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Logística reversa. A indústria que se renova pelo lixo
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Logística reversa. A indústria que se renova pelo lixo

|Meio ambiente|No Brasil, a indústria da reciclagem ainda deixa de arrecadar R$ 8 bilhões por ano com o desperdício de materiais que poderiam voltar à cadeia de consumo
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Fortaleza, CE, Brasil, 16-05-2019: Ultralimpo, especializada no gerenciamento de resíduos no Maracanaú, atende empresas com o objetivo de garantir uma destinação ambientalmente correta e economicamente viável. (Foto: Mateus Dantas / O POVO) (Foto: Mateus Dantas)
Foto: Mateus Dantas Fortaleza, CE, Brasil, 16-05-2019: Ultralimpo, especializada no gerenciamento de resíduos no Maracanaú, atende empresas com o objetivo de garantir uma destinação ambientalmente correta e economicamente viável. (Foto: Mateus Dantas / O POVO)

Foi no vai e vem pelas ruas do bairro Serrinha, em Fortaleza, que Lidiane Sousa, 39, aprendeu o ofício. Aos 18 anos, já esmiuçava os sacos de lixo deixados nas calçadas em busca do que poderia ser transformado. "Até os ossos das sobras de alimento viravam sabão", exemplifica. Ela está na ponta da chamada indústria de reciclagem, que possui grande potencial de crescimento no Brasil, mas ainda perde R$ 8 bilhões por ano em materiais recicláveis desperdiçados em aterros e lixões, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Nesse contexto, a chamada logística reversa, que faz a gestão dos resíduos para que ele retorne ao ciclo produtivo, é determinante a fim de criar uma rota que percorre toda a cadeia para o desenvolvimento socioeconômico e sustentável. Ocorre que, além do impacto ambiental necessário e positivo, a prática gera emprego e renda a recicladores e agrega valor a empresas. Lidiane conta que aprendeu tudo com a mãe, fundadora da Associação dos Catadores de Serrinha (Acores), entidade da qual hoje é presidente. "O catador é um agente ambiental que transforma o lixo em produto e renda", defende.

Na Acores, são 15 toneladas de resíduo recicladas por mês e 20 trabalhadores para separar o material doado por empresas, que, em troca, recebem o certificado do descarte correto. Em 2010, foi estabelecida a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010). A norma obriga empreendimentos fabricantes, distribuidoras e comerciantes realizarem a logística reversa dos resíduos classificados perigosos, como agrotóxicos. Há também alguns acordos setoriais, como os de embalagens, bebidas e alimentos e eletroeletrônicos.

Conforme estudo de viabilidade econômica do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), realizado como suporte ao acordo setorial de embalagens, a logística reversa pode gerar benefícios econômicos de R$ 1,1 milhão por dia. O efeito, no entanto, só seria possível caso 90% da população fosse atendida por coleta seletiva de resíduos. Uma realidade que ainda engatinha no Brasil. Para o levantamento, foram consultados 364

municípios nos diferentes estados, totalizando fatia populacional de 63%, entre novembro de 2015 e novembro de 2017.

Albino Alvarez, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, explica que a educação ambiental é a peça-chave para o sistema funcionar. "Para que a logística reversa dê certo, é necessário implantar a cultura da coleta seletiva. Se a pessoa separa em casa o material, ela passa a ser um elemento ativo do processo", observa. "Este gargalo gente não cruzou, de envolver as pessoas em um trabalho de separação de materiais. Isso porque, hoje, quase tudo vai para o lixo para depois ser separado. O que gera retrabalho e mais gastos. É a coleta seletiva que torna possível a redução grande dos custos", acrescenta.

Paulo Branco, coordenador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirma que essa é uma questão de responsabilidade compartilhada entre setor público, privado e sociedade. "Se você consegue estruturar adequadamente o processo de logística reversa e de reciclagem, gera oportunidade de trabalho e renda para muitas pessoas que estão na base da pirâmide social no Brasil. As cooperativas de catadores são um veículo importante para a inclusão social", destaca.

A prática evita os riscos à saúde humana, o descarte dos resíduos no meio ambiente e reduz a emissão do dióxido de carbono ou gás carbônico (CO2), responsável pelo aquecimento global. Aécio Alves de Oliveira, professor do Departamento de Economia Ecológica da Universidade Federal do Ceará (UFC), chama atenção para o risco de precarização do trabalhador e o desequilíbrio gerado pela escala de produtiva industrial. "Deve-se, também, evitar a grande produção. Se um quilograma de lixo é reciclado e depois se produz mais, estamos enxugando gelo", ressalta.

 

FOTOS LEGENDA

COCA-COLA

A Solar Coca-Cola do Nordeste consegue reciclar 100% dos materiais recicláveis em toda a cadeia produtiva, sem gerar nenhum desperdício. Hoje, 80% do que a empresa fabrica pode retornar ao ciclo. Ao todo, são 350 toneladas de recicláveis por mês. Deste total, 23% de madeira, 17% de vidro e 16% de plástico. “Entendemos como questão principal a segregação no ponto gerador, em que nós capacitamos toda nossa operação, periodicamente, para que eles façam a coleta seletiva e a disposição dos itens agregados à nossa gestão de resíduos junto ao nosso parceiro”, detalha Rafael Vaz, gerente industrial regional. Para agregar o consumidor à rede sustentável, é realizado o aporte financeiro para o programa Reciclar Pelo Brasil, gerido pelo Instituto Coca-Cola Brasil, e também tem parceria com a concorrente, Cervejaria Ambev. O projeto apoia 40 cooperativas de catadores no Nordeste. Os investimentos não foram divulgados.

AMBEV

A Cervejaria Ambev ampliou o número de garrafas de vidro retornáveis, que podem ser reutilizadas cerca de 20 vezes, no mercado. Para facilitar a troca do produto, foram instaladas mais de 1000 máquinas de coleta por

todo o País. Em 2017, coletaram mais de 115 milhões de vasilhames. Com isso, atualmente, uma em cada 4 garrafas vendidas nos mercados já é retornável. No Ceará, foram coletadas mais de 10 milhões de materiais. O equivalente a cerca de 1.9 milhão de toneladas de vidro.

SUSTENTO

“A reciclagem permite uma renda muito boa, mas o que é coletado nas ruas é pouco. A maior quantidade vem das empresas, que têm obrigação de fazer o destino correto do resíduo. Se a gente conseguisse uma educação ambiental da sociedade, a nossa renda melhoraria muito”, relata Charliany Morais, presidente da Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis de Fortaleza e Região Metropolitana (Coopmares). Para cada quilo de latas de alumínio, o reciclador recebe R$ 2,50. As garrafas PET variam entre R$ 0,60 a R$ 1,50 o quilo. O vidro é comercializado por R$ 0,05. Mas, quando o produto está e meio ao lixo domiciliar, pode perder o valor pelo desgaste e mistura com materiais que o danificam.

A cooperativa, que conta com 30 sócios, teve a unidade invadida e aguarda atenção do setor público e auxílio do privado para retomar as atividades. Charliany também realiza o trabalho de inclusão social para recuperar a autoestima dos recicladores. “Como os catadores trabalham com os resíduos, eles se sentem como se ali fosse um mundo à parte, se afastam da sociedade. É dali que eles conseguem as roupas, o alimento, a renda. A formação é necessária para eles se reconhecerem como pessoas importantes naquele contexto”, diz.

EXEMPLO

No Reino Unido, por exemplo, as empresas recebem incentivos fiscais para aderir à prática da logística reversa. A falta de uma legislação no País que atenda às necessidades locais é outro problema

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