SIM
Os fatos ocorridos em Pacaraima têm sim características de xenofobia, mas não apenas disso.
Diz-se que a agressão aos venezuelanos foi consequência de um assalto que teria sido realizado por quatro imigrantes. Se os supostos criminosos tivessem sido brasileiros, talvez não houvesse a resposta violenta que foi dada contra toda uma comunidade. Vê-se que houve o sentimento de aversão ou repugnância ao que vem do estrangeiro.
O fato do crime ter sido cometido por estrangeiros não pode justificar a violência contra todo o grupo de imigrantes/refugiados, com sua consequente expulsão. Não é razoável entender que pela atitude de um pequeno grupo de quatro indivíduos se possam criminalizar centenas de seres humanos que vieram ao Brasil em busca de uma vida melhor.
A violência perpetrada pelos brasileiros revela, ainda, preconceito com a pobreza que acomete aqueles refugiados.
Isso se constata pelo fato de que a maior parte da economia daquele município se deve ao comércio com os venezuelanos, mas somente com a chegada de grande quantidade de pessoas em situação de pobreza é que a situação chegou ao ponto de se expulsar centenas de vidas daquele local, com violência e incitação ao ódio.
O governo deve apurar de maneira rigorosa os fatos, responsabilizando os envolvidos. Além disso, deve propiciar condições de vida digna aos brasileiros, lá historicamente esquecidos do poder público, e aos estrangeiros. Importante lembrar que os princípios fundamentais da Constituição Federal são válidos para brasileiros e também para os estrangeiros que se encontram no País.
Deodato Ramalho Neto
deodato_neto@hotmail.com
Advogado e presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-CE
NÃO
O episódio ocorrido na cidade de Pacaraima, que consistiu em ataques perpetrados por brasileiros contra os migrantes venezuelanos ali instalados, não se deveu à diferenças entre os povos.
A cidade fronteiriça de Pacaraima conta com aproximadamente 10.000 habitantes. É marcada pela pobreza e seu IDH está abaixo da média nacional. Recebe atualmente estimados 500 migrantes/dia.
Disso resultou que à população pobre local se juntaram venezuelanos em estado de miséria, estabelecendo-se uma disputa direta pelo emprego, moradia, saúde pública, produtos em geral, e até a esmola. Some-se a isso questões polêmicas - e problemáticas - da região, como as referentes à Reserva Indígena de São Marcos.
Nesse caldo, era questão de tempo que atos de violência fossem ultimados. Não foi o temor ou o ódio ao estrangeiro que motivou a selvageria, e sim a fome, o relento das ruas, a doença e o desespero. Não estamos diante de uma questão originariamente étnico/nacionalista, xenofóbica, e sim político/humanitária. O caos é o"establishment" de Pacaraima (e de outros rincões). Não fosse a falta de infraestrutura, a desesperança, a disputa pelo mínimo, não teríamos assistido à batalha entre pobres gentes e miseráveis passantes.
O Brasil, um Estado Democrático de Direito, avesso à xenofobia, e historicamente aberto aos imigrantes, não pode se limitar à Operação Acolhida - força-tarefa subordinada ao Ministério da Defesa. O estado de necessidade local antecede ao evento em pauta. O debate é profundo. Vamos a ele com enfrentamento sóbrio e eficaz, sem romantismos e alusões que desvirtuem o bom entendimento.
Artur Hemídio
arturhemidio@hotmail.com
Advogado, professor, vice-presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB-CE