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Privatizações e concessões. A busca por mais receita e menos custeio
Economia

Privatizações e concessões. A busca por mais receita e menos custeio

União, Governo do Ceará e Prefeitura de Fortaleza apostam em caminho semelhante ao buscar investimento privado para a operação de equipamentos públicos que não dão retorno devido e ainda geram conta alta de custeio
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As privatizações e concessões de ativos à iniciativa privada tem sido o caminho buscado pelo Governo Federal, o Ceará e a Prefeitura de Fortaleza para impulsionar a economia na crise, gerar receitas e desafogar os cofres públicos da conta de custeio. Há pressa. No caso do Governo Federal, por exemplo, o calendário proposto é de que todos os 57 ativos sejam leiloados até o quarto trimestre de 2018.

Sem estas receitas, o rombo nas contas públicas pode ser maior que os R$ 159 bilhões previstos. O secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto de Almeida, que esteve na última semana em Fortaleza, explica que este movimento, ao lado do ajuste fiscal e redução de subsídios, são importantes para garantir um processo sustentável de recuperação econômica.

A necessidade de caixa não é a única razão. Explica que muitos dos ativos que estão em estudo vem passando por sucessivas quedas de receitas. A Casa da Moeda, responsável pela emissão de dinheiro no País, é um exemplo. Desde a mudança no sistema de controle e fiscalização da produção de bebidas, na qual a estatal deixou de emitir os selos após denúncias de corrupção, no ano passado, o lucro é cerca de 10 a 15% do que era há cinco anos.

A previsão é que este ano termine no vermelho. Uma situação que tende a se agravar em função da própria mudança de hábitos do brasileiros, que, hoje, usa muito os cartões de crédito e débito para fazer pagamentos."Se começa a ter perdas muito grandes, o Governo precisa ficar injetando dinheiro. E o Governo não tem hoje dinheiro para ficar injetando na maioria destas empresas".

Para Mansueto, a sociedade também sai ganhando. E dá como exemplo o próprio aeroporto de Fortaleza que depois de a Copa do Mundo amargou o peso das obras inacabadas, mas passou a ter nova perspectiva com a concessão da gestão para a alemã Fraport, considerada uma das melhores administradoras de aeroportos do mundo. "Se está fazendo concessão plena e o que interessa para o Governo não é gerir um aeroporto, é coletar o imposto para gastar com saúde, educação e investimento", defende.

A falta de uma definição mais clara da modelagem destes negócios, no entanto, preocupa. Um dos principais riscos apontados é que o cenário de instabilidade política que o País atravessa e o afogadilho do Governo em vendê-los podem derrubar o preço destes ativos no mercado. Ou seja, que estes equipamentos públicos sejam vendidos por um valor inferior ao que realmente valem.

"Eu sou favorável à redução do tamanho do Estado, mas o desenho destes ativos não está muito claro. Se é para reduzir o gasto público, colocar o BNDES para financiar a concessão, por exemplo, não guarda muita lógica e nem bom senso”, alerta o vice-presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon-CE), Ricardo Eleutério Rocha.

Ele chama atenção também para a proximidade do calendário eleitoral, o que pode fazer com que as promessas feitas agora e que tanto animaram o mercado - um dia após o anúncio da venda de parte da Eletrobrás, as ações da companhia saltaram quase 50% - não se concretizem de fato. "O risco é de se criar um grande factóide político. O Governo tem sido muito bom em oferecer promessas, mas não muito eficiente em cumpri-las".

Há também os que entendem que além de não resolver de forma mais efetiva a questão do déficit público, o mecanismo fragiliza o usuário ante a iniciativa privada. Mas para o professor de mercado de capitais, da Saint Paul Escola de Negócios, José Roberto Ferreira Savoia, a questão que deveria ser posta é qual o resultado que estes equipamentos produzem hoje para sociedade.

Ele reforça que há muitos anos os estados brasileiros vem reduzindo seu investimento direto em infraestrutura, que hoje não chega a 1% do PIB, o que gera depreciação e um entrave para o desenvolvimento. “O que o Governo está fazendo não é abrir mão de algo que funciona bem, e sim o que é muito oneroso e que ganhará mais funcionalidade nas mãos do privado. Não se trata apenas de privatizar para cobrir uma deficiência de caixa, até porque para resolver isso o que precisa é de reformas, enxugar custeio”.

Do pacote do Governo Federal, dois interessam diretamente ao Ceará: as linhas de transmissão (das 11 oferecidas, parte está no Estado) e a concessão do aeroporto de Juazeiro do Norte, que será leiloado no bloco de aeroportos do Nordeste que terá como carro-chefe o Aeroporto do Recife.

“Acho que a estratégia de fazer a concessão em grupo e colocar um aeroporto mais lucrativo para estimular os demais é um modelo que pode funcionar e deixar a concessão mais viável”, afirma Mauricio Endo, líder de infraestrutura da KPMG Brasil.

Estado e Município de Fortaleza também estão em busca de investidores

Os arranjos público-privados são o caminho também trilhado pelo governador do Ceará, Camilo Santana (PT), e pelo prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio (PDT), para dar novo fôlego para economia. Dos ativos lançados no ano passado pelo Estado, o edital da usina de dessalinização já foi liberado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e os do metrô e VLT começaram a ser analisados. Já RC foi à China no início do mês para oferecer para investidores, ativos lançados dentro do programa Fortaleza Competitiva.

Dentre estes equipamentos estão o ginásio Paulo Sarasate, os espigões da Beira-Mar e a expansão dos terminais de passageiros. Outros road shows (apresentações a potenciais investidores) devem ser realizados dentro do País.
O leque de equipamentos e serviços é variado e nem todos seguem a mesma modelagem.

É o caso da proposta a concessão à iniciativa privada do BRT de Messejana, por exemplo.A Prefeitura também estuda contratar uma empresa para fazer captação de patrocínio de grandes eventos, como o Réveillon, como forma de tornar sustentável financeiramente.

Também há a ideia de flexibilizar a operação urbanística em determinados trechos, em troca de contrapartida do privado, a chamada operação urbana consorciada. É o que foi feito com o shopping RioMar no Papicu, ainda na gestão da então prefeita Luizianne Lins (PT) e que agora se quer estender para áreas como a do rio Maranguapinho.

A situação do Estado e da Prefeitura, no entanto, é mais confortável do que a União. A situação fiscal é menos desconfortável. O que vai determinar o sucesso ou não das concessões na opinião do consultor e presidente da Oficina Brasileira de Projetos de Infraestrutura Social e Econômica Ltda (OBPI), André Barbosa, serão as regras que estarão nestes editais.

“A Prefeitura tem muitas oportunidades interessantes. E a chave do sucesso será oferecer aos investidores projetos que tenham maior capacidade de geração de receita própria ou que reduzam a dependência de receita do poder público”, avalia André.

Afinal, o que é determinante para uma concessão ser bem sucedida?
Historicamente, encontrar o equilíbrio entre acelerar investimentos e melhorias no serviço público prestado, garantir retorno ao investidor, mas sem pesar a mão sobre as taxas cobradas aos usuários. A equação nada complexa é o que espera quando se passa um equipamento público para as mãos da iniciativa privada.

O aeroporto de Brasília, após a concessão em 2013, passou por muitas mudanças e hoje é considerado referência no País, com amplo e confortável terminal de passageiros e maior capacidade operacional.

Já o de Viracopos (SP), apesar de ter melhorado a infraestrutura oferecida aos passageiros, foi devolvido pelos concessionários em julho deste ano em função da dívida de R$ 460 milhões relacionada às outorgas devidas ao Governo Federal. Agora, está novamente no pacote para ser leiloado.

“O mesmo aconteceu com muitas concessões rodoviárias que não foram bem sucedidas porque o planejamento foi feito com base em premissas que não eram reais. Questões políticas também interferem. A forma de remuneração tem que ser adequada para que o retorno para o investidor seja também economicamente viável”, avalia o economista Gilberto Barbosa.

Maurício Endo destaca a necessidade de reforçar nos editais mecanismos de mitigação de risco cambial para financiamento em moeda estrangeira. “Sem isso, o investidor estrangeiro não vem”.

Para o professor José Roberto Savoia é preciso assegurar desde o planejamento um modelo de prestação de serviço que garanta também a competitividade do equipamento. O que passa necessariamente pelo fortalecimento das agências reguladoras. “É preciso que haja um bom órgão regulador para resguardar os interesses do cidadão e para que o objetivo público seja atingido”.

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