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A conquista pela arte
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A conquista pela arte

A saída da rua não é um caminho simples. São muitos processos e muitos atores trabalhando juntos. Com apartamento recém-conquistado, Wagner sabe que a arte foi um dos principais motivadores dessa nova trajetória
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Tipo Notícia

Wagner Gonçalves, 35, é educador social e aficcionado por cultura e literatura. Lê de tudo, mas Sidney Sheldon é, sem dúvida, o autor preferido. Daqui a pouco ele mesmo também pretende ser autor de livro. É o Monólogos de Papelão, que traz a própria história de vida, do tempo que insistia em andar devagar, do tempo que o endereço era a Praça do Ferreira. Hoje, Wagner tem endereço fixo, chaves de casa no bolso e um processo de superação efetivo em andamento.

"Eu saí de casa no final de 2016. Estava numa depressão muito forte, tive problemas familiares, tentei suicídio, passei uma semana internado no IJF (Instituto Doutor José Frota) e resolvi sair de casa de vez", conta. Os primeiros dias foram de descoberta de um outro mundo completamente à margem, como ele mesmo diz: um mundo invisível aos olhos da sociedade. "Eu costumo comparar a situação de rua aos bruxos do Harry Potter, que eles se veem em um verdadeiro universo, mas as outras pessoas não os enxergam."

A primeira semana na rua foi na praia, isso pela vergonha de ser visto por algum conhecido. "Eu tinha vergonha de pedir comida, tive muitos problemas com esse negócio de receber 'não'. Em vez de pedir, eu optava por catar comida no lixo", conta.

Foi quando um amigo, também morador de rua, o levou para o Centro (da Cidade). Lá tinham as doações de sopa à noite, muitas vezes a única refeição do dia. "Nas ruas, tem muito preconceito e a situação é muito difícil. Você dorme sem saber se acorda no outro dia, você acorda de madrugada com rato, caranguejeira passando na sua perna, você deita no papelão e não sabe se volta."

No caso dele, o fortalecimento pessoal se iniciou quando encontrou amigos. O arte-educador André Foca lembrou a ele o que já existia dentro de si. "Eu comecei a escrever espetáculos, dirigi, me envolvi em projetos. Foi quando comecei a acreditar de novo em mim mesmo." No final do ano passado, Wagner conquistou a própria casa a partir de um programa de moradia. No novo lar ainda não existem móveis. Há um vazio, mas o vazio dele, do Wagner.

O primeiro encontro da nossa equipe com o Wagner foi justamente na Praça do Ferreira, lá ele quase não chega ao nosso ponto marcado de tantos amigos e parceiros que o solicitavam.

Para ele, as políticas públicas de inclusão e superação precisam ter mais a cara de quem é assistido ou negligenciado por elas. "Tem muita coisa que precisa mudar, tem abrigo que tem hora de entrada e saída, que não se adequa, têm estruturas que não são nada atrativas para que as pessoas se sintam confortáveis", critica. Segundo ele, no caso da dependência química, a cura não tem de estar no uso em si de entorpecentes. "Isso é só uma fuga, tem que saber é do que se quer fugir. Aí sim, você garante a saúde daquela pessoa."

Ainda é difícil. Wagner aguarda propostas de emprego, tira da passagem para comprar comida e vice-versa. Mas o que mais precisava ser fortalecido já foi: a autoestima.

 

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