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Um novo jeito de fazer a feira
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Um novo jeito de fazer a feira

| CONCURSO | Em Fortaleza, fazer compras de supermercado por aplicativos e receber as mercadorias em casa é cada vez mais comum. Em 2023, a expectativa é que o e-commerce de itens alimentícios movimente R$ 48 bilhões no País
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Compras por aplicativo têm ganhado popularidade (Foto: AURELIO ALVES)
Foto: AURELIO ALVES Compras por aplicativo têm ganhado popularidade

Deslocar-se até o supermercado mais próximo, procurar uma vaga no estacionamento, analisar os produtos e preços, enfrentar filas nos caixas, embalar as mercadorias, voltar para casa. Desembalar e guardar as compras num processo inverso. As diversas etapas que envolvem a feira do mês fazem parte de uma rotina automática para a maioria dos consumidores, mas esse modus operandi passa por mudanças culturais em razão da tecnologia. É que, hoje, basta um deslizar de dedos na tela do celular para fazer tudo isso desaparecer. No Reino Unido, por exemplo, 40% da aquisição dos mantimentos são via smartphones.

No Brasil, as vendas online deste segmento cresceram 30% em 2017, segundo a última pesquisa patrocinada pelo Mercado Pago. Algo que reflete uma realidade em que a comodidade e a economia de tempo são essenciais para a sociedade contemporânea. A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) estima que, em 2023, o e-commerce de itens alimentícios movimentará R$ 48 bilhões.

Um cenário que pressiona a adaptação rápida dos modelos de negócios e gera empregos como o da shopper Thaís Barreto, 19, que faz cerca de 50 compras por dia, das 8 às 16h20. Enquanto ziguezagueia, com destreza, entre as gôndolas do Carrefour da avenida Barão de Studart, no bairro Aldeota, em Fortaleza, ela separa leites, cervejas, carnes e outros produtos. A diferença é que esses itens não são para o consumo dela. Thaís tem o papel de substituir o consumidor que está do outro lado da tela esperando pelas mercadorias. "Eu compro como se fossem para mim", diz a funcionária do Rappi.

Perto dali, no Guará da rua Professor Dias da Rocha, Doralice Marques, 32, empurra o carrinho com apenas uma mão, enquanto segura o celular com a outra, confere os rótulos e valores para encontrar o que o cliente quer. Depois, passa a tarefa para o Erlyson Andrade, chefe da seção de hortifruti e responsável pela escolha dos alimentos perecíveis. "Existe um cuidado e temos que decidir de acordo com o que a pessoa quer. Às vezes, eles querem mesmo um alimento mais verde ou maduro", exemplifica. O empreendimento tem aplicativo próprio desenvolvido pela Mercadapp, startup acelerada pela Casa Azul Ventures, do Grupo de Comunicação O POVO.

Os shoppers são os profissionais que fazem a interlocução entre loja e consumidores, como a estudante Gabrielle Marques, 24. "Quando eu peço as frutas, eles escolhem . E isso é melhor para mim. Quando eu mesma ia, não sabia fazer essa triagem", relata. Gabrielle mora com a mãe, tem uma rotina intensa e se divide entre o trabalho e a faculdade. Para ela, ir ao supermercado exige um tempo do qual não dispõe. "Uso app do trabalho e agendo para que as sacolas cheguem somente quando estou em casa", afirma, destacando a praticidade. Ela acrescenta que o serviço contratado, incluindo taxa de frete, custa R$ 10.

Essa conveniência não é uma busca apenas dos millennials (os nascidos de 1980 a 1995). Para Cláudia Buhamra, doutora em Administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e autora do livro "Gestão de Marketing no Varejo - Conceitos, Orientações e Prática", essa é uma tendência que abarca todas gerações: dos Baby Boomers (1940 a 1959), X (1960 a 1979) e vai atravessar os que já nasceram imersos nessas possibilidades obtenção, a Geração Z ( 1995 a 2010).

"Ninguém quer mais perder 40 minutos procurando uma vaga no estacionamento, enfrentando filas e trânsito", observa. "Quando (o cliente tradicional) adquire algo daquele lugar que já está acostumado, tira a barreira da falta de confiabilidade e os aplicativos se tornam um mero intermediário logístico", complementa.

De acordo com Cláudia, esse modelo de aquisição tende a crescer e reduzir a ocupação nas lojas físicas. Atualmente, o consumidor espera economizar tempo, dinheiro e evitar desgastes cotidianos. Num futuro próximo, projeta, as pessoas irão aos supermercados para comprar somente insumos com valores afetivos, como vinhos, e para outro fins que proporcionem uma experiência de consumo agradável.

Roberto Kanter, professor dos MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV), destaca que, embora a tecnologia esteja mais presente no comércio, as empresas não podem esquecer a questão da humanização, que o torna o serviço mais atraente. "A ferramenta se torna cada vez mais comum nas grandes cidades, onde há ritmos de vida mais intensos. E o fator de ter uma mão de obra humana selecionando os produtos torna tudo mais interessante para quem vai usar", aponta.

FORTALEZA, CE, BRASIL, 04-08-2017: Movimento de pessoas em supermercado. Baixa de valores em supermercados. (Foto: Tatiana Fortes/O POVO)
FORTALEZA, CE, BRASIL, 04-08-2017: Movimento de pessoas em supermercado. Baixa de valores em supermercados. (Foto: Tatiana Fortes/O POVO)

Aplicativos aumentam vendas dos supermercados

Apressado, exigente, sem tempo e disposição. São essas características e agonias do consumidor na atualidade que levam o mercado ao constante desafio de entender e acompanhar as novas demandas dos clientes. Nesse contexto, a saída é usar a tecnologia para se adequar. Surge então o boom dos aplicativos e a disputa acirrada por ofertas e serviços diferenciados, algo que beneficia o cliente.

Segundo o representante comercial da Mercadapp — empresa atendida pela aceleradora de startups Casa Azul Ventures e que dispõe de aplicativos para 30 supermercados no Ceará —, Thiago Sena, o serviço puxou ou aumento de 30% no lucro mensal desses empreendimentos. "Essas vendas correspondem a 3% do faturamento das lojas físicas. As empresas contratam pessoas responsáveis pela separação das compras e também dispomos de uma equipe operacional e treinamentos especializados para atender com tecnologia e a qualidade que esse cliente busca", aponta. Operando há três anos, a cearense Mercadapp atende 15 municípios no Ceará.

Dentre eles, os Supermercado Pinheiro. "Identificamos que o cliente quer comodidade e não aceita pagar mais caro por isso. Investimos nisso e, na outra ponta, fazemos uma loja cada vez mais interessante para que ele tenha outras experiências com esse ambiente", lista Alexandre Pinheiro, diretor comercial e de marketing da empresa. Ele conta que os entregadores também são treinados para organizar as compras na dispensa do cliente. "Se ele quiser, temos esse diferencial", complementa.

Em operação desde 2018, foram mais de 14 mil downloads. O serviço entre entrega Fortaleza, Aquiraz e Eusébio, na Região Metropolitana, mas a maior parte dos pedidos vai para os bairros Meireles, Aldeota, Cocó, Mondubim e Maraponga. O tíquete médio no app é de R$ 260.

O GPA, controlador das bandeiras Pão de Açúcar e Extra, implantou o aplicativos há dois anos e alcançou aumento de 76% para 85% e 47% para 55%, nas respectivas lojas. Mais de 8 milhões de pessoas usam a plataforma. No Nordeste, a participação dos apps na venda dobrou entre 2017 e 2018.

"Atualmente, o consumidor demanda opções diversas de compras, seja pela loja física, pelo e-commerce, ou pelo aplicativo, não ficando restrito a um único canal. É por isso que a omnicanalidade é uma estratégia da companhia", afirma Rodrigo Pimentel, diretor de E-commerce Alimentar do GPA. De acordo com ele, a venda de alimentos pela internet hoje, no País, representa cerca de 2% de toda a rede, considerando as bandeiras Pão de Açúcar e Extra.

Já a startup colombiana Rappi —aplicativo de delivery —fechou parceria com as redes Carrefour e Mercadinhos São Luiz em Fortaleza, para oferecer O serviço personalizado, com os mesmos preços das lojas físicas, por meio dos personal shoppers, profissionais preparados para escolher os itens para os usuários.

Para Georgia Sanches, gerente regional do Rappi, o mercado cearense tem acompanhado esse movimento da ultraconveniência, que ocorre nos grandes centros urbanos. "O delivery de Fortaleza é o mais bem desenvolvido do Nordeste", diz. Ele avalia que parte disso se deve ao contexto cultural e urbano da região. Problemas de mobilidade e violência, por exemplo, impulsionam essas atividades.

PREÇOS

Os aplicativos atendem, na sua maioria, os bairros vizinhos e alguns abrangem maior área geográfica. Os preço do serviço varia de R$ 1 a R$ 2, de acordo com a empresa, além do frete, que é estipulado conforme a distância para o local de destino

VÍDEO

No O POVO Online, você pode assistir a um vídeo especial e acompanha como ocorre o processo de fazer a feira do supermercado sem sair de casa. Desde o processo de escolha, pagamento até o pedido chegar ao consumidor final

Como vai ser no futuro

Infraestrutura, alta penetração da internet e logística avançada são pontos centrais para desenvolver e modernizar os supermercados. O Brasil ainda engatinha em alguns aspectos, mas especialistas apontam que novas realidades já batem à porta e devem tornar essa experiência de consumo cada vez mais tecnológica. A capilaridade dos aplicativos para o serviço indica essa demanda.

 

Dentre as apostas estão os apps para terceirizar a compra entre usuários, na linha do compartilhamento, lojas com mais interações tecnológicas e praças de alimentação. W. Gabriel, professor e especialista em Marketing, exemplifica que os aplicativos de supermercados têm viabilizado uma mudança cultural na forma de fazer a feira. Para ele, esse é um indicativo do que está porvir.

 

"A loja física vai servir apenas para a experiência e não mais o consumo de massa, não haverá mais a necessidade de um supermercado em cada bairro", projeta. Assim, os empreendimentos teriam apenas uma unidade, que servirá de armazenamento de mercadorias e também para novas vivências com gastronomia e lazer.

Na outra ponta, "nem tudo será comprado com a mesma velocidade de ir até á esquina de casa, então, os mercadinhos de bairro podem voltar forte", projeta um futuro para os próximos cinco anos. “A tecnologia vai avançar independente da sua cabeça. Se você não está com essa mentalidade, a tecnologia vai comandar você. Isso vale para o empreendedor, consumidor, quem está procurando emprego etc”, complementa.

 

Roberto Kanter, professor dos MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV), prevê a incorporação do compartilhamento entre usuários. Por exemplo, um usuário está no supermercado e ativa a ferramenta, que aciona outro que pode aproveitar sua idade à loja. Situação similar ao que ocorre com aplicativos de transporte hoje, como o Uber Juntos, no qual os passageiros compartilham a viagem com outros que estão nesta rota.

Do outro lado, outro comprador solicita uma compra. "Isso já acontece nos Estados Unidos... É um movimento interessante. É a transformação do digital, que gera um empoderamento das pessoas, facilita e pressionar a geração de empregos", enumera.

Cláudia Buhamra, doutora em Administração pela Fundação Getúlio Vargas e autora do livro “Gestão de Marketing no Varejo - Conceitos, Orientações e Prática”, acrescenta que os consumidores farão cada vez mais compras "híbridas", parte nas lojas online e outra na física, em busca de uma ligação com aspectos emocionais.

 

FOTO ALVARO

O estudante Álvaro Rolim, 20, faz parte da Geração Z (nascidos entre 1995 a 2010). Ou seja, já nasceu imerso à tecnologia. Ele está acostumado a pesquisar tudo na internet, comprar comidas de restaurantes via aplicativos, mas ainda não tem a cultura de obter os produtos de supermercados pela plataforma. "Eu sempre recebo cupons, mas ainda não tenho esse costume. Tenho o hábito de olhar bem os produtos e preços e acho que, na loja física, isso é melhor", relata, destacando que essa pode ser uma alternativa quando a rotina não permitir as visitas ao supermercado.

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Já a consultora de serviços, Naia Lua, 28, conta que o aplicativos de supermercado ajudou a organizar a agenda cheia durante a semana. "Uso muito para fazer feira quando estou na rua. Como tem a opção de agendamento, já marco para algum horário que estou em casa, como o sábado. Outra vantagem é que não tenho carro. Se eu fosse ficar pegando transporte de aplicativos para fazer feira, além do tempo, ia sair mais caro. É a questão do tempo e da praticidade de estar em casa e não depender de carro", conta. Ela é de Recife e mora há oito meses em Fortaleza e viaja todos os meses para a terra natal. "Quando estou voltando de viagem, eu já programo a feira para chegar junto comigo", diz.

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