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MEMÓRIA | Projeto Fortaleza, da Cia. Dita, reúne dança e fotografia para pensar modos de se relacionar e sobreviver com e na Cidade
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Os bailarinos-criadores da Cia. Dita posaram em 20 dos 60 espaços e edificações públicos de Fortaleza (Foto: Régis Amora / divulgação)
Foto: Régis Amora / divulgação Os bailarinos-criadores da Cia. Dita posaram em 20 dos 60 espaços e edificações públicos de Fortaleza

Pele, osso, músculo, sangue. Tinta, concreto, cimento, argamassa. Iluminação, cor, foco, composição. Praça, palacete, casa, ponte. São diversos os elementos que compõem um corpo humano, uma edificação, uma fotografia e uma cidade. Na intenção de relacionar esses quatro pontos - de arquitetar a dança, construir o corpo, fotografar a cidade -, a Cia. Dita estreia gratuitamente amanhã, 17, na programação de aniversário de 109 anos do Theatro José de Alencar, o espetáculo Fortaleza. A obra faz parte de um projeto maior e anterior que remonta a uma pesquisa de arquitetura e história a partir de registros fotográficos, realizada desde 2014 pelos bailarinos-criadores da companhia de dança - e na qual estão envolvidos Clarissa Costa, Enoque Viana, Fauller, Henrique Castro, Jakson Rodrigues, Patrícia Crespí e Wilemara Barros. A criação de luz do espetáculo é de Fábio Oliveira, a técnica de som é de Jozé Grah de Paula, a trilha de Airton Pessoa, as fotos de Régis Amora e o projeto gráfico de Pablo Cavalcanti.

Fauller, que assina a direção de Fortaleza, já tem vivência na dança há mais de 20 anos. Ele conta que o interesse pela fotografia veio antes, na infância. "Desde criança eu tenho essa relação forte e acho que foi isso que me levou à dança, tanto que meus trabalhos sempre foram e são imagéticos", considera. A mistura que resultaria no projeto Fortaleza, pode-se dizer, começou a se dar mesmo antes de ele começar a ser pensado. A concretização de fato, porém, começou em 2011, quando os bailarinos da companhia partiram "a andar pela Cidade juntos" e a fazer registros de si mesmos em diferentes locais de Fortaleza. "A gente não sabia muito bem o que fazer com isso, com essa experiência", recupera Fauller, "mas quando foi 2014 eu convidei o Régis Amora (fotógrafo e membro do Descoletivo) para fazer o projeto".

Com a utilização da fotografia, a proposta foi fazer um apanhado memorialista da Capital. Foram listadas e registradas em foto 60 edificações e locais históricos da Capital, como o Museu do Ceará, o Theatro José de Alencar, o Palacete Carvalho Mota, a Casa de Juvenal Galeno, a Praça dos Leões, a Ponte Velha e o Náutico Atlético Cearense. Os bailarinos posaram nus em frente a 20 dos locais, relacionando seus corpos com os espaços. Os outros 40 tiveram, para além das fotos gerais, detalhes retratados, num esquadrinhar minucioso de seus arabescos, janelas e portas, por exemplo.

"A nudez tem uma força política muito grande, sobretudo nos dias sombrios que vivemos hoje no Brasil. Trabalhos que têm força de contestação são cada vez mais necessários", defende Fauller. A escolha por utilizar os corpos desnudos no projeto fotográfico "reforça sobretudo o desejo de relação entre corpo e arquitetura. Se nós estivéssemos vestidos, a relação não seria tão forte. Coreografar é uma forma de organizar arquitetonicamente corpos no espaço", correlaciona.

O projeto, então, foi se desenvolvendo e, da imobilidade das fotos, chegou-se à mobilidade da dança. "Começamos a estudar e ler sobre a Cidade e nossas questões foram virando outras, virando o incômodo com a chacina, com os tiros disparados indiscriminadamente na praça do Benfica", conta Fauller, referindo-se às chacinas da Grande Messejana, ocorrida em 2015, e do Benfica, em 2018. "Quando começamos a montar o trabalho ele era sobre Fortaleza, mas logo percebemos que se tratava de pensar: que Fortaleza é essa? Começamos a nos perceber como corpos-cidade. Nós somos a Cidade, a Cidade somos nós", interliga. A materialidade dessas reflexões se dá, enfim, a partir da corporeidade. "O trabalho foi todo estruturado de forma que todas essas questões se condensam nos nossos corpos. Não temos cenário, não temos uma dramaturgia que conta uma historinha sobre a Cidade. Todas as questões, os incômodos, as perguntas, nossos amores, esse constante estado de guerra que nós vivemos em Fortaleza - assim como em qualquer capital brasileira -, tudo isso se encontra nos nossos corpos".

Espetáculo Fortaleza

Quando: amanhã, 17, às 19h30

Onde: Theatro José de Alencar (rua Liberato Barroso, 525, Centro)

Entrada gratuita. Ingressos retirados uma hora antes do espetáculo. Lotação de 80 lugares.

Classificação etária: 18 anos

Desdobramentos de "Fortaleza"

Após a estreia do espetáculo amanhã, o projeto Fortaleza terá momentos posteriores que incluem novas apresentações, discussões abertas com o público e planos de dar vazão às fotos. “Falar numa lista de 60 (edificações e locais históricos) parece muito, mas é pouquíssimo. Nós não temos um centro histórico, como em outras capitais do Nordeste. O que temos é sempre adulterado, modificado. Comecei a querer registrar o pouco que temos para, daqui a 30, 40 anos, podermos ter acesso pelo menos através de um livro”, prevê Fauller, bailarino e coreógrafo da Cia. Dita. “Pensamos em fazer uma exposição e, a partir dela, montar uma publicação. Em julho, teremos duas conversas públicas. Ainda estamos vendo onde serão, mas são encontros para mostrar o material”, explica. O espetáculo será, ainda, reapresentado nos dias 19 e 26 de julho, também no TJA, mediante pagamento.

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