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Maquiagem de produtos. Quando a embalagem encolhe, mas o preço não
Economia

Maquiagem de produtos. Quando a embalagem encolhe, mas o preço não

| CONSUMO | Considerada abusiva, a prática é utilizada pela indústria para repassar o aumento dos custos de produção ao cliente
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Letras miúdas estampadas no rótulo, mercadoria mais leve e valor inalterado. A fórmula de sutilezas é uma estratégia antiga de redução das embalagens pela indústria para repassar o aumento dos custos ao consumidor. A "maquiagem de produtos" ficou mais conhecida durante o Plano Cruzado, quando a inflação anual chegou a 337%. Os tempos não são os mesmos da hiperinflação da década de 1980, mas a camuflagem de preços ainda é uma realidade. O POVO pesquisou em quatro supermercados da Capital e encontrou indicativos de modificações na gramatura de alimentos e itens de higiene e limpeza.

 

Entre as mercadorias, estava o desodorante em aerosol, que costuma pesar 90 gramas (g). Mas, nos estabelecimentos visitados, foi possível observar variações quase imperceptíveis aos olhos do consumidor, de 88 g e 89 g. A reportagem também encontrou fardos de papel higiênico ofertados em promoção, mas com rolos de 20 metros, e não 40 metros, como no restante do pacote. Além disso, havia barra de chocolate 25% menores e sabão em pó com menos 5% do peso anterior.

 

A redução de tamanho é mais comum nesses itens porque não há uma legislação determinando sua padronização, como é feito com o arroz, feijão e outros alimentos regulamentados pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).

 

No entanto, essas alterações devem ser feitas com três meses de antecedência e especificadas em espaço de 20% da embalagem, conforme Portaria 81/2002 do Ministério da Justiça. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) reitera a proibição no artigo 31.

 

Para o economista Ricardo Coimbra, a "maquiagem de produtos" ainda é muito forte na indústria por questões táticas de mercado. "Ficou mais visível no Plano Cruzado, mas esse processo não findou, algumas empresas param de fazer em determinados períodos, mas depois voltam a praticar", expõe, destacando que esse movimento ocorre quando um setor é pressionado a elevar o preço.

 

"Se o segmento sofre impacto significativo da variação do câmbio, como o de massas, que importa um número significativo de trigo dos Estados Unidos, Canadá e Argentina, a indústria tem uma elevação de custo da produção e isso será passado de alguma forma", exemplifica. Porém, algumas empresas optam por não repassar o preço de maneira direta para evitar queda nas vendas. "Quando eles observam que a majoração que deveriam ter para manter a lucratividade gera uma perspectiva de demanda elástica, a alternativa é usada para burlar esse efeito", acrescenta Coimbra.

 

O presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Ceará (OAB-CE), Sávio Aguiar, destaca que determinada prática só pode ser caracterizada "maquiagem" quando o produto fica menor e não há uma sinalização na embalagem. Embora a informação esteja no rótulo, muitas vezes não é possível perceber porque o tamanho do frasco não muda. "O fornecedor altera de forma que não é notável a olho nu", aponta.

 

Esses fatores dificultam a identificação da irregularidade. Segundo o assessor jurídico Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon), Ismael Braz, não há muitos registros de denúncias destes casos no órgão.  

 

"Fica complicado para quem vai comprar, ele tem que ser muito fiscal para perceber", afirma.

 

Conforme a economista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim, outro ponto que dificulta a percepção na mudança de valor é a impossibilidade de saber o preço anterior do produto. Ela cita combos e gramaturas fracionadas como indicativos de camuflagem. "O papel higiênico, por exemplo, o consumidor pega um fardo pensando que está comprando mais por menos", observa, indicando que o cliente compare também com os produtos vendidos por unidade. 

 

CAUTELA 

 

A coordenadora institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), Maria Inês Dolci, esclarece que nem toda diminuição de tamanho configura "maquiagem". É importante saber se não houve apenas uma adequação mercadológica e comparar os preços.

 

Marcos Soares, presidente do Sindicato das Indústrias Químicas e Farmacêuticas do Estado do Ceará (Sindiquímica), diz que as mudanças em embalagens surgem da necessidade de atender a uma nova demanda do cliente e ampliar o mix de produtos.

 

Evite cair na armadilha

 

Avalie com calma as promoções. Leia no rótulo se o tamanho era o mesmo do que você estava acostumado a usar e se tem alguma informação adicional sobre mudanças no peso.

 

Tente fazer um histórico dos produtos que consome para poder comparar.

Fique de olho nos tamanhos e preços dos chocolates, biscoitos, extrato de tomate, adoçante, iogurte, sabão em pó, desodorante, pacotes de fralda, pastas de dente, shampoo e sabonete.

 

Se você notar que o produto diminuiu e não houve aviso claro e suficiente conforme previsto pela legislação, denuncie ao órgão de defesa do consumidor municipal ou estadual.

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