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O discreto fiscal das eleições no Ceará
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O discreto fiscal das eleições no Ceará

Um jovem procurador, de apenas 42 anos, comandará o grupo responsável por garantir uma disputa limpa pelo voto em 2018
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Anastácio Nóbrega Tahim Júnior é um jovem pai de duas meninas, nascido na carnavalesca Olinda, em Pernambuco, mas de pais cearenses. Aos 42 anos, desde 2002 nos quadros do Ministério Público Federal, é o responsável por comandar a estrutura de fiscalização das eleições de 2018 no Ceará, à frente do grupo de procuradores e promotores aos quais está entregue a tarefa de garantir eleições limpas e oportunidades iguais para todos os candidatos. A tarefa não é fácil, nem simples, mas ele se diz otimista, valendo-se de um perfil discreto para dizer que as autoridades estão preparadas para enfrentar o desafio que o processo imporá, com novas regras e um quadro de desânimo do eleitor raras vezes observado.

 

Tahim conversou com O POVO em seu gabinete no prédio da Procuradoria da República de Fortaleza, na Aldeota. Confira os trechos principais da entrevista:

 

O POVO - Qual o balanço que o senhor faz da fase de pré-campanha no Ceará?

 

Anastácio Tahim - É uma das novidades de 2018 e, como acontece com tudo que é novo, causou certo ruído na acomodação. O instituto da pré-campanha estabeleceu, e nós percebemos isso muito claramente, uma polarização de preceitos, podemos até dizer, preceitos fundamentais de um lado, a manifestação de pensamento, o interesse, a necessidade de você discutir política previamente, de divulgar sua candidatura etc, e, de outro, o receio de se ter candidatos que poderiam se beneficiar em relação a outros, ferindo o princípio da isonomia, paridade de armas...

 

O POVO - No caso do Ceará, o que pode representar como complicador o fato de o atual governador (Camilo Santana) ser candidato á reeleição? Ou, ao contrário, como poderia facilitar?

 

Anastácio Tahim - Na verdade, em relação aos detentores de mandato, candidatos a reeleição, esse foi um problema que nós sempre tivemos. Por um lado, mesmo quem enxerga vantagem na reeleição acaba tendo de concordar com esse tipo de desvantagem, porque não há como separar, muitas vezes, o que é ato de gestão e o que seriam atos de campanha ou pré-campanha. Agora, com relação à propaganda antecipada vimos estabelecidos dois preceitos que até pareciam inconciliáveis. Este aparente antagonismo, porém, devia-se muito mais ao fato de ser algo novo, do fato de que ainda não se tinha trabalhado com isso. Até onde se poderia permitir, a título de manifestação de pensamento, de direito à divulgação de uma pré-candidatura, e, por outro lado, onde estaria a propaganda antecipada, que é vedada.

 

O POVO - No simplismo, dizia-se que na pré-campanha a única proibição era de de se pedir o voto.

 

Anastácio Tahim - Isso, ainda mais com o acompanhamento de um adjetivo, ou seja, era preciso que fosse um pedido explícito. Foi um primeiro norte para que se tentasse separar as coisas, não havendo pedido de voto seria uma mera divulgação de candidatura, o que estava permitido por essa inovação. Quando há (pedido de voto) não, neste caso o candidato, como a gente diz, está queimando a largada, está querendo tomar a frente de outros e obter uma vantagem na corrida eleitoral. Este foi o grande problema que tivemos de enfrentar, acho que ele não está superado, mas, hoje, pelo menos, a gente tem bem mais claro do que quando começamos.

 

O POVO - O balanço que fizermos sobre como foi a pré-campanha no Ceará indicaria o quê? Tivemos um processo normal, sem problemas?

 

Anastácio Tahim - O que acho é que tivemos poucos incidentes. Houve poucas situações nas quais tivemos que judicializar, que atuar. Não conseguiria apontar para você os fatores que levaram a esse número menor de ocorrências irregulares, digamos assim, em relação a outros pleitos. O fato, porém, é que considero baixo o número de episódios nas quais tivemos que agir, em relação a propaganda. Quanto a outros tipos de irregularidades existem procedimentos ainda em curso que apuram denúncias, apuram fatos violadores da lei eleitoral, sobre abuso de poder econômico, alguns tramitando em caráter sigiloso, mas são denúncias que têm um prazo para terminar. Até a diplomação dos eleitos tudo tem que estar esclarecido.

 

O POVO - Em relação às mudanças no processo de financiamento de campanhas, proibindo-se a participação das empresas e instituindo um fundo com dinheiro público, o senhor tem alguma expectativa de como poderá refletir na campanha de 2018? Em relação ao barateamento parece inevitável que se tenha um volume de dinheiro investido muito menor do que aquele registrado em anos anteriores...

 

Anastácio Tahim - Na verdade, temos ai uma via de mão dupla. Por um lado as mudanças facilitam o lado da fiscalização, por outro dificultam, e lhe direi porquê: os recursos envolvidos, é verdade, diminuíram substancialmente. Há um debate sobre o risco que há dessa situação aumentar as possibilidades de caixa 2, hipótese na qual não acredito, não existe um gatilho nisso. Por quê digo isso? Porque temos recebido algumas pessoas jurídicas no bojo dos procedimentos que estamos instruindo aqui e eles dizem que, em relação a campanhas anteriores, chegam até eles contratos à base de 10 por cento do que negociavam em contratos anteriores...

 

O POVO - Redução de 90 por cento?

 

Anastácio Tahim - Noventa por cento. Quero crer que isso se deve à operação Lava Jato, ao fato de todos esses escândalos acabarem envolvendo não apenas os políticos, mas às empresas também. Isso, claro, afastou, quer queira quer não, há um nítido receio da parte empresarial de se envolver. Enquanto você fazia aquela doação e pronto, era uma situação, mas, a partir do momento em que a sobrevivência empresarial passa a correr risco com a doação esse cidadão aqui pensa duas vezes. O que a gente vê é que os recursos, realmente, estão escassos, mas, se o fato de ter menos dinheiro em tese facilitaria o trabalho de fiscalização o que poderia levar às dificuldades? A questão é que se você não tem esse galho de onde podem vir os recursos terá que, necessariamente, lançar mão de dinheiro público, das verbas governamentais e acaba sendo levado a fazer política com instrumentos públicos, convênios, benefícios, repasses...Nessa circunstância, com esse viés, dificulta muito o trabalho de fiscalização.

 

O POVO - Como nós chegamos à situação de hoje no País, procurador, na política e no campo da vida pública? O senhor entende que houve omissão da justiça eleitoral, do próprio Ministério Público em relação ao que vinha acontecendo, muitas vezes aos olhos de todos, e que trouxe a um quadro de promiscuidade em muitos aspectos. Existe uma autocrítica a ser feita?

 

Anastácio Tahim - É difícil dizer, é difícil. Não sou cientista político, não domino a temática, mas a tese com a qual costumo concordar é aquela que explica tudo isso como resultado da deterioração mesmo do sistema político, o tal sistema de coalizão.

 

O POVO- O senhor não considera que caiba, da parte do Ministério Publico, por exemplo, alguma autocrítica?

 

Anastácio Tahim - Compreendo perfeitamente que não é confortável para a justiça eleitoral, de uma maneira geral, cassar um mandato. O que pode legitimar uma cassação, quando ela acontece, é a demonstração inconteste de que não se tratou de uma obtenção legítima, mas, sim, na base do abuso.

 

O POVO - Há quem considere que esse novo quadro de financiamento eleitoral, sem a participação empresarial, pode estimular a prática do caixa 2 por candidatos. Qual é a impressão do senhor?

 

Anastácio Tahim - Isso pode contribuir em alguma medida, é verdade, para o agravamento do problema. No entanto, temos observado, também, que a criminalização da conduta pelo lado do fornecedor de produtos e serviços tem causado um certo desconforto nesse público-alvo, o que tem afugentado contrato desse tipo, que não pode ser formalizado, que não pode ser oficializado. Então, por outro lado, isso pode representar uma pedra no caminho para quem deseja trilhar o caminho da irregularidade.

 

O POVO - Há uma grande preocupação de todos, imagino que também do Ministério Público, com a ameaça ao processo eleitoral representado pelo que tem sido chamado de fake news, as notícias falsas. Como o senhor avalia a questão e, em sua opinião, as medidas de combate anunciadas serão suficientes para minimizar o problema?

 

Anastácio Tahim - Já temos sentido desde a campanha, na verdade, até em momento anterior, desde o início do ano, que a propaganda eleitoral será bem diferente de como nos acostumamos a ver em outras eleições. Não sei se exatamente por conta dos poucos recursos, se por conta do prazo mais curto da propaganda, mas a gente tem visto um uso muito grande das redes sociais, e é o que a gente espera que aconteça agora, na propaganda propriamente dita. É uma situação que só aumenta o risco de uso das fake news, é uma preocupação muito grande nossa, exatamente porque temos visto que a internet tem sido muito usada para propaganda. Acredito que a estrutura que nós montamos, em articulação do Ministério Público com Justiça Eleitoral, será suficiente para coibir. A Justiça eleitoral montou uma central de propaganda, com auxílio da Polícia Federal, do Ministério Público eleitoral, para fazer uma triagem e adotar, eventualmente, medidas corretivas que se mostrarem necessárias. Acredito que isso vá ser suficiente e eficaz, mas, logicamente, a experiência no trato dessa questão, que é nova, nos fornecerá elementos para aprimorar o trabalho.

 

O POVO - O problema dos fake news pode afetar a legitimidade do processo eleitoral no Brasil, como defendem alguns, dentre eles o ministro e ex-presidente do TSE, Luiz Fux?

 

Anastácio Tahim - O sistema de justiça está ai, está montado justamente para coibir, não apenas essa, mas qualquer outra tentativa que se faça presente no sentido de comprometer a legitimidade das eleições, a isonomia entre os candidatos. O sistema de justiça funciona para inibir isso e não acredito que as fake news venham a ter esse desiderato, essa potencialidade.

 

O POVO - Teremos em 2018 a primeira eleição nacional sob efeitos objetivos diretos da operação Lava Jato. Dá para esperar que ela terá, pelos resultados que apresentou, tenha força suficiente para mudar o comportamento do político brasileiro, ajuudando a reduzir os problemas na campanha? Qual é a avaliação do senhor sobre a operação?

 

Anastácio Tahim - Nós esperamos que sim, que os resultados que a Lava Jato apresentou tenham esse efeito pedagógico, não apenas sobre os contratos públicos, mas nos financiamentos de campanha e nas eleições em geral. Um balanço mais concreto teremos apenas no final das eleições, com o fim das operações que estão em andamento, depois de apreciadas as eventuais demandas de ilícitos eleitorais, embora a esperança seja que a Lava Jato, para além de muitos outros frutos, tenha efeito pedagógico positivo também sobre as eleições.

 

O POVO - O senhor entende que o Ministério Público cumpriu a contento seu papel dentro da Lava Jato? Há críticas em relação ao comportamento de alguns procuradores, com acusações de abusos, partidarismos etc.

 

Anastácio Tahim - Discordo de uma avaliação de que teria havia direcionamento político nas investigações, acho que o fato de a Lava Jato ter produzido efeitos em determinadas estruturas partidárias, essencialmente, ou principalmente, se deveu a um fator circunstancial. É que, na verdade, na hora em que se enfrentou uma corrupção estabelecida numa estatal pareceria natural que fossem sacudidas as estruturas partidárias responsáveis pelas indicações daqueles cargos num dado momento histórico. Por essa razão é que você só encontrava determinadas figuras partidárias, é que elas compunham uma base que deu sustentação ao governo de então, ao governo da época e à estrutura de poder, como um todo. Não se pode perder de vista que a Lava Jato se bifurcou em dois foros distintos, com estruturas diferenciadas, com ritos diferentes. Refiro-me à Lava Jato que se estabeleceu no âmbito de uma Vara de Curitiba e daquela que se estabeleceu no Supremo (Tribunal Federal), para apurar, processar, as autoridades que detinham prerrogativa de função naquele tribunal. O que a gente sabe é que um processo numa vara de 1ª instância da Justiça Federal tramita numa velocidade infinitamente superior a qualquer outra ação ordinária que tramite no STF. Então, foram problemas circunstanciais e estruturais que definiram a velocidade do processo contra uns e a velocidade do processo, do inquérito, contra outros.

 

O POVO - Com toda a situação que temos, os problemas e as soluções apontadas, o senhor entende que o eleitor pode ficar tranquilo com a perspectiva de termos uma eleição limpa em 2018, no plano nacional e também no Ceará?

 

Anastácio Tahim - Acredito que sim, acredito que estamos preparados, Justiça eleitoral e Ministério Público para darmos uma resposta à sociedade cearense em relação aos casos que são trazidos ao conhecimento, exatamente na busca de uma eleição limpa, legítima, com oportunidades iguais a todos os candidatos.

 

 

Sem flash

 

Na tarde em que Anastácio Tahim conversava com O POVO, dava-se a badalada entrega ao TRE, pelo TCE, da lista dos gestores com contas reprovadas. Holofotes certos, mas ele preferiu se fazer representar pela colega Lívia Maria de Sousa.

 

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