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Facebook em xeque
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Facebook em xeque

| PRIVACIDADE | Maior das redes sociais está com seu futuro posto à prova após escândalo de vazamento de informação de usuários para propaganda eleitoral na campanha de Trump, nos Estados Unidos. Caso levanta questionamentos éticos e democráticos no meio digital
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O escândalo que revelou a utilização de dados de usuários do Facebook para direcionamento de propaganda eleitoral colocou a companhia de Mark Zuckeberg no olho de um furacão. A crise foi estourada na última semana, após se tornar público que a empresa britânica Cambridge Analytica fez uso indevido de informações pessoais e comportamentais de 50 milhões de pessoas.


Com base nessas informações, os usuários passaram a receber propaganda eleitoral personalizada de Donald Trump, no pleito presidencial norte-americano vencido pelo empresário em 2016. O mesmo ocorreu durante o ‘Brexit’, plebiscito que definiu a saída do Reino Unido da União Europeia.
 

Os dados eram colhidos sem conhecimento ou, muito menos, consentimento dos usuários, por meio de testes aparentemente lúdicos realizados via Facebook. Neles, as pessoas revelavam à Cambridge Analytics características de suas personalidades ou preferências.
 

As reações após o vazamento do escândalo foram imediatas. Em dois dias, o  Facebook perdeu US$ 50 bilhões em valor de mercado. Outros gigantes do mundo digital se manifestaram rapidamente. Elon Musk, chefão da Tesla e da SpaceX, fez coro à campanha #deletefacebook e apagou os perfis de suas empresas do Facebook. Outros como o Google tratou logo de garantir o compromisso em endurecer as regras quanto ao fornecimento de dados.
 

Mark Zuckerberg, diretor-presidente do Facebook, até tentou diminuir o impacto do prejuízo ao reconhecer os erros dele na condução do caso. Afinal, sabia da utilização de dados para fins político-eleitorais desde 2015. A resposta, no entanto, foi discreta e aquém do esperado, resumindo-se à promessa de um cerco mais fechado para evitar esse tipo de vazamento de dados dos usuários de sua rede social.
 

Enquanto não consegue provar ações de resposta efetivas, o Facebook sofre a crise de perda de credibilidade entre usuários, acionistas e clientes. Mas os questionamentos vão além da continuidade ou popularidade da rede social. O escândalo abre a discussão sobre ética e privacidade no meio digital.
 

Abre também a incógnita sobre quais desdobramentos o tráfego de informações pessoais de usuários de redes sociais podem ter nas eleições presidenciais do Brasil neste ano. Ainda mais em cenário de conturbação política e total incerteza sobre quais serão os candidatos e, sobretudo, o eventual vencedor do pleito.
 

Que o Facebook utilizava e fornecia informações de seus usuários para direcionamento de publicidade comercial, todo mundo sabia. Mesmo isso estando apenas na letra miúda dos termos de concordância nunca lidos no momento da entrada na rede social.
 

O ‘x’ da questão na crise do Facebook escancarada pela delação de um ex-funcionário da Cambridge Analytica está nos limites éticos para uso político-eleitoral dessas informações dos usuários.
 

Para Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab —centro independente de pesquisa em internet e direitos — a imagem do marqueteiro tradicional em campanhas eleitorais perderá cada vez mais espaço para as propagandas nas redes sociais. Contudo, o uso de dados privados em pleitos fere princípios éticos e democráticos.
 

“As regras do jogo não são essas. A defesa de dados pessoais é um imperativo ético. Se a privacidade está morta, pode acabar matando a democracia. Veja bem, não estou dizendo que esse caso matou a democracia. Mas nos faz pensar sobre isso e pensar que decisões temos que tomar”, afirma Brito Cruz, reforçando necessidade que o Brasil tem de um marco regulatório para a proteção de privacidade no meio digital.
 

“Dizer que o Facebook entrou numa conduta antiética é mais complicado. Ele mudou as políticas e se a plataforma fez essa autocritica, a evolução aparece diante de um aprendizado ético. A gente está pensando o valor social da privacidade”, complementa.
 

Em seus discurso de ‘desculpas’ Mark Zuckeberg prometeu ainda atenção especial às eleições presidenciais do Brasil, em outubro próximo. Com o País atravessando um dos momentos políticos mais conturbados da história, tendo pela frente um pleito ao Planalto recheado de incertezas, Brito Cruz afirma não crer que a corrida pela presidência passará incólume a esse tipo de  tráfego de informação no meio digital. 


“Esse desafio é tão difícil quanto enfrentar o Caixa 2 em uma campanha. Não vai ser de uma hora para outra. É necessário aprender com casos que possam ser investigados e punidos. É uma tarefa ingrata botar nas costas do Judiciário. Como ele entender e julgar questões sem legislação específica para dados pessoais?”, questiona.
 

Coordenador do Comitê de Segurança e Riscos Cibernéticos da Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes), Roberto Gallo, entende como injusto culpar o Facebook nesse caso. Ele aponta como explicações as mudanças no decorrer do tempo da percepção sobre privacidade.
 

“As pessoas são mais conscientes e se você pensar que estamos vendo hoje o resultado de um dado compartilhado no passado, é fácil entender que não é possível realmente culpar o Facebook pelo que aconteceu. Avaliar se há crime em uma ação do passado com regras do presente também é no mínimo injusto”, avalia Gallo. (colaborou Isabel Filgueiras, correspondente do O POVO em São Paulo)

NÚMEROS DO ‘FACE’
 

2,07 bilhões de usuários tinha o Facebook ao final de 2017. Isso equivale a quase 30% da população mundial  

 

ELEIÇÃO NOS EUA


UTILIZAÇÃO DOS DADOS

 

Cientistas desenvolveram um perfil psicométrico bastante preciso de uma pessoa apenas utilizando suas opções de “Curtir” do Facebook. Começaram com o teste do perfil psicológico padrão conhecido como “Big Five or OCEAN”, sigla em inglês das cinco características: abertura, escrupulosidade, extroversão, amabilidade e neurose (ou instabilidade emocional). Nesse modelo, um usuário responde a uma lista de afirmações, como “sou alguém que tende a se organizar” ou que “raramente se sente emotivo”, usando uma escala que vai de “totalmente de acordo” a “totalmente em desacordo”. Para classificar os eleitores, um algoritmo poderia encontrar vínculos entre “amabilidade”, ou “neurose”, e gênero, idade, religião, hobbies, viagens, pontos de vista políticos específicos e uma série de outras variáveis. Segundo Alexander Nix, CEO da Cambridge Analytica até ser suspenso na terça-feira, foram gerados mais de 4.000 dados sobre cada eleitor nos EUA. A campanha poderia enviar mensagens, notícias e imagens pelo Facebook e por outras redes sociais voltadas para atingir os pontos certos em um indivíduo e que o levassem a engrossar as fileiras de Trump. 

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