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Performance e irreverência
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Performance e irreverência

|MÚSICA|Ao lado de Rossé Sabadia, muitos músicos deixaram suas marcas nos anos 1980 e 90 da música cearense. De Fátima Santos ao Latim em Pó, relembre as histórias de uma geração de sons
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O professor José Antonio Beltrão Sabadia, do Departamento de Geologia da UFC, era apaixonado pelos estudos das águas encontradas na superfície terrestre. Mas o fortalezense de origem espanhola também mantinha viva e forte outra paixão: a música. Rossé Sabadia, como era conhecido nos círculos artísticos, foi um dos mais influentes ícones sonoros dos anos 1980 e 1990 na cena local. O professor e cantor faleceu na última segunda-feira, 24, deixando saudosos amigos, familiares e o cenário musical do Estado.

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Integrante do extinto e icônico Grupo Budega, Rossé Sabadia era uma figura performática, divertida, fruto de sua geração artística. Berço da boemia, as décadas de 1980 e 90 foram marcadas pela irreverência no cenário musical. 

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Com ares pândegos tão característicos do Ceará Moleque, músicos em ascensão, compositores e até amigos dispostos a ganhar a noite entre cordas e outros instrumentos subiram aos palcos de casas de show da Cidade para buscar experimentações sonoras. "Muitos bares abriram espaço para música autoral, é importante lembrar disso. Algumas vezes, as bandas até cantavam uma ou outra composição de outro artista, mas a maior parte do repertório tocado nessa época era de música própria mesmo", destaca o jornalista e crítico musical Luciano Almeida Filho.

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A lista de bares, bandas, compositores e intérpretes que moldaram a promissora cena local nessas duas décadas é diversa e interminável, mas é impossível não citar a efervescência de locais como o mirante do Morro Santa Terezinha e o Anfiteatro da Volta da Jurema, na avenida Beira Mar. Casas como Cais Bar, Duke of York, Sunshine, Jazz Blues Bar, Baderna, Ali-ba-bar, Le Snack, NB'utikim, Censura Livre e Saldoce - situadas em um circuito entre Praia de Iracema e Benfica - permanecem na memória dos frequentadores pela qualidade musical ofertada nas noites autorais.

 

Em seus 30 anos de carreira, o guitarrista, compositor, arranjador e diretor musical Mimi Rocha formou sua primeira banda ainda na década de 1980, a Latim em Pó. "O grupo surgiu em um festival que participamos eu, Domingos Fazio e Nei Vasconcelos no Colégio Cearense para defender uma música. Nisso, a gente se juntou com outro grupo, que era o Rui Vasconcelos e o Márcio Figueiredo, fotógrafo e cineasta. Decidimos fazer um filme e montar a banda para ganhar dinheiro pras filmagens, mas desistimos do filme e continuamos a banda", conta rindo.

 

Com uma pegada tropicalista e meio Frank Zappa, Latim em Pó era uma referência em inovação. "Em 1985, a gente fez um show icônico no Pirata, que antes era o Ponte Para o Céu. A gente entrou pulando o muro por trás, cada um fantasiado com um personagem bem louco. Já cantamos enquanto artistas do Salão de Abril pintavam quadros do lado de fora para vender", orgulha-se Mimi Rocha.

 

Luciano Almeida relembra que o Grupo Budega também apresentava uma performance que reunia elementos da época. "Por exemplo, eles fizeram um show no Circo Voador em 1986, quando o projeto era itinerante e passou seis meses em Fortaleza. Nesse dia, o Budega fez uma crítica à Maria Luiza, que tinha assumido a Prefeitura. Cantaram uma paródia da música Guantanamera assim: 'quanta lameira/ prefeita, quanta lameira!', porque tinha chovido bastante e a Cidade estava suja, esburacada. Nos shows, eles sempre faziam brincadeiras assim". Além de Rossé Sabadia, o Budega era formado pelos músicos Valdo Aderaldo, Cristiano Pinho e Edmundo Vitoriano Jr.

 

Já nos anos 1990, os palcos recebiam o glam da Intocáveis Putz Band. Ricardo Kelmer, integrante do grupo, foi dono do bar Badauê até 1989. "Por esses dias, o politicamente correto começava a tolher a criatividade e a ousadia artísticas. Mas nós desafiamos essa onda, levando muito humor e sacanagem para os nossos shows, misturando com teatro, vídeo e performances blasfemas. A banda era uma grande festa, sem hora para acabar, e a 'putchéuris uêi ófi láifi' era a nossa filosofia de vida, curtir a vida intensamente. Além de parceiros na banda, éramos grandes amigos e estávamos sempre juntos, e o nosso público se envolvia nesse clima de celebração permanente", pondera Kelmer.

 

Mona Gadelha, cantora e pesquisadora musical, acompanhou atentamente o trabalho de Rossé Sabadia, mas lamenta a ausência de maiores registros. "Isso, pra mim, é um ponto para se refletir: temos poucas gravações do Rossé e da grande Lily Alcalay, por exemplo".

 

Para Mimi Rocha, um caminho possível para evitar o apagamento dessa história musical é a integração entre gerações. "Sempre que posso, tento juntar essas gerações diferentes. Eu me considero da geração de 1980, mas trabalhei também com o pessoal dos anos 1970, depois com os cantores de 1990 e, agora, com os contemporâneos. Nunca devemos renegar o passado ou achar que só ele foi bom", conclui.

 

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