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Prefeituras - Por que é tão difícil acabar com a corrupção
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Prefeituras - Por que é tão difícil acabar com a corrupção

Operações anticorrupção da Procap cresceram, mas fraudes continuam
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Aumento de fiscalizações, investimento em tecnologia para investigar fraudes, operações que resultam em prisão e afastamento de gestores. Todo esforço e responsabilização não têm sido suficientes para intimidar crimes contra os cofres públicos. De 2014 a 2018, número de operações anticorrupção no Ceará registrou crescimento de aproximadamente 200%. Foram quatro operações em 2014 e 11 no ano passado.

Os números resultam de levantamento do O POVO a partir de relatórios oficiais da Procuradoria de Justiça dos Crimes contra a Administração Pública (Procap), ligada ao Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE). Na avaliação dos promotores que integram esta Procuradoria, a fraude em licitação está entre os crimes mais recorrentes e infratores têm aprimorado os métodos para comer uma fatia do dinheiro público.

"Nunca vai deixar de existir corrupção. Em lugar nenhum do mundo vai deixar de existir corrupção. Nosso trabalho é elevar o custo, aumentar o custo do ladrão", afirma o promotor de Justiça Fábio Manzano, um dos seis membros da Procap, em menção a necessidade de dificultar a execução dos crimes contra a administração pública.

A titular da Procuradoria, Vanja Fontenele concorda. Avalia que, antes, encontrava-se defeitos nos textos dos editais licitatórios, o que parou de ocorrer. "Tecnicamente está bem montada (a licitação), bem arrumadinha, toda direitinha. Então, a gente tem trabalho maior pra fazer essas ligações, para encontrar, em quebra de sigilo bancário, algumas transferências, vínculos", explica, destacando o aprimoramento das práticas.

Embora mencione a complexidade da apuração destas irregularidades, ela revela não saber definir se a crescente frequência com a qual esses esquemas são descortinados deve-se ao crescimento de corruptos ou às investigações, que, ao saltarem em termos qualitativos e quantitativos, terminaram por desmontar esquemas que antes poderiam passar despercebidos.

Mestre em administração pública pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e membro da fundação Transparência Internacional, Fabiano Angélico diz que este é o questionamento de "1 milhão de reais". Confessa também não saber se fraudes aumentaram ou a capacidade de alcance dos órgãos de fiscalização é que dão esta sensação.

Angélico, contudo, garante: "o nível de transparência melhorou, tem a Lei de Acesso à Informação, os portais de transparência. Os órgãos melhoraram. você consegue controlar com mais facilidade".

Ele assegura ainda serem os municípios os terrenos onde, geralmente, se dão o planejamento e a execução desses esquemas, se comparados a estados e União. Angélico argumenta que nesses lugares não há, por exemplo, uma controladoria que "vá olhar o edital com lupa".

As 11 operações feitas em 2018 foram realizadas três vezes em Paracuru, no litoral Oeste do Ceará, em Paraipaba, Apuiarés, duas vezes em Jati, além de Quixadá, Aracoiaba, Capistrano e Beberibe.

Em Paracuru, em 2018, desdobraram-se as duas últimas fases da operação Cascalho do Mar - foram três partes -, investigação amplamente divulgada pela imprensa. Sobre a segunda etapa da apuração da Procap, em março de 2018, Vanja relatou ao O POVO que a vida dos presos era se identificar como empresários e participar de licitações. Em outros casos, colocavam laranjas para participar.

"E aí quando você pega a informação dessas empresas e vai atrás, e nesses casos semelhantes eu costumo brincar que elas vendem 'da bomba atômica ao palito de fósforo', aí você vai atrás e ela não tem um funcionário", disse à época.

O edital é montado para empresa que vai ganhar, diz especialista

Ricardo Caldas, professor que ministra disciplina intitulada Teoria da Corrupção na Universidade de Brasília (UnB), afirma não que há nada de sofisticado nas fraudes praticadas em licitações. "É muito antigo". "O que ficou mais sofisticado foram os editais, que foram ficando cada vez mais complexos para garantir a vitória de um concorrente. O edital passa a ser montado em função da empresa que vai ganhar".

Como ilustração do próprio raciocínio, Caldas menciona já ter tido conhecimento de fato em que um edital foi tão específico, mas tão específico, que descreveu característica que só uma empresa do País possuía.

Além desta forma de ilicitude, que se dá a partir de relação prefeitura-empresa, o professor ressalta também o formato de conluio. Unidos, esses grupos empresariais decidem que um irá vencer determinado edital licitatório. Negocia-se, então, a divisão do dinheiro entre os perdedores da vez, bem como vitórias futuras."É só olhar o esquema da Petrobras. Havia um conluio, um cartel. Todos os participantes tinham combinado preço alto antes e só faltava ao Estado homologar uma licitação viciada".

O mestre em administração pública pela Fundação Getulio Vargas (FGV), Fabiano Angélico, ressalta a importância de se dar atenção a todas as etapas do processo licitatório. E fazer questionamentos.

Se, por exemplo, surgir ideia de construção de uma ponte, exemplifica Angélico, há que se debater com profundidade a necessidade da obra. "Pode ser que seja super necessária, pode ser que não seja".

Depois, "qual o tamanho da ponte?". "Isso vai mostrar que o edital reflete (de fato) necessidade pública", afirma ele, que também é membro da organização Transparência Internacional.

Questionado se o texto dos editais é outro empecilho ao processo de transparência, Angélico minimiza. Afirma que não dá pra fugir dos termos empregados. Diz que canais para traduzir existem, a exemplo das assessorias de comunicação. Pondera, contudo, que em parte dos editais pode-se detectar dificuldades intencionais.

FORMAS DE BURLAR A LEI SE ATUALIZARAM

CARTA-CONVITE

Em 2013, a modalidade de licitação mais comum era carta-convite, menos rígida, e que só precisava fazer um credenciamento e apresentar três propostas, sem publicação de edital. A menor proposta ganhava. Como a publicidade destes processos era pouca, o dono de um conjunto de empresas botava os próprios grupos para competir, criando falsa concorrência. Escolhia-se, então, uma empresa vencedora e, depois, era criado processo simulando. A Procap, segundo o promotor de Justiça Breno Rangel, começou a ir de surpresa nas comissões de licitação. Essas comissões são formadas por agentes públicos e montadas, no caso, pelo chefe do Executivo municipal. Estes grupos recebem e examinam as licitações. "A gente começou a prender um monte de gente. (...) Praticamente acabou carta-convite". No mesmo ano, o Ceará foi o estado brasileiro que mais prendeu por corrupção. Conforme noticiado pelo O POVO, números do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, apontavam que mais da metade dos presos por corrupção no País estavam no Ceará. Foram 813 detidos no Estado de um total de 1,3 mil.

Pregão-presencial

Diferente da carta-convite, em que a fraude se dá durante o processo, mediante simulação de concorrência, a prática ilícita nesta modalidade é prévia. Conforme explica o promotor Rangel, o agente particular, para concorrer, deve ir à Prefeitura para adquirir documentação necessária. O que acontecia? Acerto prévio. Quando os concorrentes iam pegar o edital, já se sabia quem era o vencedor, já que o documento estava direcionado a um deles. "Entrava-se em contato e dizia: 'olha, esse (serviço) é de fulano, esse aqui é de ciclano". O texto do edital, então, passou a ser alvo do rigor da Procap.

Fraude na execução dos contratos

Rangel ressalta ainda a importância de fiscalizar potenciais irregularidades antes, durante e depois, na execução do que foi acordado em papel. Ele afirma que tem sido mais recorrente verificar irregularidades quando o serviço já está sendo executado. "No contrato tem que ter 50 servidores, a gente vai lá e só tem 20, diz que tem que dar luva, bota e isso não é repassado ao trabalhador, pra onde vai esse dinheiro?". Às vezes o edital pode estar correto, ou seja, descreve necessidade de 50 trabalhadores com preço compatível à quantidade. Entretanto, na hora de executar, o número de contratados em atividade é menor. Daí, conclui Rangel, a importância de fiscalização in loco.

O dinheiro volta aos cofres?

Vanja Fontenele explica que após um procedimento, com todo esforço que se faça, com todos os responsáveis presos, isso não faz com que os danos financeiros causados a determinado município sejam reparados. Para que isso ocorra, existe a ação de improbidade administrativa que ainda assim, diz Vanja, não restaura integralmente os cofres públicos. Assim, neste contexto, ações preventivas ganham destaque.

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