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Marcia Tiburi. "Não sei onde os bons conservadores estão". Veja vídeo
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Marcia Tiburi. "Não sei onde os bons conservadores estão". Veja vídeo

Marcia Tiburi fala sobre o episódio envolvendo Kim Kataguiri, coordenador do MBL, e reflete sobre a apropriação do feminismo pelo debate partidário
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Com mais de 80 mil seguidores em sua página de Facebook, a filósofa Marcia Tiburi é hoje uma das mais populares pensadoras no País. Suas posições firmes, os inúmeros livros publicados e sua participação de cinco anos no programa Saia Justa, da GNT, a transformaram em importante voz para o debate que se construiu em torno de questões ligadas ao feminismo e aos rumos da esquerda no Brasil.

 

Na entrevista a seguir, concedida antes do lançamento de seu último livro, Feminismo em comum, em uma livraria de Fortaleza, Marcia reflete sobre o papel da imprensa na perpetuação de clichês violentos e critica o oportunismo que se gera no meio político partidário quando se abraça o feminismo. Também comenta o episódio da Rádio Guaíba, quando se retirou de um programa depois de saber que seu companheiro de debates seria Kim Kataguiri, coordenador do MBL.
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O POVO - Queria resgatar o episódio com o Kim Kataguiri na Rádio Guaíba para te perguntar que tipo de debate te interessa, que tipo de debate te atrai.

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Marcia Tiburi: Eu participo de debates todo o tempo, sou professora, tenho muitos estudantes, então tenho uma paciência histórica, revolucionária com todas as pessoas, assim como espero que as pessoas tenham comigo. Acho que podemos nos tratar com paciência, respeito, interesse. No entanto, não é possível participar de um debate como boi de piranha. E não é possível você aceitar que um colega de profissão, professor, não te avise do seu debatedor.

Ao mesmo tempo, talvez o meu debatedor soubesse da minha presença. Eu nem sabia da presença do garoto do MBL, nem da presença do Requião. Também não perguntei, então não culpo o colega lá. Mas o debate que me interessa é o real, honesto. Sei que se tratando da esfera política, é muito difícil escapar dos sofismas, das falácias. Eu já tive oportunidades de viver situações que foram bem infelizes. Defendo, por exemplo, a legalização do aborto no Brasil, e já participei de muitos debates infelizes. Mas eu ia sempre com um propósito político. E no dia desse evento na Rádio Guaíba, eu não fui participar de uma conversa com um propósito político. Não é possível debater nem conversar com pessoas que tem uma proposta prévia de mistificação. Existem armadilhas colocadas hoje no Brasil, eu mesma sou vítima constantemente de deturpações daquilo que digo. As pessoas editam meus vídeos, têm tentando atacar minha imagem como professora de filosofia, filósofa, escritora que sou, talvez porque hoje eu fale muito, fale bastante, fale o que penso.

Não tenho nenhum problema em debater com pessoas que se posicionam à direita mas que são sérias. Nós podemos ter bons conservadores no Brasil com quem conversar. Eu não sei onde eles estão, acho que estão escondidos e preferem mandar esses personagens na frente, pessoas com intenções mais escusas. Não tenho vontade de conversar com pessoas com intenções escusas, que venham com discursos prontos, não saibam debater ideias e que façam mistificações. Sobretudo não quero aplaudir discurso de ódio e de violência, do robotizado, pré-programado. Quem faz isso acaba sendo conivente e empoderando uma esfera de comunicação violenta, o que é uma contradição, porque a comunicação devia ser não violenta. Eu tô aqui de peito aberto com você, mas às vezes a gente tem que saber se proteger.


OP - O feminismo e suas bandeiras serão tema central na campanha eleitoral. E isso é bom, é positivo, mas essa presença massiva aumenta o risco de que o debate resvale para o lugar comum, para o oportunismo. A forma como a política (e aqui falo de política partidária) vem assimilando esse tema te agrada? Como o eleitor pode lidar com as armadilhas desse cenário?


Marcia: Eu tenho uma utopia prática e que espero ver realizada a curto prazo. Eu desejo muito que uma bancada feminista seja eleita em 2018 e possa assumir em 2019. Que seja uma grande bancada.

Hoje em dia existem poucas mulheres no parlamento brasileiro que sejam feministas, que lutem pelo direito das mulheres. Ao mesmo tempo, é claro que existe um oportunismo, porque o significante mulher se tornou muito importante como crítica da opressão, entrou na moda como significante vazio também. Nesse sentido, vimos inclusive o surgimento de partidos. O Partido da Mulher Brasileira (PMB), por exemplo, era cheio de homens, alguns até bastante complicados, digamos, do ponto de vista de seus posicionamentos, de seu lugar. Não quero ficar falando mal do partido, mas as pessoas podem pesquisar até para entender como ele se construiu e tirar sua própria visão disso. Eu propus, um tempo atrás, que a gente criasse um partido feminista no Brasil. Não um partido simplesmente de mulheres, mas um partido feminista, que pudesse promover essa ética política, uma luta concreta por uma democracia radical que pensasse na questão da representação política das “minorias”, que são maiorias populacionais no brasil. Todas aquelas populações que não são representadas por esse homem branco capitalista, corporativista, ruralista, e que são as pessoas do povo brasileiro, as muitas pessoas não representadas por esse percentual ínfimo de homens que são donos do poder. Para mim, uma democracia radical representaria justamente a maioria da população, e essa população é invisibilizada: a população negra, das mulheres negras, dos indígenas, dos quilombolas, das lésbicas, das pessoas trans, das mulheres feministas, que somos nós.


OP - Um caso muito emblemático dessa discussão envolveu, recentemente, a deputada federal Cristiane Brasil. Descobriram seu perfil em um aplicativo de encontros e, imediatamente, ela passou a ser alvo de ataques. Foi chamada de “namoradeira”, “festeira”, como se isso, mais que suas aptidões intelectuais, invalidasse sua indicação para o cargo no Ministério.


Marcia: O que se atinge em Cristiane Brasil, como se atinge em mulheres diversas que têm posturas políticas muito criticáveis de extrema direita, contraditórias, em geral o que se busca atingir nelas é sua condição de mulher. É uma estratégia misógina, usada contra mulheres de direita e de esquerda.


OP - No novo livro, você fala de feminismo a partir de uma perspectiva dialógica, como resultado de uma metodologia histórica, de um processo de desconstrução e de maturidade política. Em que ponto dessa evolução nós estamos?


Marcia Tiburi: O feminismo é a maturidade. A política brasileira é infantil - não que seja um política da infância, porque a infância é linda -, mas o infantilismo da política brasileira é profundo. E a prova disso é que a gente vive hoje numa espécie de conto de fadas de terror. Temos um presidente que é associado a vampiros, várias figuras do governo são associadas a figuras maléficas das piores narrativas fantásticas do terror. Coloquei o feminismo como sendo uma ética política mais avançada. Primeiro porque o feminismo reúne novamente ética e política, e isso está separado na política brasileira e mundial. Mas por quê? A política na base da dominação masculina precisa separar sempre ética e política. E o que eu chamo de ética nesse caso? A forma como nos transformamos naquilo que somos. O sujeito ético é aquele que tem autonomia, tem responsabilidade, pensa como se tornou o que ele é, que pensa no que está dizendo, está fazendo.


OP - Como enxerga esse quadro de precariedade intelectual nas redes sociais, onde o debate é quase sempre motivado pelo potencial de polêmica?


Marcia: Pra mim todo feminismo é muito bacana, muito oportuno, mesmo o feminismos mais irritado, aquele do pé na porta. Acho todos muito bons, melhores que qualquer sinal de dominação masculina.

Então não vejo nenhum problema nisso. O problema é o patriarcado.

o feminismo é uma reação a esse estado autoritário. De vez em quando as mulheres se irritam um pouco, mas não acho que isso seja um problema, não. Um grito, uma indignação, um vozerio, isso é absolutamente palatável. Eu me admiro que a galera do patriarcado fique tão incomodada. 

 

Agenda de escritora


Marcia Tiburi esteve em Fortaleza para lançar Feminismo em comum, quarta-feira passada, na Livraria Leitura do Shopping RioMar 

 

Em defesa de Lula


Márcia Tiburi já foi crítica contundente de Lula. Hoje, diz que votaria nele e se transformou-se numa das vozes mais fortes de defesa do petista. 

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