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Dois dedos de prosa com Zenilce Bruno
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Dois dedos de prosa com Zenilce Bruno

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[FOTO1] Masturbar-se é uma prática natural, democrática e faz bem, quando não se configura uma compulsão. Ainda na cama ou durante o banho, são muitas as possibilidades para se aconchegar e (re)descobrir, no próprio corpo, o autoprazer. Maio é o mês internacional da masturbação e O POVO conversou com a sexóloga Zenilce Bruno sobre autoerotismo.

 

O POVO: Apesar de ser uma prática natural, por que a masturbação ainda é vista como tabu?

 

Zenilce Bruno: A [palavra] masturbação significa poluir com as mãos. Nós sexólogos até mudamos essa denominação e chamamos de autoerotismo, que é uma forma mais sensível de falar do toque da própria pessoa no seu corpo. Quando você se toca, está procurando determinadas regiões que lhe dão prazer. O que é extremamente salutar. Pra que o outro lhe toque e você sinta prazer é necessário que você descubra isso sozinho. Inclusive, nós usamos o autoerotismo como uma técnica na terapia sexual. Pacientes que têm problemas na relação sexual, que têm problemas de anorgasmia, que é a falta de orgasmo, ou disfunções das mais diversas na área da sexualidade, um dos exercícios usados é que a pessoa descubra o que é que lhe dá prazer, pra ela trabalhar com o parceiro ou a parceira.

 

OP: E porque existe o tabu?

 

[QUOTE1] Zenilce Bruno: O sexo é natural do ser humano. Desde que nascemos até a nossa morte, nós temos energia sexual. Ou seja, existe sexualidade, que é diferente da genitalidade. A genitalidade é a relação sexual. Quando a criança começa a sentir prazer é produzido pela sexualidade e não com a genitalidade, mesmo ela tocando nos órgão genitais. O adulto já começa a reprimir a criança porque visualiza as cenas de um toque como um cunho erótico. O que não é verdade. As pessoas usam os órgãos genitais com o sentido de procriar. A natureza colocou assim e as pessoas seguiram. Só que nós sentimos prazer, sentimos orgasmo e a pessoa pode usar essa sexualidade sem fins procriativos. A igreja colocou, durante muito tempo, que esse hábito sexual deveria ser ligado à procriação, ao casamento, à família. Então quem está sentindo prazer sozinho não vai ter uma relação com outra pessoa, e não vai gerar filhos. Por isso ainda é um tabu. As pessoas colocam a sexualidade confundindo com a genitalidade. Se você não tem o objetivo de engravidar, você não precisa fazer isso, não precisa se tocar. Como se o prazer fosse alguma coisa proibida. O prazer é uma forma de você vivenciar essa sua sexualidade sozinho. E ela foi colocada por muito tempo como uma coisa desnecessária. Então, o que é desnecessário passou a ser proibido.

 

OP: Como desmistificar isso? Quais as formas de tentar desfazer essas ideias?

 

Zenilce Bruno: Nós já estamos desmistificando quando você coloca isso numa pauta do jornal. É um ótimo caminho. Quando aparece numa publicidade as pessoas se tocando, as pessoas se erotizando. Porque parecia que eu só posso erotizar o outro, mas no momento que eu tenho a autoestima boa, eu começo a me seduzir, a me erotizar. Isso é muito legal. As pessoas só podem ter tesão no outro quando elas têm tesão nelas mesmas. Normalmente as pessoas que acariciam têm mais probabilidade de serem felizes sexualmente.

 

OP: Por quê?

 

Zenilce Bruno: Quando você se toca, gosta do seu próprio corpo, tem uma probabilidade maior de gostar do corpo do outro, e deixar que o outro também goste do seu. Algumas mulheres estranham quando são tocadas, não gostam, têm medo, porque elas não são acostumadas a isso. E o corpo precisa de toque. 

 

OP: Há uma censura maior da masturbação para a mulher do que o homem?

 

Zenilce Bruno: A própria natureza, a biologia, é meio ruim [para a mulher], porque o homem toca na genitália dele naturalmente. A criança [menino] desde pequenininha [quando] vai fazer xixi já pega no pênis. Então ele tem uma naturalidade em se tocar. A mulher não, pelo contrário, a vagina é mais escondida. Então ela faz xixi sentada. Ela muito pequenininha já tem uma proteção. E o mais maluco é que essa mulher quando vai crescendo é estimulada a mostrar e trabalhar o corpo, mas é desestimulada a ser tocada. É como se fosse só um objeto de enfeite. Isso é muito maluco porque ao mesmo tempo em que você estimula a mulher, é só pra olhar, não pode tocar. Então nós nos tornamos cada vez mais objeto, que fica na vitrine, todo mundo olha, admira, mas não pode pegar.

 

OP: Por que essa censura é maior às mulheres? 

 

Zenilce Bruno: Quando eu não quero que aquela mulher se toque é porque eu tenho uma grande insegurança. Alguns homens ou outras mulheres, nas relações homossexuais, têm muita dificuldade de tocarem e serem tocadas, porque nunca se tocaram. Então quando alguém lhe toca, a pessoa estranha, fica como se fosse uma invasão no seu próprio corpo. E aí eu faço a escolha, eu toco e sou tocada quando me é conveniente e não quando é conveniente ao outro. 

 

OP: Quais os benefícios de se masturbar?

 

Zenilce Bruno: A pessoa precisa de afeto, precisa ser tocada. Então quando a gente vê alguém muito violento, muito agressivo, que bate, em geral, essa pessoa não teve afeto, não foi tocada, não foi acariciada. Eu sou psicóloga e atendo no meu consultório e vejo alguns adultos falando isso com muita dor, que não tiveram afeto, carinho. É porque as pessoas pensam no toque como sendo algo erótico. Ser tocado pelo pai, pela mãe, pelo amiguinho, pela amiguinha, não necessariamente precisa ser na genitália. O autoerotismo ou a masturbação não necessariamente tem que ser na genitália. Quando você conhece o seu corpo todo, por você ou por outra pessoa, não necessariamente tem um cunho erótico. Não é pra sentir orgasmo todas as vezes. É apenas para ser acariciada. É isso que a gente tem que diferenciar, que quando você se toca, não precisa tocar só na genitália. O corpo todo precisa de toque.

 

OP: É possível que a masturbação se torne um problema para homens e mulheres?

 

Zenilce Bruno: Algumas pessoas ficam dependentes também desse toque da masturbação. Em geral, essas pessoas estão querendo prazer, estão querendo se sentir acompanhadas. E isso conota uma solidão. Isso conota uma grande carência. Eu tenho pessoas que vieram se tratar na terapia sexual porque eram consideradas viciadas em se masturbar.  Na realidade, não era isso. No momento em que você começa a trabalhar a carência, a fragilidade, a necessidade dessa pessoa, é quase que imediato ela parar de se masturbar. Porque ela começa a suprir a carência dela com outras realizações, que não são mais o prazer imediato. Porque a masturbação é um prazer imediato. É como comer, é como beber, é como fumar. O prazer que você tem é imediato e ele vai suprir alguma carência. No momento que essa carência for suprida com o que realmente lhe faz falta, você deixa de se masturbar. Como também quem tem compulsão sexual pra transar com outra pessoa. Normalmente, é também para suprir uma carência. Só que muita gente não tem essa outra pessoa.

 

OP: Como isso deve ser tratado?

 

Zenilce Bruno: A gente trata na terapia sexual. Você vai ter que tratar com um terapeuta em que ele tenha que entender onde é que é o nó, o que é exatamente que está lhe fazendo falta,  pra poder você trabalhar essa falta, essa carência e, imediatamente, você vai suprindo essa compulsão.

 

OP: É comum associar a masturbação a uma busca solitária por prazer. Algo de você com você mesmo. Como a prática pode ser aproveitada por casais?

 

Zenilce Bruno: Quando você tem um toque na genitália feito por outra pessoa, quando você toca na genitália do outro, isso não é considerado masturbação. É uma troca de carícia. Porque o que caracteriza a masturbação é a solidão, você trabalhar a sexualidade de uma forma isolada. O que às vezes também acontece quando você tem medo de ter essa pessoa, quando você tem vergonha do seu próprio corpo, quando existe um isolamento social ou quando você é proibido socialmente ou filosoficamente por questões religiosas. Algumas pessoas se tocam porque não podem ou porque não têm parceiro. Aí é outra história.

 

OP: É errôneo, então, dizer que uma pessoa masturbou outra?

 

Zenilce Bruno: É. Porque o que caracteriza a masturbação é o toque feito pela própria pessoa. Quando você acaricia uma outra pessoa não é considerada uma masturbação é uma troca de carícias. O que é extremamente interessante e salutar. Porque quando você descobre o que é que o outro gosta e você o toca, isso é muito legal. Mas pra você descobrir o que é que o outro gosta, precisa de dicas.Então a própria pessoa que vai dando dicas como ela gosta de ser tocada.

 

OP: Como as pessoas podem trabalhar a masturbação? O que podem priorizar na hora, usar da criatividade, para trazer esse prazer para ela própria?

 

Zenilce Bruno: Eu sempre sugiro que as pessoas comecem a exploração do seu próprio corpo se olhando no espelho, tomando um banho mais demorado, passando um hidratante, em que a pessoa vá conhecendo o seu próprio corpo. Depois ela pode dar dicas para o companheiro ou a companheira de como tocá-lo. Isso é muito legal. Quando se trata do adolescente, que ele está descobrindo por uma questão muitas vezes de insegurança de um parceiro, ele começa a se tocar e ter prazer sozinho porque ele tem medo de não sentir prazer com outra pessoa. Então é também uma época de aprendizado, que é importante, que é legal. Já em relação à criança, quando a criança se toca, ela não tem nenhum objetivo, a não ser o imediato. Ela não tem uma questão filosófica aí, a não ser de tocar em algum lugar que ela achou legal e ali ela vai mantendo, gostando de ser tocada aqui e continua porque tá dando um certo prazer. O que a gente tem que prestar atenção na criança é se aquilo se tornou compulsão, se ela tá se tocando demais, o que é que tá acontecendo, porque às vezes não é prazer, às vezes pode ser um machucado, pode ser uma doencinha, às vezes ela pode ter sido violentada, aí você tem que prestar mais atenção. Mas o que eu acho que é imprescindível é que não haja repressão em nenhuma faixa etária. Nem na criança, nem no jovem, nem no adulto e nem no velho. As pessoas têm o direito de se tocarem e o dever de conhecerem o próprio corpo.

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