pelo Governo Federal? É possível comparar a um Plano Marshall, uma vitória da visão liberal frente à visão anterior que o País tinha?

Mansueto Almeida - (riso) Não, inclusive, chamam de Plano de Mansueto, mas é na verdade o Plano de Equilíbrio Fiscal (PEF), de ajuste e equilíbrio fiscal. Hoje nós temos no Brasil, dos 26 estados e o Distrito Federal, mais ou menos 12 estados com equilíbrio razoável, que têm nota A e B, que já se qualificam para pegar empréstimo com a garantia da União. E têm três estados com uma situação fiscal muito ruim (Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais), com nota D, mas para estes já existe um programa de ajuda que é um regime de recuperação fiscal que eles entram como requisito de uma série de ajustes para ter o direito de deixar de pagar o serviço da dívida por três anos, prorrogável por mais três. Mas tem um conjunto de 11 a 13 estados do Brasil que são estados com nota C, que não têm uma situação muito grave de dívida, o endividamento deles, em geral, é baixo, menos da metade do limite estabelecido pelo Senado, mas que estão com problema de caixa muito sério. Esses estados não se qualificam para empréstimos com garantia da União, então, o chamado PEF é para este grupo de estados, com o compromisso de que farão o ajuste fiscal em quatro anos para recuperar nota B que os qualifica a pegar empréstimo com garantia da União. Só que terão já uma antecipação deste direito, mas este empréstimo será dividido em tranches e será menor o valor do que tem direito um estado com nota B ou nota A. Se não, não estaríamos sendo justos com estados que já fizeram o dever de casa Isso é um programa pequeno, mas a gente tem que ter em mente que a maioria dos estados que estão com desequilíbrio muito grande é por conta de despesa com pessoal. Então o que melhora para todos os estados do Brasil é ter uma reforma da Previdência e controle da despesa com pessoal.

OP - Existem estados com mais de 70% da arrecadação comprometida com folha, não?

Mansueto Almeida - Existem estados que estão gastando 70% do que arrecadam, o que a gente chama de receita corrente líquida, com pagamento de ativo e inativo. E têm estados que chegam a gastar mais de 80%.

OP - E neste plano tem algum tipo de compensação para os Estados que já fizeram o dever de casa, como é o caso do Ceará?

Mansueto Almeida - Os estados como o Ceará que tem nota B já se qualificam com o direito de pegar empréstimo com garantia da União. Então este plano, de fato, não pega o Estado do Ceará, mas o estado já tem o benefício hoje pegar um empréstimo com garantia da União sem ser parcelado. Neste plano, o empréstimo é parcelado. E neste projeto que vamos apresentar ao Congresso alguns pontos que a gente está mudando vão beneficiar todos os estados.

OP - Mas tipo o quê?

Mansueto Almeida - Hoje um governante no seu último ano de mandato pode dar aumento salarial parcelado por três, quatro anos. Na prática, seja prefeito, governador ou presidente da República pode dar um aumento salarial que vai impactar as finanças de alguém que ainda será eleito. Neste projeto, isso fica vedado. Só poderá dar aumento salarial parcelado dentro do seu mandato.Este tipo de medida ajuda a todos os estados. Tem outras mudanças que estamos fazendo, que não posso falar agora, mas que também irão beneficiar o Ceará.

OP - Qual garantia que cumprido o plano, recuperado os estados que estão mal, estes comportamentos não vão voltar a se reproduzir mais adiante?

Mansueto Almeida - Uma das questões que está no plano é que o empréstimo, como será parcelado,vamos olhar para um indicador que se chama poupança corrente, que é o que o Estado arrecada menos o que ele gasta com pessoal, custeio e serviço da dívida. Este indicador, a poupança corrente do estado, tem que melhorar a cada ano, para sair de uma posição negativa para positiva. Todo ano o Tesouro Nacional vai acompanhar isso e se, no próximo ano, um estado que se comprometeu a melhorar a poupança, embora seja gradual, se isso não se confirmar ele não vai ter a liberação das tranches adicionais, só vai ficar com a primeira. Então esta é a garantia que a gente tem.

OP - O senhor disse que os estados mais endividados não entram neste plano…

Mansueto Almeida - Se eles quiserem, até podem entrar, mas os estados mais endividados tem um programa melhor, que é deixar de pagar o serviço da dívida, como fez o Rio de Janeiro, e tem direito a empréstimo com garantia da União sem ser parcelado.

OP - Mas esta mesma trava está no outro projeto? Porque o que temos visto é que estes estados mais endividados são os mesmos que foram beneficiados antes, não corrigiram lá atrás a situação e até agravaram este quadro, e mais uma vez foram beneficiados pelo pacote...

Mansueto Almeida - Foram beneficiados pela Lei Complementar 159, aprovado no governo passado. Nos estados que têm nota C, o problema deles não é dívida, o endividamento, inclusive, é baixo, em muitos casos, é porque tem a despesa muito maior do que a receita. No caso dos outros, que tem o direito de parar de pagar o serviço da dívida, Minas Gerais e Rio Grande do Sul ainda estão negociando,as exigências de ajustes são muito mais fortes do que este grupo que vai estar no plano que vamos mandar agora ao Congresso. Porque este plano que vamos mandar, o que se exige é que o Estado recupere a nota, se vai conseguir fazer isso dando aumento de salário, ele pode; se quiser fazer ajuste pelo lado da receita, pode. Quem vai decidir como fará o ajuste fiscal é o governador. No outro não: tem exigência de privatização, que no PEF não tem, é opcional; no regime dos estados altamente endividados o aumento salarial é vedado e a proibição de contratação é obrigatória. As contrapartidas são muito maiores e detalhadas.

OP - E já tem prazo para enviar ao Congresso?

Mansueto Almeida - Provavelmente na próxima semana.

OP- Por que o Governo optou fazer isso por meio de projeto de lei?

Mansueto Almeida - Porque o projeto de lei complementar tem uma série de exigências que estamos mexendo que são estruturais, como por exemplo, essa vedação de dar aumento salarial que ultrapasse o mandato do governante. Isso precisa de projeto de lei complementar para mudar. A gente está mudando algumas coisas de responsabilidade fiscal também. Hoje quando um estado vai pegar empréstimo com garantia da União junto a organismos internacionais, ele apresenta documentos, que têm prazo de validade, e muitas vezes como demora isso o estado tem que apresentar novamente toda a documentação. Vamos ampliar o prazo que o documento vale para tornar mais ágil a contratação de empréstimos de todos os estados.

OP - O senhor disse certa vez em entrevista que o Brasil está tendo sorte porque o mercado está tolerando o ajuste fiscal que está sendo feito a passos lentos. Até onde vai esta sorte?

Mansueto Almeida - É difícil dizer até que ponto exatamente o mercado aceita esta velocidade de ajuste gradual, mas o Brasil é um país que tem uma carga tributária muito grande, entre 33% e 34% do PIB, é dez pontos do PIB acima da média da América Latina. É um país que tem uma dívida muito alta para seu nível de desenvolvimento e estamos com um desequilíbrio fiscal muito grande que vem desde 2014. Este ano será o sexto ano consecutivo de déficit primário e nós vamos ter um novo déficit primário em 2020 e 2021. Se fizermos um ajuste bastante saudável, conseguirmos aprovar uma reforma da Previdência e outras medidas adicionais, o Brasil voltará a ter superávit primário, possivelmente, no final do governo Bolsonaro. È um ajuste fiscal muito gradual, Mesmo assim, estamos em uma taxas de juros mínima - a Selic é 6,5% ao ano, há três anos era 14,25%. Então, o mercado nos deu o benefício da dúvida, desde que a gente comprove que vai continuar fazendo o ajuste fiscal. Mas, para isso, é necessário aprovar a reforma da Previdência.

OP - O senhor diria que o País está sendo incompreensível com o contingenciamento de verbas do Ministério da Educação. O senhor vê uma incompreensão da realidade do País por parte da sociedade?

Mansueto Almeida - O debate sobre a política de contingenciamento acho que é normal, foi um corte muito grande, mas distribuído em todos os ministérios, com exceção do da Saúde, porque o Brasil hoje gasta o mínimo constitucional com a saúde. Então não pode cortar um centavo da saúde. Mas o corte pegou todos os ministérios. Eventualmente, se a receita melhorar, isso vai ser revertido. Mas a realidade hoje é que estamos em um País em que a despesa que não é obrigatória -- que é a despesa de custeio e investimento -, este ano, está voltando ao mesmo nível que era em 2009, dez anos atrás. O que cresceu muito neste período foi a despesa obrigatória, em especial, gasto com previdência e, recentemente, gasto com pessoal. Então, de fato, se a gente quiser abrir um espaço para investir mais, ter mais verba de custeio para universidades, para pesquisa, para investimento em construção de estradas, nós teremos que controlar o crescimento da despesa obrigatória. E dentro do grupo da despesa obrigatória, a que mais cresce é o gasto com previdência.

OP - Uma das críticas que se tem feito em relação a estes bloqueios vai justamente no sentido de dizer que estes cortes, sobretudo, em educação e na pesquisa, acabam criando as condições necessárias para a próxima crise porque tira o que é necessário para o País se desenvolver. Como o senhor avalia isso? Faltou um ajuste melhor de onde seriam os cortes?

Mansueto Almeida - Primeiro, acho que este é um bom debate político: o que cortar. O que o Ministério da Economia e o Tesouro falam é cortar tanto. Como será o corte ou como será distribuído, o que será priorizado ou não, entra na esfera política, que a gente não participa. Agora, a gente só tem que ter um cuidado porque os gastos com educação no Brasil foi o que mais cresceu de 2008 a 2017. Tem um trabalho do Tesouro Nacional que mostra que neste período, de 2008 a 2017, o gasto real com educação cresceu em termos reais 91%. Foi um crescimento real por ano de 7%. A questão toda é que se expandiu muito o sistema no Ensino Superior e criou alguns programas que há dez anos não existiam ou eram muito pequenos.

OP - O senhor se refere às novas universidades que foram criadas, por exemplo? Considera isso um erro?

Mansueto Almeida - Algumas sim, outra não. Mas se criou Institutos Federais de Tecnologia em que o plano de carreira de um professor deste instituto federal é igual ao de uma universidade federal, só que mais curto. Então tivemos uma contratação muito grande que pesou no sistema. Para todo o investimento feito nos últimos anos no Ministério da Educação, para não faltar dinheiro, o orçamento teria que continuar crescendo real, pelo menos, 6%,7% ao ano. Só que isso não vai acontecer com uma economia que vem crescendo, nos últimos dois anos, 1% ao ano. As universidades estão com problemas com verba de custeio já não é deste ano. Numa situação de contingenciamento que você tem que cortar parte do orçamento, pega todo mundo. Eu sei que é difícil para todo mundo, agora, nos primeiros quatro meses deste ano, a execução para bolsa de pesquisa não diminuiu. Foi maior que no ano passado. O contingenciamento vai pegar muito mais daqui para frente. Este corte ainda não se traduziu nos números de janeiro a abril. Com o auxílio financeiro à estudantes, bolsas de pesquisa, aumentou mais de 10%. O corte é de orçamento. É do disponível para o ano.Está sendo bloqueado o recurso, mas vai começar a aparecer nos números daqui para frente. Se a arrecadação melhorar, ele pode ser revertido, se a arrecadação não melhorar, vamos ter uma situação difícil para vários ministérios.

OP - O próximo bloqueio previsto para o final de maio está confirmado?

Mansueto Almeida - Os dados serão levantados agora. O relatório tem que ser publicado até o dia 22 de maio, que é a próxima semana, e neste relatório vamos novamente ver se teve ou não frustração de receita. Se não estiver mudando, o contingenciamento continua. Se a receita tiver melhorado um pouquinho, reduz o contingenciamento, libera mais verbas, Mas se a situação tiver piorado, por lei, temos que contingenciar ainda mais.

OP - Mas vocês estimam este segunda leva de bloqueio na ordem de quanto? No mesmo patamar que foi o primeiro de R$ 30 bilhões?

Mansueto Almeida - Não, primeiro que não está confirmado ainda. Se houver , é uma coisa muito marginal, temos que esperar os dados que estão sendo fechados esta semana. Mas o corte de R$ 30 bi já foi um corte muito grande porque a despesa programada para este ano, sem o conta de juros, é de R$ 1,4 trilhão. A despesa que é onde incide o contingenciamento é na casa de R$ 120 bilhões. Então, R$ 30 bilhões desta despesa, já foi um corte muito grande.

OP - O chamado Plano Mansueto é um plano estritamente fiscal ou tem componentes de desenvolvimento? Porque o País precisa de desenvolvimento...

Mansueto Almeida - Precisa, mas quando um país faz tudo certo, quando prioriza a educação básica, incentivos à inovação , se integra mais ao resto do mundo, ou seja, faz toda uma agenda correta, a consequência natural disso é crescimento. Hoje algo que está atrapalhando muito o crescimento do Brasil - e não é o único fator - é o desequilíbrio fiscal. Se o Brasil tivesse carga tributária baixa, este desequilíbrio fiscal não seria tão sério porque poderia corrigir isso aumentando imposto. Se a dívida do País fosse baixa, fosse 40%, 50% do PIB, a média dos países emergentes é de 50% do PIB, a gente poderia aumentar a dívida, mas hoje essa dívida já é de 78% do PIB. Muito alta para o nosso nível de desenvolvimento, por isso que perdemos o grau de investimento das agências de classificação de risco.

OP - O senhor acha que será possível recuperar este grau quando?

Mansueto Almeida - Depende. Para recuperar, teríamos que entrar em uma trajetória clara de que vai ter equilíbrio fiscal e a dívida vai começar a cair. Agora, mais uma vez, o melhor plano de investimento é seguir uma linha de ação que incentive o empreendedorismo, a inovação, uma melhor qualidade da educação, fazer as reformas. Se fizer isso, a consequência natural é um país que crescerá mais.

OP - A Reforma da Previdência é o bastante?

Mansueto Almeida - Não. A reforma da Previdência é muito importante porque é o gasto público que mais cresce no Brasil. Se a gente pegar o gasto público, sem colocar a conta de juros, que é o que a gente chama de gasto primário, do Governo Federal, de 1999 até 2018, o gasto cresceu cinco pontos do PIB. Desses, 60% foi previdência. O grande desafio é controlar o crescimento da despesa com previdência. Sò isso vai nos levar a um maior crescimento? A resposta é não porque o envelhecimento da população que já está em curso é também um desafio. Um trabalhador que vai chegar na nossa força de trabalho, daqui a vinte anos, ele vai entrar no sistema educacional, nos próximos cinco anos. Se não melhorar a qualidade da nossa educação, a começar pela educação básica, a produtividade desse trabalhador vai ser muito baixa e não vamos ter mais o benefício de uma força de trabalho crescendo. Quando você tem um grande contingente de pessoas nascendo, se tem um fluxo de novos trabalhadores chegando ao mercado de trabalho. Esta não será a realidade do Brasil em 2035 porque daqui a 15,16 anos, a população vai começar a cair. Quando isso acontece em um País, quando envelhece, a tendência é o crescimento cair, a não ser que haja um aumento grande de produtividade. E para isso é preciso fazer uma revolução na educação deste País.

OP - Mas as mudanças propostas na reforma do Governo de Benefício de Prestação Continuada (BPC), trabalhadores rurais, não vão agravar muito a questão da desigualdade?

Mansueto Almeida - Não necessariamente, agora isso está sendo discutido. Na questão do rural, um dos grandes desafios é evitar fraudes, porque hoje a concessão do benefício da aposentadoria rural muitas vezes é dado por unidade familiar. Muitas vezes você tem uma unidade familiar com oito pessoas e no campo só tem duas ou três pessoas e como o certificado de contribuição, de isenção é dado por unidade familiar, beneficia todo mundo, tanto faz estar no campo ou na cidade. A modificação de idade mínima como está proposta, isso pode ser debatido no Congresso e chegar a um meio termo. E BPC acho que precisa de um debate um pouco mais profundo porque uma pessoas que se aposenta por idade e que contribuiu por 15 anos, em geral, ganha a mesma coisa de uma pessoa que nunca contribuiu. Você está sendo justo com quem contribuiu 15 anos? Em todos os países do mundo, o benefício assistencial é menor que o do previdenciário. O que estava sendo proposto na reforma é que o benefício assistencial fica menor, mas pode ser antecipado aos 60 anos de idade. E, aos 70 anos, fica novamente igual ao benefício previdenciário de um salário mínimo. Mas se o Congresso não aceitar, isso será modificado, mas pelo menos o debate está posto.

OP - Como o senhor avalia as mudanças feitas ao projeto e o qual o impacto que isso vai ter na economia pretendida pelo Governo?

Mansueto Almeida - A discussão está iniciando basicamente agora. A proposta é ter uma economia, sem a mudança dos regimes estaduais, de R$ 1,2 trilhão. Eventualmente, isso pode ser modificado e a economia caia um pouco, mas isso vai ser um debate político.Não existe a reforma da Previdência perfeita, este é um debate político. Qual será a regra de transição,isso vai para o debate político e a melhor forma de isso ocorrer de forma profunda é no Congresso. O que é importante é que ela não seja diluída porque de fato nós precisamos de uma economia grande. Agora também é importante salientar é que essa economia é em relação à trajetória do gasto. Não significa que a despesa com previdência vai cair nos próximos dois, três, quatro anos.

OP- O senhor já disse que uma reforma meia boca, exige que novas reformas sejam feitas. O País caminha para uma reforma muito maculada em relação ao que foi apresentado?

Mansueto Almeida - Eu acho que não, porque tem algo que tem me surpreendido no Congresso é que, independente de partido político, você vai encontrar reclamações de um ou outro ponto, mas, em geral, a grande maioria aceita a necessidade de reforma. É um debate que já avançou muito em relação há três anos, em que não se aceitava sequer discutir a reforma. Houve até uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado que chegou a conclusão de que o déficit não existia. Isso passou. A grande maioria da população, embora nem sempre se tenha consenso da forma, entende que precisa ser feita. Espero que a economia que saia da reforma, se aprovada, ainda que não seja de R$ 1,2 trilhão, seja algo muito próximo disso.

OP - Há uma urgência. A economia ainda não decolou. O que o Governo pensa no curto prazo para aquecer a atividade econômica?

Mansueto Almeida - Muito do que está retendo a recuperação do crescimento é uma incerteza se o Brasil conseguirá fazer as reformas.A gente começou o ano com os índices de expectativa todos melhorando, só que agora, o trabalhador e o empresário, olham isso e dizem: peraí, o Governo conseguirá ou não aprovar a reforma da Previdência? A reforma será diluída? O Governo tem ou não uma base política para aprovar a reforma e as medidas adicionais que pretende encaminhar? Isso não está muito claro. E com isso os investidores acabam segurando o investimento. Na medida em que a reforma da Previdência avance e outras pautas da área econômica, porque tem uma proposta da reforma tributária que está sendo elaborada pela própria Câmara e que vai entrar em discussão na CCJ esta semana,a confiança volta.

OP- Mas não há um plano B, mais imediato, já que a expectativa de crescimento já foi rebaixada pela 11ª vez?

Mansueto Almeida - Não, o que existe de mais curto prazo é a possibilidade de reabrir este ano - no ano passado foi permitido para quem tem conta no Pis/Pasep, acima, de 65 anos, sacasse o seu saldo - só que, possivelmente, reaberto para qualquer trabalhador. Não só pela idade. Mas fora isso, não há muita coisa visando o curto prazo porque o empresário quando toma a decisão do investimento não olha para demanda dos próximos quatro, cinco meses. Olha para dez, quinze anos, o que eles estão em dúvida é se a reforma será aprovada ou não.

OP- No último domingo, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que pretende a partir do ano que vem fazer o ajuste das alíquotas do Imposto de Renda. Qual o impacto disso nas contas públicas neste cenário de economia ainda em frágil?

Mansueto Almeida - Tem que ver exatamente qual será o reajuste, porque isso tem que ser estudado. O que o presidente falou foi que pediria à equipe econômica estudar o reajuste da alíquota de acordo com a inflação. Uma vez feito o estudo, tem que ver o impacto fiscal e como isso vai ser compensado, então, ainda é algo a ser estudado

OP - Isso não chegou para vocês ainda?

Mansueto Almeida - Isso é um trabalho com a Receita Federal. Não passa por mim, mas possivelmente, como o presidente pediu, a Receita vai estudar se é possível, qual impacto e como afeta a arrecadação do próximo ano. Como a Lei Orçamentária Anual (LOA) só será enviada até 31 de agosto, até lá, o estudo estará feito..

OP - Como está a negociação no Congresso em relação à regra de ouro para que não se quebre a regra e consigam se endividar para pagar o custeio?

Mansueto Almeida - A regra de outro é uma regra que fala que o Governo só pode se endividar para pagar despesa de investimento e amortização da dívida. Só que o desequilíbrio fiscal ficou tão grande que hoje tem que se endividar para pagar despesa de custeio. Daí a autorização do Congresso para abrir o crédito suplementar. Isso está sendo conversado com o Congresso. Vamos ter uma audiência pública com a Comissão Mista de Orçamento nesta terça feira para discutir isso. A grande dúvida é se serão necessários os R$ 248 milhões que foi inscrito na LOA. Se a gente conseguir esta autorização, não significa que vamos usar tudo.

OP - Serão R$ 140 milhões?

Mansueto Almeida - Pode ser um pouco menor porque melhorou bastante o cenário da regra de ouro.

OP - O que o senhor conversou com o governador Camilo Santana?

Mansueto Almeida - Conversamos sobre situação fiscal dos estados, o desafio de ajuste.Na semana passada, teve uma reunião entre os secretários de fazenda do Norte e Nordeste, e governador mostrou um pouco a demanda, foi uma conversa muito boa.

OP - Para os estados como o Ceará que não estão em uma situação tão difícil quanto os outros, o senhor diria que o que está previsto para eles é o bastante para contemplá-los pelo bom comportamento?

Mansueto Almeida - Sem dúvidas. Estados como o Ceará que tem nota B já se qualificam para empréstimos com garantia da União, o que tem que ver é só como a análise ser mais rápida. Às vezes falam assim que gostariam de um limite maior, mas isso é contemplado pela legislação atual.

OP - O senhor veio a Fortaleza fazer uma palestra sobre o ajuste fiscal e as perspectivas futuras. Qual o cenário que se desenha?

Mansueto Almeida - Hoje (ontem) vim falar da situação porque a economia está crescendo tão pouco, os desequilíbrios, o que precisa ser corrigido e meio que mostrar as perspectivas. E de fato, temos uma perspectiva boa. Não significa que a gente vai crescer mais, precisamos fazer o ajuste. Mas, para além do mercado, e sendo feito o ajuste, o cenário de arrecadação para os próximos anos é muito bom, porque a gente vai ter uma mega exploração do Pré-sal, com leilão do excedente.

OP - E vocês pensam em dividir com os estados?

Mansueto Almeida - Exatamente. Vai dar uma mega arrecadação de 2020 a 2030 que podem resolver vários problemas do País. Mas se não tiver cuidado, vamos transformar todo esse aumento de receita em aumento de salário. E é isso que ninguém quer. A gente precisa fazer ajuste, porque a bonança que tivemos na primeira década desse século, a gente desperdiçou. Foi uma escolha política nossa. E não estou culpando um partido político, estou culpando nós como sociedade. Em pleno século XXI você construir um estádio para 60 mil pessoas onde não tem time de futebol ou um estaleiro para empresa que nunca construiu navio, mostra que, enfim, erros foram cometidos. E não podemos repetir os mesmos erros. Vamos ter outra bonança, porque este petróleo excedente são dez milhões de barris, são leilões que já estão programados, não podemos desperdiçar.

OP - A projeção é de um crescimento de arrecadação de quanto?

Mansueto Almeida - Estamos falando de um crescimento de arrecadação ligado a royalties e participação especial de mais de 100%.

OP - E como será a divisão?

Mansueto Almeida - Aí entra o debate político. Não existe a divisão correta, existe de fato é um debate político federativo. È uma pauta que os governadores e prefeitos deverão sentar com o Governo Federal e ter uma discussão aberta.

Perfil

Mansueto Almeida é cearense e atualmente ocupa o cargo de secretário do Tesouro Nacional. Saiu da função de pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2016 para integrar o time formado pelo ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles. Assumiu primeiro a Secretaria de Acompanhamento Econômico e depois o Tesouro Nacional.

 

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