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Thomas Friedman: "Os partidos estão ficando loucos"
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Thomas Friedman: "Os partidos estão ficando loucos"

Em passagem pelo Brasil, o jornalista destaca os impactos da polarização no mundo. As pessoas acabam votando contra alguém
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Três vezes ganhador do Pulitzer, o colunista do The New York Times, Thomas Friedman, disse que o Brasil parece estar finalmente voltando ao eixo e se disse otimista sobre o futuro do País. Ele acredita que o Brasil é um exemplo de como alguns anos de gestão ruim pode descarrilhar uma nação, referindo-se ao governo de Dilma Rousseff.


Friedman participou de evento da nova administração da Câmara Americana de Comércio em São Paulo na semana passada. Ele falou sobre mudanças, tecnologia e comunicação. Em sua palestra, o jornalista e autor do livro “O Mundo é Plano” não poupou críticas ao atual presidente dos Estados Unidos. Ele afirmou que o republicano Donald Trump “emburrece as pessoas”. Por isso adota uma “dieta Trump”, na qual evita ler demasiadamente sobre o político. “Trump é uma pessoa perturbada, um ser repugnante”, disse. Em entrevista ao O POVO, o colunista também avaliou os impactos da polarização no mundo.


O POVO - Como a tendência de crescente polarização deve afetar o mundo e como impacta em lugares como os Estados Unidos?


Thomas Friedman - É assustador porque está ficando institucionalizado. Não sei do Brasil, mas posso dizer que nos Estados Unidos temos esse sistema em que o candidato pode escolher seus eleitores, em vez de os eleitores escolherem os candidatos. Se eu criar um distrito cercado de uma maioria de republicanos ou de democratas, eu posso acabar escolhendo meus eleitores. Tem muito disso acontecendo. Políticos podem escolher seus eleitores e os eleitores podem escolher suas notícias. Eles podem escolher mídia da extrema direita ou extrema esquerda. Não precisam mais ouvir a grande mídia ou o ponto de vista de outros. E o dinheiro na política é enorme. Essas forças que estão nos tribalizando são institucionais. Creio que a saída seria um candidato de um terceiro polo (partido), que consiga demonstrar que há eleitorado para uma política mais moderada e de centro. Não posso falar pelo Brasil, mas nos Estados Unidos os partidos estão ficando loucos. Republicanos não acreditam na ciência. Democratas, sim, acreditam na ciência das mudanças climáticas. Não tem equivalência. Eles são polarizados, mas não equivalentes. Quando você pensa na Hillary Clinton, ela não é uma pessoa que teria mentido ou feito afirmações duvidosas 2 mil vezes em um ano, como Trump fez. Republicanos têm um componente evangélico muito forte e estão apoiando o ser humano mais indecente que já pisou na Casa Branca.


OP - Por que o senhor acha que os eleitores de Trump não se importam se ele mente?


Thomas Friedman - Porque eles não estão votando nele, estão votando contra os democratas. Eles odeiam as pessoas que odeiam Trump mais do que gostam de Trump. Não sei se vocês têm o mesmo no Brasil. Antes de eu me aposentar, eu vou mudar meu cartão de visitas. Hoje diz ‘Thomas L. Friedman Correspondente de Assuntos Internacionais’. Vou mudar para ‘correspondente de indignação e humilhação’. Basicamente, essas são as duas forças mais poderosas do mundo. Se eu achar que seu partido ou seu líder partidário me olha com desprezo, eu vou votar no outro cara. Seu programa econômico pode até ser do meu interesse, mas mesmo assim vou votar no outro cara.


OP - O senhor acredita que a mídia progressista deveria trabalhar em conjunto quando o assunto é Trump, combinando quando publicar histórias sobre ele?


Thomas Friedman - É muito perigoso. Temos esse problema no New York Times, porque todos querem que sejamos a “resistência”, os líderes da resistência. Mas não é assim que fomos construídos. Fomos nós que expusemos o círculo da Hillary. Somos as pessoas que expuseram o caso Whitewater de Bill Clinton. E fizemos essas coisas com o Trump também. É isso que fazemos, cobrimos os dois lados, constitucionalmente. Leitores questionam porque temos uma página com um conservador, quando deveríamos ser a resistência. Tem sido um problema para nós.


OP - Quando vocês escrevem sobre Trump, acabam sendo manipulados por ele, que já disse em seus livros que o importante é estar na mídia. Concorda?


Thomas Friedman - Com certeza. “Falem bem ou falem mal, mas falem de mim”. É exatamente isso. Por isso, estou numa dieta de Trump. Eu tento limitar a quantidade de vezes que leio sobre ele, porque ele emburrece as pessoas. Essa é a estratégia dele. Ele é uma pessoa perturbada.


OP - Quando o senhor acredita que o efeito Trump vai afetar o mercado?


Thomas Friedman - Não tenho a menor ideia. Antes que a política possa mexer no mercado muitas coisas têm que dar errado.


OP - Há algum acerto de Trump nesse tempo no Salão Oval?


Thomas Friedman - Talvez haja uma regulamentação que ele se livrou que pode ter sido boa. Eu era a favor do corte de impostos para empresas, mas eu teria aliado aos impostos de carbono. Dessa forma, a gente diminuiria a arrecadação de um lado, mas o déficit não seria tão grande.


OP - De que forma as políticas econômicas de Trump podem trazer prejuízos?


Thomas Friedman - Elas podem dar errado porque quando você aumenta a dívida pública na dimensão em que estamos fazendo é como se livrar do seu para-choque e do estepe ao mesmo tempo, enquanto dirige em alta velocidade. Se tivermos outra crise como 2008, precisaremos fazer o que foi feito na época. O governo precisaria gastar mais para movimentar a economia. Mas quando a dívida pública já está muito alta, acaba reduzindo a nossa capacidade de fazer isso. Trump está fingindo que nunca mais teremos outra recessão, ou depressão, ou, Deus nos livre, outro 11 de setembro. É como se nada de ruim nunca mais fosse acontecer. É fruto de uma liderança imprudente.

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OP - Em palestra, o senhor disse que era um otimista sobre o futuro dos EUA. E sobre o futuro de países como o Brasil?


Thomas Friedman - Eu não sei tanto assim sobre o Brasil. Mas não vejo razão para não ser otimista. Brasil estava num caminho maravilhoso há 7 anos. Me parece que vocês tiveram uma líder ruim por um tempo que tirou o país dos trilhos. E claramente o povo brasileiro a depôs, tomaram uma decisão em relação a isso. Quando o mundo é rápido como agora, pequenos erros na navegação podem ter grandes consequências. É um caso de estudo de como má liderança por alguns anos consegue realmente tirar um país dos trilhos. Mas parece que está voltando aos trilhos aos poucos. Esse país tem muito talento natural e humano, mas está com uma performance sub-aproveitada.


OP - Estamos vivendo uma nova onda liberalista no Brasil. O senhor acredita que esse sistema econômico seja o ideal para todos os países?


Thomas Friedman - Eu ainda acredito na força dos mercados livres, mas também na força de uma rede de segurança. Toda vez que se vai extremo de um lado ou de outro, você vai encontrar problemas. É um equilíbrio. Precisa ter um equilíbrio.


OP - O senhor prega valorização de coisas à moda antiga no processo de mudanças. Como isso pode ajudar a humanidade?


Thomas Friedman - Não é sobre voltar no tempo. É sobre estar ancorado, seguro. Você pode estar ancorado na comunidade, mas ser bem moderno e progressista. Meu argumento é que a aceleração das coisas (tecnologia) deixou muita gente desancorada. Os imigrantes vêm chegando mais rápido do que conseguem se adaptar. Eles vivem mudanças nas normas sociais - casamento gay, equalidade de gênero. Sou a favor de tudo isso. Mas para muitas pessoas tudo está acontecendo rápido demais. Todas essas coisas começaram a acontecer de uma vez e deixou as pessoas inseguras. O mais importante é que as pessoas se sintam seguras . A direção certa é as pessoas estarem mais próximas, mais conectadas na vida real em um ambiente em que a política interessa menos.


OP - Há uma linha que não deveríamos cruzar nesse processo de evolução tecnológica?


Thomas Friedman - Estamos ficando cada vez mais parecidos com deuses em muitas maneiras. Já conseguimos projetar pessoas, animais, não apenas plantas. Com a Inteligência Artificial, poderemos fazer implantes no cérebro humano. Estamos alcançando limites interessantes. Por isso, eu acredito que toda universidade de tecnologia deveria ter aula de ética.

 

Palestra

 

Thomas Friedman ministrou palestra na Câmara Americana de Comércio em São Paulo na semana passada. Ele falou sobre mudanças, tecnologia e comunicação

 

ISABEL FILGUEIRAS

CORRESPONDENTE DO O POVO EM SÃO PAULO

isabelfilgueiras@opovo.com.br

 

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