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Por uma melhor Formação
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Por uma melhor Formação

À frente do Atlético-CE, clube que tem como foco revelar jogadores, Luan comenta sobre o trabalho de base no futebol brasileiro
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(Foto: Mateus Dantas / O Povo) (Foto: Mateus Dantas)
Foto: Mateus Dantas (Foto: Mateus Dantas / O Povo)

Na primeira passagem pelo futebol cearense, ano passado, ele chamou atenção pela idade e por ter levado o Uniclinic, hoje Atlético Cearense, às semifinais do Campeonato Cearense. De volta ao comando da Águia da Precabura, o ainda técnico mais jovem do país, com apenas 26 anos, já deu um passo maior, conduzindo o time da Lagoa Redonda para a segunda fase da Copa do Brasil - venceu o Joinville no PV por 2 a 0 na última quarta-feira. Apesar dos bons resultados pelo time profissional, Luan Carlos se preocupa mais com o trabalho de base que o time arrendado pelo jogador cearense Ari se propõe a fazer. Em conversa com O POVO, o treinador fala sobre a vantagem de estar em um clube-empresa e faz críticas à formação de atletas no Brasil atualmente.

O POVO: O que representou a classificação
do Atlético-CE para a segunda
fase da Copa do Brasil?

Luan Carlos: Foi um jogo especial, que marca história pro clube, mas também para nós profissionais, que dependemos de resultados para ganhar espaço em um mercado tão competitivo como é o futebol.

OP: A partida teve menos que 300 espectadores. Como é comandar
uma equipe sem grande torcida?

Luan Carlos: Trabalhar no Atlético, que é um clube-empresa, é diferente de outros clubes que tem razão social voltada para o meio desportivo, que tem torcida, mas eu te falo que a cobrança é idêntica. A maior cobrança é nossa, pessoal. Nós temos também um grande motivador extra, que é a nossa família, pessoas pelas quais a gente trabalha. Então nossa cobrança é muito grande em prol disso. Por trás de todo atleta tem uma família que depende dele para sobreviver.

OP: A Copa do Brasil é uma competição que paga cotas. Há uma pressão
de ir bem nela para que o investimento feito no clube retorne?

Luan Carlos: A cobrança é permanente no Atlético, por parte da diretoria, para que a gente alcance resultados, mas principalmente para que a gente consiga divulgar a marca Atlético, gerando visibilidade, não só dentro do estado, mas também em território nacional. E a Copa do Brasil é uma porta de entrada para isso. E é lógico que a gente vê a Copa do Brasil como um projeto financeiro também. A cada etapa concluída há uma quantidade financeira significante e para um clube do tamanho do Atlético isso é fundamental. Se torna importante porque é possível reforçar os cofres e acaba estabilizando o orçamento anual do clube. Isso faz com que a gente possa projetar sucesso em outras competições, como é o caso da Série D.

OP: Divulgação é uma coisa importante para o Atlético, já que um dos propósitos do clube-empresa é vender atletas. Um jogador, porém, só é vendido se demonstrar qualidade. No Atlético, a cobrança por bom futebol é tão grande quanto pelos resultados?

Luan Carlos: Sim, com certeza. O desempenho é fundamental. Para um clube que visa apresentar o produto, que é o atleta, a gente precisa ter um jogo de qualidade. E isso a gente busca apresentando uma identidade de jogo, fazendo com que o atleta tenha uma liberdade em campo para pensar, para raciocinar e operacionalizar aquilo que ele tem de melhor, que é o potencial criativo e técnico. A gente sabe que a essência do jogo é o jogador e essa é uma característica muito forte na nossa equipe.

OP: Então qual o seu papel
como técnico?

Luan Carlos: Quando você está no trânsito, você pode dirigir da forma que quiser, porém existe uma série de regras que você tem que seguir, que são as leis de trânsito. E é mais ou menos isso que a gente faz. Os nossos atletas tem liberdade dentro de campo, mas tem algumas normas de conduta que eles precisam seguir em relação a várias ações do nosso jogo. Então, por mais que a gente dê essa liberdade, eles tem também algumas diretrizes que a gente dá. O meu papel é não mecanizar o atleta, não robotizar. Eu dou princípios, mas os fins são sempre dos jogadores. Esse poder de criatividade e de conclusão das jogadas é sempre dos jogadores.

OP: Esse estilo foi desenvolvido
por você observando quem?
De onde vem a inspiração?

Luan Carlos: Eu considero que um fator importante é minha formação acadêmica. Eu sou educador físico, então acima de tudo sou professor e sei que como tal preciso direcionar, dar caminhos aos atletas para que eles pensem e através disso eles consigam manter uma personalidade que vai fazer com que executem de forma qualificada, ou seja, de forma autônoma, criando hábitos. Outro aspecto que trago comigo também é a importância de fazer com que o atleta se sinta parte importante do processo de formação. Acho que isso é fundamental, para uma relação saudável. Eu me inspiro em treinadores como Tite e Guardiola, que tem como prioridade a gestão de pessoas. São treinadores que estudo muito e busco informações para agregar dentro do nosso trabalho. A grande missão do treinador é essa.

OP: Em um clube-empresa
é mais fácil executar isso?

Luan Carlos: A gente vive numa sociedade imediatista. Tudo é instantânea. A comida, a foto e a gente quer resultado assim também pro futebol. Esse é o grande problema. Nós precisamos entender que o treinador não faz mágica. Ele precisa ter tempo para trabalhar, colocar as ideias em prática e fazer com que o atleta consiga potencializar suas habilidades. Isso vai demandar tempo. Em clubes com torcida, com tradição de ganhar competições, esse tempo é mais escasso, a cobrança é mais exacerbada e faz com que o bom futebol fique de lado e que o resultado imediatista ganhe força o tempo todo. Então isso prejudica o desempenho do nosso futebol e fica evidente se a gente for analisar os jogos das nossas categorias de base da Seleção Brasileira e das equipes de base do Brasil. Quem fizer isso vai perceber que a gente já não tem mais essa qualidade de desenvolvimento do atleta porque se pensa muito no resultado como fim nele mesmo. Você tem razão ao dizer que é mais fácil fazer esse trabalho num clube sem a pressão da torcida. É impossível criar uma identidade em menos de seis meses.

OP: Que defeitos você vê na base do futebol brasileiro hoje que tenta evitar no Atlético?

Luan Carlos: A formação do atleta é um momento fundamental na carreira dele. Em algum momento, os treinadores de categorias de base ficam muito preocupados em querer fazer o atleta chegar rápido no profissional. Prometem para ele que o bom do futebol é o profissional e isso é um erro. Acho que está faltando na divisão de base, na formação do atleta, ele viver aquele momento. E isso não significa ficar pensando em vencer, ganhar e ser campeão. Lógico que isso é importante, mas aquele momento específico da formação é pensar no desenvolvimento técnico, no desenvolvimento cognitivo, no desenvolvimento integral e está faltando isso. Porque está se pensando muito no resultado pelo resultado e o atleta chega muito fragmentado no profissional, sem condições de alcançar o sucesso na sequência da carreira. Aqui no Atlético eu tenho falado muito com os treinadores da base, muito com a diretoria, pra gente fazer um trabalho voltado para o desenvolvimento do futebol como um todo. O atleta precisa ser desenvolvido dentro de um conjunto de ideias que quando ele chegar no profissional, ele vai estar pronto para entender qual a dinâmica de jogo que o Atlético quer. A gente tá tentando construir um atleta inteligente.

OP: Você concorda com o discurso de que as novas gerações do futebol brasileiro não são tão talentosas como as antigas?

Luan Carlos: Eu vejo que a gente tem uma safra boa, vários jogadores de qualidade, espalhados por todo o país. O que a gente tá pecando é que estamos formando mal. O que tá faltando é formação para quem forma os nossos jogadores. Muitas vezes se acredita que o ex-atleta tá preparado pra formar o jogador porque ele sabe a técnica do futebol e a gente sabe que não é só isso. Não é que quem jogou não pode ser treinador ou quem não jogou não pode, não é oito nem oitenta, acho que todos que buscam uma formação e um conhecimento podem e devem entrar no futebol para agregar algo. Falta formação do treinador e falta devolver o jogo ao jogador. O treinador tem chamado muito pra si a responsabilidade de ser o grande gestor do jogo e na verdade isso cabe ao jogador. A essência do jogo é o jogador.

OP: Você tem um rótulo de técnico
mais jovem do Brasil. Isso te incomoda?

Luan Carlos: Não me importo. É uma marca que vai ficar pra minha sequência na carreira. Vejo até como algo positivo porque existe alguns preconceitos e a gente precisa quebrar paradigmas em relação a isso e eu tenho tentado. Óbvio que esse rótulo dificulta em alguns momentos, mas ao mesmo tempo isso me motiva, por saber que com essa idade já consigo mostrar algum trabalho, tô conseguindo ajudar atletas a se desenvolverem e repito, entrei no futebol para tentar devolver o jogo aos jogadores, então que eu apareça menos e que os atletas apareçam de forma prioritária apresentando um bom futebol e alcançando grandes mercados.

OP: Por que você decidiu
ser treinador tão cedo?

Luan Carlos: E comecei como preparador físico, mas entrei no curso de educação física já pensando em ser treinador. A porta de entrada no Brasil para ser treinador é ser ex-atleta e não tive essa oportunidade, então eu sabia que a outra maneira era me tornar preparador físico, assim como vários outros treinadores fizeram. Fiz especialização em fisiologia e pós-graduação em psicologia do esporte. Aos 24 anos tive a oportunidade de assumir uma equipe profissional como interino (Novo Horizonte-GO) e o pessoal gostou do trabalho. Aos 25 anos recebi convite do Anápolis-GO e aí as coisas foram acontecendo e é algo que sou apaixonado. E aí tem até uma história interessante porque meu pai é treinador de futebol.

OP: A idade te atrapalha no quesito de obter o respeito do grupo (que muitas vezes tem jogadores mais velhos)?

Luan Carlos: Nos clubes que passei, muitos jogadores eram bem mais velhos que eu. Mas eu vejo que independente da idade, o que a gente precisa mostrar para o atleta é que tem conhecimento e domínio daquilo que a gente tá fazendo. Você adquire confiança através disso. Muitos atletas de 30 ou 32 anos, que já trabalharam em vários clubes, se surpreendem com a nossa metodologia, com a forma de trabalhar e gostam, porque é algo novo, que estimula eles. Já estão há 20 anos na estrada fazendo a mesma coisa, daí chegam no clube e fazem algo diferente, acabam se renovando e encontrando algo para motivá-los. E eu já tive relato de jogadores sobre isso e fiquei muito feliz.

OP: Como é sua relação com
o Ari, dono do Atlético?

Luan Carlos: Eu converso muito com o Ari porque ele é meu amigo pessoal. Ele me ajudou muito com estágios na Europa e se preocupa muito com esse desenvolvimento de futebol. E ele ser atleta facilita muito, porque ele entende a importância de um treinador falar sobre tática, ensinar um atleta sobre o desenvolvimento do jogo. E ele gosta de receber essas informações do treinador dele e quer que a gente faça isso aqui. Fico muito feliz em ter como gestor um cara que ainda é jogador e que atua há 14 anos na Europa, um centro onde se fala muito do futebol moderno, do conhecimento científico do futebol. Isso facilita muito meu trabalho. Esse é o nosso grande diferencial hoje.

OP: Onde você pretende chegar?

Luan Carlos: Não faço muitas projeções porque o futebol é muito competitivo e dinâmico. Às vezes você está em cima, daqui a pouco a situação está invertida, mas tenho muitos sonhos, muitas ambições. Eu sou um cara que odeia perder. Quando nossa equipe sai de campo derrotada eu sofro muito. Tenho ambição de chegar numa Série A do Brasileiro, sonho em um dia poder trabalhar fora do país, mas se eu pudesse escolher eu faria toda minha carreira aqui no Brasil, para tentar acrescentar algo no futebol brasileiro. Eu sou muito pequeno para poder querer algo tão grande, mas se puder acrescentar uma pequena porcentagem eu já ficaria muito feliz e o principal é por onde eu passar transformar os atletas que eu trabalho, o ambiente, trazer algumas ideias novas e tentar com que as pessoas sonhem assim como eu sonho.

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