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Irmã Gabriela Pinna. "Não se resolve a violência com a prisão"
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Irmã Gabriela Pinna. "Não se resolve a violência com a prisão"

Da Pastoral Carcerária, irmã Gabriela Pinna reflete sobre violência a partir de desmilitarização, encarceramento e descriminalização das drogas
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O respeito profundo pelo outro, visto como um irmão, é fruto de 20 anos 

acompanhando vidas atravessadas pelo cárcere. Para a irmã Gabriela Pinna, da Pastoral Carcerária do Ceará, a desmilitarização e o desencarceramento são caminhos que podem levar à diminuição da violência, além de políticas públicas efetivas que atendam pessoas em situação de vulnerabilidade. Após lançamento da Campanha da Fraternidade 2018, que aborda a superação da violência, irmã Gabriela conversou com O POVO sobre alternativas para a diminuição do problema.

 

O POVO - Como a Igreja pode contribuir para o enfrentamento da violência?
Irmã Gabriela Pinna - Enquanto Pastoral Carcerária, em nível nacional, foi lançada uma cartilha pelo desencarceramento. Hoje, o Brasil é o terceiro país do mundo com número maior de encarcerados, depois dos Estados Unidos e da China; superamos a Rússia. Em questão de porcentagem, o Brasil é o país que encarcera mais. Essa questão tem que ser olhada com muita seriedade. Porque parece que qualquer tipo de violência, até o roubo de um celular, dez gramas de droga, é prisão. Não se resolve a violência com a prisão. Pelo contrário, o presídio se torna uma oficina de aperfeiçoamento, sobretudo para os jovens. Se ele entra por causa de um celular, quando sai, vai ser expert em roubo com arma, já foram batizados dentro das facções. Nem tudo pode ser resolvido com encarceramento. É claro que tem situações bem perigosas que precisam do afastamento do sujeito do convívio social. A maioria das mulheres, no Brasil e no Ceará, estão na prisão por pequenas quantidades de drogas.

 

OP - Quais as alternativas para resolver o problema sem encarceramento?

Irmã Gabriela - É aquela grande pergunta: punir ou responsabilizar? Eu pego um monte de pessoas e jogo em um presídio. Eles ficam lá ociosos e tratados como coisas que não prestam. O que esperam desses sujeitos quando saem da prisão? A primeira coisa é encontrar alternativas. Uma mulher que é constrangida a entrar no mundo do tráfico porque não tem como sustentar a família... Promove políticas públicas para ajudar as famílias. Um jovem que é dependente químico não precisa do presídio, precisa de centros e clínicas que dão possibilidades para que esses jovens revejam suas vidas e encontrem outros caminhos. Muitos dos que são presos não precisam está lá. Além do gasto econômico para a sociedade. Se gasta mensalmente com um preso o que se gasta com uma criança na escola em um ano. É um absurdo. Por que não investir mais na prevenção? Com políticas públicas, espaços, escolas de verdade, investindo no salário e na formação dos professores. A maioria está presa por causa de tráfico, mas os traficantes não são presos, são presos os pequenos traficantes das favelas. Tudo isso alimenta o círculo da violência. Então, por que não começar a refletir sobre a descriminalização das drogas? Muita gente se revolta por eu falar assim.

 

OP - A descriminalização das drogas seria uma alternativa para diminuir a violência?

Irmã Gabriela - Sim. E a desmilitarização das polícias. A polícia deve garantir a segurança social e não para combater um inimigo, que na maioria das vezes são as comunidades mais pobres, onde se mata. Se a gente imaginar Fortaleza como um círculo, a parte externa são as favelas, é lá que se mata. No centro há roubo, assalto, mas dificilmente se mata. Isso significa que não é simplesmente proibir. Proíbem cigarro, álcool? É a educação.

 

OP - Como é a atuação da pastoral dentro dos presídios, tendo em vista a atuação das facções lá dentro?

Irmã Gabriela - Até a grande rebelião de 2016 (rebeliões ocorridas em presídios da Região Metropolitana de Fortaleza), a gente conversava, fazia atividades, até a Escola de Perdão e Reconciliação. Hoje, estamos fazendo no Feminino a Escola de Perdão e o Círculo Restaurativo. Mas entrar nos presídios é muito difícil. Em nome da “segurança”, porque nós não temos medo. Algumas unidades ficam com tudo quebrado, mas para nós não era problema. Entrávamos em uma unidade com mais de 400 presos e nunca tivemos nenhum problema da parte dos presos, de jeito nenhum, o maior respeito. A gente fazia nossa atividade lá. Hoje, até entrar no Feminino é complicado. Em nome da “segurança” se tira o direito da sociedade de estar presente lá, se tira o direito da assistência religiosa. Não sei como ainda se pode pensar que jogar as pessoas como coisas que não prestam em um local que não oferece nada é achar que se recupera. É muita ingenuidade.

 

OP - O que a senhora espera da atuação Igreja com a Campanha da Fraternidade?

Irmã Gabriela - A minha grande esperança é uma mudança de mentalidade. A todos, começando dos católicos. Começar a nos olhar verdadeiramente como irmãos e irmãs. Independente da tua fé. A dizer: todos somos humanos, fazemos parte da mesma massa. Pode mudar a altura, a cor, o jeito de ser, o jeito de viver a sexualidade. Tudo isso exige respeito profundo. Não vamos superar essa violência magicamente. Tem que fazer tudo nascer de ações. Sobretudo, começar a refletir para que a mentalidade do povo mude, que seja um olhar humano. É diferente de mim, mas respeito, não sou melhor nem pior. Todos somos potencialmente homicidas. A gente não sabe o que pode acontecer na vida e em algum momento perder o meu controle.

ANA RUTE RAMIRES
ruteramires@opovo.com.br

 

 

Igreja

CAMPANHA da Fraternidade de 2018 tem como tema “fraternidade e superação da violência”. O lema é “Em Cristo somos todos irmãos”

 

CNBB

O LANÇAMENTO no Brasil foi na Quarta-feira de Cinzas. No Ceará, foi lançada, na manhã de quinta-feira, no Centro de Pastoral Maria, Mãe da Igreja.

 

Ceará

IRMÃ GABRIELA participou do lançamento local com outros membros de pastorais, da Cáritas e da Arquidiocese de Fortaleza.

 

História

A história de irmã Gabriela foi contada no especial de Natal do O POVO de 2014. Você pode acessar em

especiais.opovo.com.br/nataisporfrancisco/amor/

 

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