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Batalha pela memória do golpe militar
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Batalha pela memória do golpe militar

|Governo|Decisão de Jair Bolsonaro de comemorar o golpe militar reacende debate sobre a ditadura. Pesquisadores alegam que presidente falseia a História
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Movimentos contra a ditadura (Foto: Arquivo Nacional)
Foto: Arquivo Nacional Movimentos contra a ditadura

A determinação do presidente Jair Bolsonaro (PSL) para que as Forças Armadas rememorem os 55 anos do golpe militar, completados neste domingo, reabriu uma ferida na sociedade e expôs os traumas que ainda cercam os eventos deflagrados em 31 de março de 1964.

Naquele dia, as tropas do general Olímpio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar, deixaram a cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais, rumo ao Rio de Janeiro, sede do Governo Federal. O objetivo era apear o então presidente da República, João Goulart, um estancieiro sobre quem havia caído a pecha de comunista.

A quartelada, que tinha lastro social, foi bem-sucedida. Em 1º de abril, dia da mentira, o Congresso declarou a vacância do cargo de chefe do Executivo após Jango deixar o Rio em direção a Porto Alegre. Da capital gaúcha, o presidente golpeado partiria para o Uruguai e, em seguida, para a Argentina, onde morreria.

Pelos próximos 21 anos, presidentes-militares se revezariam no comando do País. Nesse período, o regime de exceção promoveria censura, perseguições e tortura de adversários políticos. A ditadura se estenderia até 1985, quando os civis reassumiram o mando de campo.

Mais de meio século depois, um capitão do Exército alçado à cadeira presidencial reacende as paixões em torno do assunto. Ao anúncio de que Exército, Marinha e Aeronáutica estavam autorizados a fazer as "comemorações devidas" do 31 de março, feito na última segunda-feira, seguiram-se protestos e ações judiciais.

Uma delas foi impetrada pela Defensoria Pública da União (DPU) na quinta passada e acolhida pela juíza Ivani Silva da Luz, da 6ª Vara da Justiça Federal em Brasília. A medida sustou qualquer ato de comemoração nos quartéis alusivo à data magna da ditadura militar.

Essa trincheira jurídica, todavia, escancarou outra disputa: a de narrativa. Ao instar as tropas a festejar o golpe, Bolsonaro entrava na batalha pela interpretação do episódio histórico cujo epicentro é o 31/3.

Professor de História e escritor, Airton de Farias afirma que a postura do presidente não é de revisionismo dos fatos, mas de negacionismo. "O revisionismo faz parte do trabalho, até porque não há uma versão única da História", avalia. "O problema é o negacionismo. O Bolsonaro está negando um processo histórico."

Segundo Farias, pode-se criticar Goulart, que havia perdido apoio em setores influentes do País. "Mas houve um golpe, que é quando um agente do Estado fratura a ordem política e institucional", considera. "Jango foi impedido de governar, houve uma derrubada. Negar isso é negar o que parece óbvio."

Cientista político, Pedro Henrique Antero discorda. "Quando Bolsonaro diz que as Forças Armadas devem comemorar ou registrar o evento político", diz, "estou plenamente de acordo". Para ele, "assim como registramos 1889, temos de registrar o dia 31/3".

"A tomada do poder foi justa e necessária", acrescenta o pesquisador, "porque os traidores se apoderaram do Brasil e queriam acabar com a nossa democracia". De acordo com ele, a "única maneira de reagir foi com a força".

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