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O Nordeste não pode esperar pelo Governo Federal
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O Nordeste não pode esperar pelo Governo Federal

| Lauro Chaves | Prestes a ser empossado no Conselho Federal de Economia, ele e cinco conselheiros puxam o debate pelo desenvolvimento da Região
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“Nós não podemos no Nordeste continuar esperando que o Governo Federal traga uma solução mágica, isso não existe”. É o que defende Lauro Chaves, doutor em desenvolvimento regional, ex-presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará e que assume, em Brasília, no próximo dia 31 o cargo de conselheiro efetivo do Conselho Federal de Economia (Cofecon). Para ele, só uma grande pactuação política com o Governo, Congresso e a sociedade pode fazer com que o combate às desigualdades regionais não se dilua em meio a tantas outras prioridades econômicas do País.

E há muitas pela frente. Em entrevista exclusiva ao O POVO, ele faz uma avaliação da nova equipe econômica, a necessidade das reformas política, tributária e da previdência e assegura: “Se você deixar de fora uma categoria, mesmo que o impacto financeiro seja maior, menor, ou for uma categoria pequena, em termos quantitativos, você perde credibilidade na reforma”.  

 

O POVO - O senhor assume esse ano o cargo de conselheiro no Conselho Federal de Economia (Cofecon). Quais as bandeiras prioritárias da gestão para 2019?
 

Lauro Chaves - O Conselho Federal de Economia é composto por 18 conselheiros de vários estados do Brasil e os estados maiores, logicamente, têm uma representativa maior. Então é uma grande conquista de articulação política quando nós, de estados menores, conseguimos a eleição para conselheiro efetivo do Conselho Federal porque este é um papel muito vasto e amplo. A função primeira do Conselho é a regulamentação e a normatização da profissão. E a nossa lei é de 1951, o mundo era diferente e o papel do economista na sociedade também. Então, nossa primeira grande luta este ano, na gestão do presidente Wellington Leonardo, é concluir esta atualização da lei do economista para o mercado de trabalho de hoje.
 

OP - Qual o reflexo de se ter mais representantes de estados menores?
 

Lauro Chaves - A cada ano renova %u2153 do conselho. Então estamos tomando posse agora no dia 31 de janeiro seis novos conselheiros, eleitos no ano passado, e através da articulação política, conseguimos com que dos seis conselheiros que estão tomando posse agora, quatro sejam do Nordeste (um do Maranhão, Bahia, Alagoas e Ceará). Somando com mais dois conselheiros que já estão, vamos ter %u2153 do conselho de nordestinos e isso é de uma importância política fantástica porque vamos trazer como um dos principais eixos o debate sobre o desenvolvimento regional.  Um debate que está cada vez mais esquecido. Temos hoje uma grande interrogação do papel do Banco do Nordeste no novo Governo, que tipo de papel a Sudene ou Dnocs vão ter ou não vão ter, etc. E não é deste Governo, mas a Sudene e o Dnocs estão sendo esvaziados, o BNB cresceu muito no microcrédito, mas já está sendo especulado que tem uma empresa nova que vai pegar o microcrédito da Caixa e do Banco do Nordeste. Tudo isso são especulações, mas o Conselho Federal tem o papel da vigilância e proposição crítica a tudo que está acontecendo e isso é uma questão apartidária. A maior mazela que o Brasil tem hoje é a desigualdade.
 

OP - O resultado da última eleição sinalizou para uma ruptura ao modelo de gestão vigente. E o Nordeste foi a única região em que o Bolsonaro não ganhou. O senhor acredita que esse debate sobre o desenvolvimento regional possa de alguma forma ser comprometido?
 

Lauro Chaves - O desenvolvimento regional é uma questão a ser tratada a nível nacional mesmo. A equipe econômica que foi montada pelo governo Bolsonaro, inclusive, tem a participação de dois nomes cearenses de maneira muito forte, é uma equipe de excelente formação técnica, mas nós sabemos muito pouco ainda do que será proposto. Nós sabemos pelo perfil das pessoas que estão lá que provavelmente vamos ter uma  política fiscal mais restrita, mais conservadora. E isso é bom porque nós tivemos uma explosão da dívida pública, mas quando você restringe o gasto público isso é muito problemático quando se tem um problema de desigualdade regional grande. Grande parte da pobreza e extrema pobreza brasileira foi reduzida de forma muito forte nos 16 anos de Fernando Henrique e Lula, mas teve uma pequena retomada nos oito anos de Dilma e Temer e isso gera um impacto que ainda vai durar muitos anos. Para nós retomarmos o equilíbrio fiscal do primeiro ciclo, provavelmente, vamos levar até 2023,2024 se tivermos políticas responsáveis. E isso é bem limitante para o desenvolvimento regional, porque na hora em que se está fazendo o equilíbrio fiscal você precisa fazer escolhas, prioridades e as prioridades políticas dependem muito do poder de barganha política e o do Nordeste é menor do que o de outras regiões mais ricas.
 

OP - O que precisa ser feito?
 

Lauro Chaves - È preciso uma articulação da Academia, dos governos estaduais, dos parlamentares federais, estaduais, da sociedade civil organizada, dos Conselhos, para ter uma política de desenvolvimento para o Nordeste. E que precisa ter uma base muito forte nas nossas vantagens competitivas que são a localização geográfica, o turismo, a nossa costa, a energia renovável, os portos, aeroportos. Temos que ter uma política de desenvolvimento que trabalhe o capital físico, humano e além disso o capital social que são as entidades, organizações sociais que é o poder da sociedade civil. Nós não  podemos no Nordeste, como fazemos há décadas, continuar esperando que o Governo federal traga uma solução mágica, porque isso não existe.
 

OP - Pela nova composição do Congresso e o que está sendo desenhado pela equipe econômica é possível  avançar nessa pauta de desigualdade?
 

Lauro Chaves - Eu acredito que vai depender muito da pressão política deste tema no Congresso. E acredito que neste primeiro ano acho que as atenções não estarão  voltadas para este tema e sim para a reforma da previdência, que também precisa ser feita.
 

OP - Qual é a reforma que deve sair do Congresso? Como o senhor avalia o que está sendo discutido até agora?
 

Lauro Chaves - Ainda não sabemos a reforma que o Governo pretende fazer. Tem a proposta que já está lá, do governo passado, que não andou por causa das questões políticas do Congresso, mas tem um fundamento que deveria ser respeitado: o novo sistema de previdência tem que ser socialmente justo. Ou seja, combater privilégios. Além disso, tem que ser um  sistema  sustentável economicamente no longo prazo. Como você vai fazer isso? O Congresso existe para isso. Vamos ter que ter proposta técnica do Governo e que vai ter que se debatida. Hoje é uma unanimidade que precisamos de uma reforma da Previdência e da Reforma Tributária.
 

OP - É possível passar o projeto que já está lá?
 

Lauro Chaves - Não sei qual vai ser a estratégia política, mas se queremos ter uma reforma da previdência que seja sustentável para os próximos 20, 30 anos, tem que ter um debate muito grande e responsável no Congresso Nacional. E nisso ai o Conselho Federal  de Economia vai atuar de forma muito incisiva, com debate, apoio, interação com os parlamentares, de forma a mostrar o que pode ter de positivo ou negativo em cada uma das propostas.  O que não podemos é manter  a situação que temos hoje.
 

OP - A reforma da Previdência é inevitável?
 

Lauro Chaves - O Governo gasta hoje aproximadamente R$ 120 bilhões anuais com educação, R$ 116 bilhões com saúde e quase R$ 600 milhões anuais com a Previdência. Isso não tem sentido, principalmente, sabendo que essa previdência é injusta socialmente. Não é aquela massa de 80 a 90% dos trabalhadores que ganham até  2, 3 salários mínimos que causa este problema. São os 10% que tem rendimento maior,  que se aposentam em condições privilegiadas. O mesmo ocorre quando a gente fala do nosso sistema tributário que é muito complexo.A maior parte da nossa arrecadação vem do imposto sobre consumo. Isso quer dizer que o trabalhador que ganha um, dois salários mínimos, quando vai comprar um alimento está pagando o mesmo imposto que aquele que ganha R$ 50 mil no mês, isso é muito injusto. Teríamos que na reforma reduzir muito o imposto sobre o consumo e compensar aumentando o imposto sobre renda, patrimônio, lucro e herança. Dependendo de como forem realizadas, as reformas podem ser duas grandes ferramentas para redução da desigualdade no Brasil.
 

OP - Já se observa um lobby muito grande de algumas categorias como militares, Judiciário, para não ser impactado. Da forma como está sendo encaminhada agora, o senhor acredita que essas categorias serão impactadas?
 

Lauro Chaves - Eu acredito que todas serão impactadas. Nós não podemos ter um regime único que sirva para todos no curto prazo, mas talvez isso possa ser possível no longo prazo, que todos contribuam sobre uma parcela que é um teto. E isso o Governo do Estado do Ceará já fez uma reforma da previdência. O funcionário público que entra daqui para frente tem um regime da previdência diferente de quem entrou mais atrás, até porque temos que ter também um regime de transição.
 

OP - Qual o reflexo que pode ter na economia se alguma dessas categorias forem excluídas do pacote da reforma?
 

Lauro Chaves - Eu acho que mais do que financeiramente, todas as categorias têm que entrar na reforma. Se você deixar de fora uma categoria, mesmo que o impacto financeiro seja maior, menor, ou for uma categoria pequena, em termos quantitativos, você perde credibilidade na reforma. Por que como convencer eu, você, que estamos dando nossa contribuição de que aquela categoria profissional não precisa dar a sua? Mas aí temos outra questão: não é o Legislativo que vai mexer no Judiciário. Vivemos em um regime democrático de independência dos Poderes. Eles têm que mexer na própria carne. Por isso que estou falando que é necessária a negociação no Congresso, fazer uma pactuação entre os Poderes e sociedade. O Pacto de Moncloa, feito na Espanha, ajudou a mudar a Espanha politicamente e economicamente. Temos que ter uma pacto grande de que todo mundo vai ter que mudar porque o mundo mudou. Por exemplo, a idade mínima. A sobrevida mudou, as condições de trabalho mudaram. Eu fiz 50 anos agora, comecei a trabalhar com 15 anos e nunca mais parei, então, já tenho 35 anos de contribuição. Se este fosse o critério de aposentadoria, estaria me aposentando, com toda a energia de contribuir seja na consultoria ou na universidade.
 

OP - Além dessa questão da idade mínima, qual outro ponto que precisa ser mexido para que a conta possa voltar a fechar?
 

Lauro Chaves - Outra questão é que algumas categorias quando vão se aposentar vão pelo teto do INSS, outras recebem integral. Existem particularidades de profissão, claro. Não podemos querer que um trabalhador rural vá se aposentar com 65 anos, porque  a condição de vida e de trabalho dele é outra. O militar mesmo tem uma profissão diferente. Ele muda de estado a cada dois anos, tem uma atividade que precisa do vigor físico na maior parte das vezes, mas você ter uma aposentadoria com 47, 48 anos é muito cedo. Na Inglaterra, um militar se aposenta com 60 anos, é a idade mínima. Não estou dizendo que aqui tem que ser igual ao de lá, mas temos que olhar o sistema de aposentadoria como um todo. E a previdência consome tantos recursos no Brasil, que se não mexer no sistema da previdência não vai ter dinheiro para educação, infraestrutura, para saúde. As pessoas costumam dizer “ah, mas é a corrupção que consome dinheiro”. Sim, mas temos que combater também a corrupção.
 

OP - O tema corrupção repercutiu muito nas eleições, na economia, e o novo Governo se elegeu com esse discurso de acabar com a corrupção. Mas existem ministros investigados, decisões judiciais polêmicas, de que forma isso está impactando…
 

Lauro Chaves - Mas porque o sistema é o mesmo. Sem uma reforma política profunda, este  sistema político que temos hoje perpetua esse modelo. Se pensarmos na história do Brasil depois da Constituição de 1988, os dois presidentes que não se adequaram ao sistema político vigente foram colocados para fora. Tanto Collor, como a Dilma, foram colocados para fora porque perderam totalmente  a governabilidade. Se pensar se o fiat Elba do Collor ou as pedaladas da Dilma aconteceram? Aconteceram. Mas são coisas, talvez, uma justificativa jurídica, real, para uma situação de falta de governabilidade. Então dentro desse sistema político, poderia  ter sido eleito o Bolsonaro, o Haddad, o Ciro, o cabo Daciolo, o Boulos, o Álvaro Dias, para romper com esse sistema político você precisaria de uma reforma política profunda. O voto distrital poderia ajudar muita coisa.
 

OP - Mas o senhor acredita que essas reformas vão passar?
 

 

Lauro Chaves - Eu acredito que vão passar. Qual a profundidade das reformas? Vai depender da pressão da sociedade em cima do Congresso. Por exemplo, na reforma política, ter voto distrital aproxima o candidato do território, fazer com que a população que elegeu aquele deputado cobre mais dele. Isso gera resultado. Acabar com coligação proporcional e as cláusulas de barreira. Nós temos hoje 30 partidos no Congresso, ninguém consegue governar com tudo isso.  
 

OP - Já é possível vislumbrar uma recuperação mais efetiva da economia em 2019?
 

Lauro Chaves -  A economia é movida sempre por expectativas. Ou seja,  as empresas vão investir mais ou menos, se tiverem a expectativa de que quando aquele investimento der resultado, a economia melhorou ou piorou. Tivemos uma melhora da expectativa da eleição para cá, inclusive, o Conselho Regional de Economia em parceria com a Fecomércio mediu o índice de expectativa dos empresários em Fortaleza. E de forma muito clara você vê  uma curva de melhora da expectativa. 


OP - Mas somente isso é suficiente para se traduzir em resultados concretos neste ano?
 

Lauro Chaves - Não, a expectativa está baseada de que há melhores chances de as reformas serem aprovadas. Os deputados e senadores tomam posse dia 1º de fevereiro, se a partir desse dia essa expectativa se confirmar com movimentos do Governo e do Congresso de que as reformas vão andar, as coisas tendem a melhorar. E “vão andar” não quer dizer que vão ser aprovadas em um mês porque não dá. Temos todo um debate democrático que é bom que seja feito para melhorar a proposta do Governo
 

OP - A expectativa é crescer quanto neste ano?
 

Lauro Chaves - Se as reformas, principalmente, a previdência e tributária, forem encaminhadas este ano, acho que a partir de 2020 podemos esperar um aumento da taxa de crescimento da economia. Em 2019 imagino  que o crescimento ainda será pequeno e que ao lado do desequilíbrio gera um outro grande problema que temos hoje que é essa multidão de desempregados e subempregados. Nós temos hoje 12 milhões de desempregados frutos da pior recessão que tivemos (2014,2015,2016). Todos nós temos no nosso ciclo de amigos ou familiares, profissionais que perderam o emprego e não conseguiram voltar, ainda que aceitem ganhar metade fazendo mais. E não tem, porque não tem mesmo. E este é um outro ponto de preocupação porque talvez  não tenha mais essa ocupação nas empresas. Talvez o mundo hoje não vai ter tudo isso de emprego e isso acontece em todas as áreas e em todas as profissões.
 

OP - Como o mercado internacional está vendo o Governo Bolsonaro?
 

Lauro Chaves - O mercado internacional reagiu positivamente na eleição do Bolsonaro porque as propostas que o Paulo Guedes falava eram liberais e agora no Fórum Econômico de Davos (no próximo dia 23, na Suíça) o Bolsonaro vai ter 40 minutos para falar das propostas econômicas dele. Acho que vai ser mais tempo do que ele falou a campanha inteira sobre economia. Até porque ele já falava pouco e depois de setembro, quando teve a tentativa de assassinato,  não falou mais nada. Foi uma eleição sui generis no Brasil. Então agora em Davos até nós brasileiros vamos ter a oportunidade de escutar. O mercado internacional está na expectativa do que vem: de que haja uma desregulamentação de  mercado, uma desburocratização do País, etc. Mas tudo isso depende muito do Congresso, porque a solução técnica é uma, mas a solução que vai ser implantada terá que ser negociada politicamente.
 

OP - O Conselho Federal de Economia já fechou algum documento para entregar para equipe econômica?
 

Lauro Chaves - Não, nós pretendemos fazer uma análise crítica e propositiva quando as medidas forem divulgadas porque o Conselho Federal não vai fazer a elaboração de um  manual de política econômica. O que nós temos são eixos: redução das desigualdades regionais, sociais; brigamos por uma reforma tributária justa que traga efetividade para economia brasileira; uma reforma da previdência socialmente justa e garanta melhoria da distribuição de renda. Outro ponto que o Conselho Regional de Economia do Ceará tem feito e nós pretendemos levar isso para o Conselho Federal é uma atuação do economista na educação financeira. Já tivemos negociação com o Governo do Estado, na pessoa do Élcio Batista, para incluir a educação financeira no ensino médio das escolas estaduais porque  os economistas podem capacitar os professores para que eles possam na aula de matemática, história ou geografia  passar noção de educação financeira aos alunos. Não se vai para frente sem educação financeira.
 

PERFIL
 

Cearense de 50 anos, Lauro Chaves é também professor da Universidade do Estado do Ceará (Uece) e consultor de empresas. Formado em economia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), possui MBA em Finanças pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), mestrado em administração pela Uece e doutorado em desenvolvimento regional pela Universidade de Barcelona. Foi presidente do Corecon por duas vezes em 1997 e em 2017, e presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de FInanças (Ibef).  

 

Posse

 

Lauro Chaves assume no próximo dia 31 o cargo de conselheiro efetivo do Conselho Federal de Economia (Cofecon), em Brasília.

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