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Arte urbana. Se podes ver, repara
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Arte urbana. Se podes ver, repara

|arte urbana|Projeto Narrativas Possíveis convida a um novo olhar para a Cidade a partir de intervenções que nos escapam no ritmo do dia a dia
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"Reservado pro pixo". "Se pinta eu volto!" (sic). Palcos de embates, expressões, declarações de amor ou gritos políticos, as paredes e muros das cidades falam. É com foco nas chamadas intervenções gráficas urbanas que se constrói o projeto Narrativas Possíveis, idealizado pela mestranda em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará Alice Dote e pelo artista Alysson Lemos. Com foco inicial em registrar diferentes escritos - como os que abrem este texto -, a iniciativa se desdobrou em diferentes formas de reflexão sobre a atuação em arte urbana e cidade.

 

O projeto teve início em maio de 2017 a partir de inquietações pessoais que a dupla já levava consigo. "Vimos que essa prática de registrar essas frases poderia gerar um arquivo bacana de memória, então a gente montou o projeto sem muita pretensão. A ideia inicial era só registrar, colocando dia e lugar. A partir do momento que a gente instaurou a prática, as reflexões começaram a vir de maneira mais forte", contextualiza Alysson. "A gente percebe qual tipo de frase aparece mais num bairro ou em outro, onde duram mais ou menos, onde falam de amor ou violência", ilustra Alice.

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Mesmo que a dupla não se considere artista visual, o alargamento do projeto para intervenções de fato se deu a partir de encontros coletivos em oficinas nos bairros Mondubim e Serviluz, realizadas com apoio de organizações sociais e poder público. "A ideia era discutir com as pessoas partindo das fotos. Só que, em dado momento, os grupos pensaram em começar a se apropriar das técnicas", contextualiza Alysson. "Era uma oficina para compartilhar o que a gente fazia, discutir cidade, arte, imagem, e também fazer percursos pelos bairros, captando imagens. Um exercício de inquietação do olhar sobre sua própria cidade, seu próprio bairro", define Alice. Nestes percursos, por exemplo, o grupo decidiu transformar os registros visuais em lambe-lambes, enquanto frases que marcaram os debates viraram estêncil. "É um trabalho de colagem, mesmo, a gente tira uma foto em um dia, junta com outra, depois com um estêncil que foi fabricado no Mondubim e vai sobrepondo essas camadas", explica Alysson.

 

Com os registros e as ações, a reflexão principal que a dupla traz é em relação a uma reeducação do olhar para a Cidade. "A gente fotografou mais de 400 coisas em Fortaleza. Por que é que a gente não via isso antes? Por que é que tanta gente não vê? Quanto mais a gente vê, mais aquilo nos olha", estabelece Alice. A escolha de trabalhar com escritos, não apenas os registrando, mas os produzindo, propõe uma relação específica com aquilo que se vê. "A gente gosta muito de não ser essa coisa grandiosa, de grafites grandes. Às vezes as coisas são menores, mesmo, e você tem meio que… ir ver, sabe? Talvez ninguém se interesse, talvez alguém pare, olhe e vá ver de perto. Demanda outro tipo de relação, proximidade", instiga Alysson. "Isso foi definindo a nossa prática. Ela delineia uma 'poética do pequeno', das coisas imponderáveis, daquilo que 'não tem importância', que muita gente considera sujeira, poluição visual, vandalismo ou desnecessário, mas que é matéria para pensar a cidade", estabelece Alice.

 

A partir desse olhar atento do que está escrito nos muros é possível apreender outras cartografias da Cidade, revelando o potencial plural do que é e pode ser Fortaleza. "Percebendo o que tem escrito em cada local, a gente começa a compor um mapa. O teor das narrativas diz muito do lugar. Quando você chega no Curió, as paredes têm frases de repúdio à polícia, muitos pedidos de justiça, por causa da chacina que matou 11 jovens lá. Os muros de lá gritam isso. Se você vai para o Benfica, você vê o movimento LGBT muito forte na parede, gritando", observa Alysson. 

 

"Outro mapa possível que se desenha é a cartografia de um determinado momento histórico da Cidade. A dimensão da memória é importante, porque esse mapa que se desenha de Fortaleza hoje fala do 'Ele não' (movimento contrário ao então candidato à Presidência Jair Bolsonaro). Há um tempo, era muito (Michel) Temer (atual presidente da República). 

 

Tudo tem vida e, a cada momento, vão se desenhando outras coisas por conta dessas intervenções. Por isso é interessante a dimensão do registro, fala da Cidade e do momento histórico. Fala das chacinas, da ação da polícia, da violência que ocorre nos bairros. Desenha um mapa de Fortaleza que não está em todos os lugares, nem todo mundo vê, e é importante termos noção disso", finaliza Alice. 

 

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