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Mariana Lobo. Garantia de direito dos presos e pacificação
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Mariana Lobo. Garantia de direito dos presos e pacificação

O Ceará é o segundo estado em maior lotação na relação presos por quantidade de vagas e o primeiro em quantidade de presos provisórios, segundo o Depen
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O Ceará será o primeiro estado do País a receber nova fase do projeto Defensoria Sem Fronteiras, que atua no atendimento jurídico da população carcerária. Tendo em vista os problemas enfrentados pelo sistema penitenciário brasileiro, a força-tarefa, com atuação de defensores de todo o Brasil, visa realizar análise processual e jurídica dos presos. Com a remodelação, o projeto deve fazer acompanhamento posterior dos processos analisados, bem como um recorte da situação dos presos. Em entrevista ao O POVO, a titular da Defensoria Geral do Ceará (DGCE), Mariana Lobo, destaca a relevância da assistência jurídica na pacificação dos presídios e na garantia de direitos aos internos e seus familiares. 

 


O POVO:
Como esse projeto vai ser desenvolvido no Ceará?
 

Mariana Lobo - Há 11 anos existe um projeto feito pelo Conselho Nacional de Defensores Públicos Gerais (Condege) e pelo Ministério da Justiça, à época, chamado Defensoria Sem Fronteiras. Nele, um grupo de defensores brasileiros se deslocava a algumas unidades penitenciárias para fazer um atendimento jurídico da população carcerária. Este ano, o Ministério (da Justiça) passou por um desmembramento e a parte responsável pelo sistema penitenciário foi para o Ministério da Segurança. O ministro (Raul Jungmann) teve reunião com o Condege, que solicitou que esse projeto fosse remodelado na perspectiva da nova realidade do Ministério e do sistema penitenciário. A última edição do projeto aconteceu este ano em Rondônia. Nessa reunião foi feita a remodelação para que durante o processo nós pudéssemos também fazer um levantamento e focar em algumas questões dos internos do sistema penitenciário. 

 

O do preso a mais de 180 dias que não responde por crime hediondo ou equiparado. E o segundo, que é daqueles presos que já teriam direito, pela lei de execução penal, a uma progressão de regime, já cumpriram a sua pena em regime fechado, teriam direito a ir para o semiaberto ou aberto, mas esse direito não foi sequer postulado. A gente vai analisar a situação para saber quem é que deveria ter recebido algum benefício na área da execução penal, para que a gente possa pleitear com o Poder Judiciário a concessão do benefício. É importante dizer que não é um mutirão, é uma força-tarefa de análise processual e jurídica da situação dos internos. Em dados do 

Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o Ceará é o segundo estado em maior lotação na relação presos por quantidade de vagas e o primeiro em quantidade de presos provisórios. Então o Ministério da Segurança elencou alguns Estados para que o projeto voltasse a acontecer. O Estado que vai iniciar essa nova fase do projeto Defensoria Sem Fronteiras é o Ceará.
 

OP: Como será essa força-tarefa?
 

Mariana: Na nova roupagem do projeto, vem ao Ceará 80 defensores públicos do Brasil. Durante 15 dias, em parceria com a Secretaria da Justiça e Cidadania do Ceará (Sejus), vão fazer a análise processual e o levantamento jurídico de cerca de 9 mil a 10 mil internos que estão custodiados na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Porque, muitas vezes, a pessoa tem mais de um processo, já tá respondendo provisoriamente por um delito mas já tem condenação em outro. Vamos analisar e levantar a situação jurídica de todos os internos dessas unidades que foram elencadas para serem agraciadas com o processo.
 

OP: O que essa remodelação trás de novo?
 

Mariana: Após o levantamento de todos esses dados, vamos preencher um sistema que a Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará (DPGE) desenvolveu de acompanhamento dos internos que se chama SIC. Vamos passar a acompanhar esses internos por meio do nome e não apenas do processo. Porque ele pode ter um processo em Fortaleza, outro Quixeramobim, outro em Quixadá, por exemplo. Para prestar assistência jurídica, temos que ter a informação do interno reunida em um mesmo local. Depois disso, vamos observar qual é a situação daquele interno. Vamos tentar fazer alguns recortes para averiguar qual é a situação deles. Esse recorte vai ser dado durante a força-tarefa para que as pessoas que tenham direito a um benefício. Porque quem determina a manutenção ou saída dele do sistema penitenciário é o Poder Judiciário.
 

OP: Como foram escolhidos os presos que vão participar do projeto?
 

Mariana: Existem unidades da RMF em que a DGCE conseguiu fazer essa análise dentro de uma programação anual do órgão. As unidades onde nós já fizemos esse trabalho a força-tarefa não será feita nesse momento. Vamos fazer nas unidades que ainda não conseguimos fazer esse trabalho de análise processual do interno juntando todos os processos, na Capital ou no Interior.
 

OP: Tendo em vista que o Ceará tem a segunda taxa mais elevada de superlotação, como a defensoria avalia o impacto dessa ação na situação carcerária do Estado e, principalmente, na tensão nos presídios?
 

Mariana: Existe esse dado do departamento mas ele precisa ser averiguado. Pode ser que o Ceará não tenha essa quantidade de presos provisórios. Só vamos ter essa informação se analisarmos processo por processo. Porque esse dado que a própria secretaria (de Justiça) divulga pode não estar fiel à realidade. O importante de uma força-tarefa como essa é dar ao interno a informação correta da situação processual dele. Isso é importante como instrumento de pacificação. A defensoria é responsável por cerca de 85% da assistência jurídica da população. No momento em que a gente entra nas unidades com as respostas isso é um instrumento de pacificação nas unidades prisionais muito forte porque tira a ideia de que o Estado o colocou naquela situação mas não lhe deu o devido olhar e a importância que ele tem. Nós defendemos que o sistema penitenciário seja fortalecido, que a segurança das unidades seja intensificada mas para aquelas que cometeram crimes de maior periculosidade ou de maior gravidade. Se a gente não separa aqueles que adentram pela primeira vez ou que cometeram um delito de menor periculosidade, estaremos juntando com os de maior periculosidade e que já estão dentro de uma organização criminosa. E estaremos criando um exército.
 

OP: Como uma resposta à demanda da defensoria teria o potencial para atingir o problema da segurança dentro e fora dos presídios?
 

Mariana: A política de segurança pública não pode focar no viés da repressão e da punição. É importantíssimo fortalecer as polícias e os mecanismos de repressão mas não podemos esquecer as instituições de retaguarda, que é a política da garantia de direitos. Porque se a gente não tem a defensoria pública instalada em algumas comarcas do Estado, as pessoas ficam sem assistência, sem retaguarda na garantia dos direitos, ficam mais tempo do que deveriam dentro da unidade prisional ou o crime acaba prescrevendo e não teve quem fizesse a defesa. Quando a gente não dá um investimento na política de garantia de direitos, que compete à defensoria pela Constituição Federal, nós não estamos trabalhando uma das ferramentas da política criminal e de segurança, que é a garantia de direitos, da assistência. Quando o órgão de garantia de direitos não está lá, o Estado está ausente. A defensoria faz o atendimento não só do interno mas ao familiar. Muitas vezes, a presença da defensoria garante direitos básicos aos filhos e outros familiares dos internos, por exemplo, como o acesso à educação, saúde, à pensão alimentícia de um parente. Se a gente não tira essas pessoas da invisibilidade, a gente também não tá combatendo a criminalidade no viés da prevenção. Nos municípios em que a defensoria não está, a quem essas pessoas irão recorrer? Para que a política criminal funcione é preciso que o Estado que faz a acusação, que é o Ministério Público, o que julga, que é o Poder Judiciário, e o que defende, que é a Defensoria, tenham presença igualitária e as mesmas condições.  

 

Infelizmente, no Ceará, a defensoria está ausente no Interior. Das instituições públicas do sistema de justiça é o que conta com o menor número de profissionais, estamos com 314 funcionários e 148 cargos vagos para defensor. Existe uma carência do Estado que defende a garantia de direitos. Por isso que é importante um evento para que faça o levantamento de um dado como esse para trabalharmos de maneira mais efetiva.

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Força
 

80 DEFENSORES do Brasil, 20 do Ceará e 10 funcionários da Segurança Nacional virão realizar o projeto em junho.
 

Presos
 

Segundo dados da Secretaria da Justiça e Cidadania, há um excedente de 70% presos nas unidades da RMF.  

 

Outros Estados


Goiás e Pará devem ser os próximos receber a força-tarefa nacional Defensoria Sem Fronteiras. Ao todo, seis estados devem receber o projeto até o final de 2018 

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