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Entrevista. Solução está na parceria entre público e privado
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Entrevista. Solução está na parceria entre público e privado

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[FOTO1]Em 1993, o inglês Mark Britnell desembarcava no Brasil pela primeira vez. Chamava atenção o slogan “País do futuro”. O termo, segundo ele, ainda permanece na área da saúde. Uma das alternativas para sair do limbo é a relação do público com a iniciativa privada. O chairman da Prática Global de Saúde da KPMG visitou Fortaleza onde esteve reunido com o prefeito Roberto Cláudio (PDT) para tratar sobre como fazer o serviço de saúde funcionar de maneira efetiva e qual o caminho para atingir, por meio do segmento, o bem-estar da população.

O executivo, que já trabalhou em mais de 73 países, concedeu entrevista exclusiva ao O POVO acerca das dificuldades, soluções e como o sistema de saúde pode ganhar corpo em Fortaleza e no Brasil.

 

OP – Qual a maior resistência à tecnologia na saúde? É a falta de recurso ou a resistência dos médicos, das corporações?

Mark Britnell: Em Israel, talvez 60% das consultas entre médicos e pacientes é feito por celular. Em Singapura, eles introduziram para 45% dos pacientes carregam os seus próprios prontuários médicos nos seus celulares. No Japão, eu vi robôs carregarem uma idosa de uma maca para outra. Eu estava com o ministro da saúde no Sri Lanka, onde uma companhia de telefonia tem contrato com um consumidor, o qual paga uma quantia em dinheiro mensalmente, que permite que esse consumidor fale com médicos e enfermeiras, e trabalha com algoritmos voltados para a saúde, onde agora 70% de todos os contatos acontecem via telefone. O cenário que eu estou tentando desenhar é que se você não inovar, você vai morrer enquanto país. O Brasil tem muita inovação. Mas o segundo ponto que quero falar é que em todo o mudo pessoas estão usando tecnologias digitais para melhorar a saúde por duas razões: a OMS até o ano 2030, daqui a apenas 12 ou 13 anos, prevê que vão faltar 15 milhões de enfermeiros e médicos ao redor do mundo. Até nos países mais ricos não vão achar médicos suficientes. E o Brasil não consegue encontrar médicos suficientes. Veja a experiência de quando vocês tiveram com os cubanos e o programa Mais Médicos. Em segundo lugar, por causa da população envelhecendo. O Brasil ainda é um país jovem, mas vai envelhecer.

OP - Não tão jovem...

Mark Britnell: Não tão jovem, mas não tão velho como Japão, Alemanha, Itália e Inglaterra. Mas, sobretudo, não há dinheiro suficiente para atender a todas as demandas de uma população que está envelhecendo com tantas condições crônicas de longo prazo.

Por causa de problemas da falta de força de trabalho médica e não sendo possível encontrar todo o dinheiro para cuidar de uma sociedade que envelhece, as pessoas tem que fazer um salto de produtividade. E a produtividade no Brasil é muito baixa, porque vocês não investem tempo suficiente, a atmosfera para os negócios é ruim por causa da corrupção e os escândalos políticos obviamente deixam as pessoas receosas em investir. Então, eu estava falando com o prefeito sobre estratégias de longo prazo para melhorar produtividade e superar desafios. Eu não acredito que vocês algum dia vão ter médicos de atenção básica suficiente pra replicar a atenção básica do ocidente. É impossível, não necessário e irrelevante. A mudança deveria ser  para uma plataforma de atenção básica digitalizada, onde você tem médicos mas a tecnologia tem que alcançar as pessoas com muito mais rapidez. Agora para responder a sua pergunta especificamente, alguns médicos acham isso ameaçador. Alguns profissionais acreditam na santidade do relacionamento entre paciente e médico de maneira física. Isso nunca vai desaparecer, mas precisa ser complementado.

OP - Mas o paciente também. Eles querem ver o médico.

Mark Britnell: A nova geração não é igual à velha geração. Como em qualquer indústria, eu costumava gostar de ir ao banco para ver o meu gerente, e ele nunca gostava de me ver. Agora eu falo com uma máquina de atendimento automático. Se você quiser produtividade, se você quiser eficiência, se você quiser efetividade, você tem que mudar de canal. Então, eu concordo, há uma grande resistência. Enquanto você olha para os dados demográficos, geração X, geração Y, geração Z, millennials, é a segunda natureza deles.

OP - Fortaleza criou uma ferramenta para avaliação do sistema básico de saúde nos postos de saúde. Como o senhor observa esse instrumento?

Mark Britnell: Eu acho que está em linha com as melhores práticas do mundo. Existem alguns sistemas públicos agora, como por exemplo, no Reino Unido. Eles perguntam se os usuários recomendariam aquele hospital que ele foi tratado para amigos e familiares. Issogera uma nota. Na Austrália, o feedback é imediato do paciente. Isso fica em nuvem e vai dando a performance e as notas das especialidades e todos os departamentos. Há três semanas eu estava em Los Angeles e aprendendo sobre as sugestões primárias para o departamento de emergência. Os pacientes agora podem falar diretamente com o governo local e o hospital pelo Twitter. Daí os responsáveis vão explicar o que vão fazer para resolver determinadas situações. Quer você goste ou não, esse é o mundo real. E tanto o mundo real quanto o virtual existem hoje. Você me perguntou uma questão diretamente e eu acho que o que o prefeito está tentando fazer é muito importante. O que sabemos da nossa experiência é que quando você pergunta aos pacientes sobre o que eles acham dos serviços é que eles sempre esperam por algo melhor. Quando te perguntam sobre restaurantes, você espera o melhor. E isso coloca a pressão certa sobre a equipe e as instalações. Então, a melhor maneira de introduzir satisfação ou feedback do paciente é dando as equipes que trabalham nos postos de saúde condições para executar seus serviços. Caso contrário, é uma receita para descontentamento e raiva.

OP - O prefeito mostrou interesse em fazer algum acordo com a KPMG?

Mark Britnell: Nossa missão foi falar a respeito das tendências globais do sistema de saúde, para melhorar o sistema. Nós trocamos informações. A KPMG tem 50 anos de idade e opera em 156 países. Então parte do meu trabalho é viajar pelo mundo ajudando as pessoas a pensar nas soluções para os seus problemas. Nós não conversamos sobre nenhum detalhe de negócios. Mas obviamente que isso precisa ser mais eficiente e nós gostaríamos de ajudar.

OP - O senhor escreveu um livro chamado In Search of the Perfect Health System. Como deve ser esse sistema, na sua opinião?

Mark Britnell: O que eu digo no livro é que o sistema de saúde perfeito não existe. O que descrevo no meu livro são 12 facetas do sistema de desempenho de preços e eu digo que cada país tem algo a ensinar e algo a aprender. Eu olho para as 12 melhores partes do sistema de saúde ao redor do mundo. E eu passo por cada uma deles. Eu mostro o sistema de saúde privado em Israel, os serviços comunitários do Brasil, a promoção de saúde dos nórdicos, a tecnologia da informação de Singapura, os financiamentos na Suíça, os cuidados com os idosos do Japão, o paciente na comunidade na África, a saúde mental e bem-estar na Austrália e as pesquisas e desenvolvimento nos Estados Unidos. Se você olhar na página dois do meu livro, eu falo sobre as doze coisas e uma delas são os serviços comunitários no Brasil, o serviço de saúde da família.

OP - No Brasil, o governo não tem dinheiro pra melhorar o sistema de saúde. O que o senhor pensa das parcerias entre o privado e governo?

Mark Britnell: Essa foi uma grande discussão que tive com o prefeito. Algumas pessoas dizem que o sistema tem que ser inovado ou se morre, ou se torna obsoleto, ou promove serviços ruins. Essa é a situação na qual se encontra o Brasil hoje. O governo efetivamente está congelando o orçamento então na próxima década, 2022-2023 vocês estão em perigo se o seu globalmente bem reconhecido sistema de amparo universal (SUS) começar a desmoronar. E é fato: está caindo, mas não precisa ser assim. Mas se não se pode pagar por mais por serviços, então precisamos de mais parcerias entre público e privado, e é sobre isso que estávamos falando ao tratar de inovação. Há empresas globais e brasileiras que podem investir no futuro se virem como os serviços podem ser reorganizados.Então eu sinto que vocês terão que adotar mais parcerias público-privadas no Brasil. Digo, o Brasil é um país muito desigual entre os ricos e os pobres, entre os que têm e os que não têm. 75% da população dependem do serviço público, mas apenas menos de 50% dos fundos vão pra isso. Precisam aprender a confiar uns nos outros, a ter mais transparência e superar a corrupção. Pois isso ameaça a eficiência do seu serviço público. Mas precisam de bons negócios limpos entre o setor público e o privado e todos os países do mundo estão indo nesse sentido agora.

OP - Sem corrupção, certamente.

Mark Britnell: Sabe, tem países na África com problemas grandes como os daqui (do Brasil). Mas sim, confiança é importante, transparência é importante para confiança. Mas eu acredito que vocês precisam forjar novos relacionamentos nos setores público e privado. No momento, há uma separação dos negócios. Isso precisa mudar. O Brasil é grande enquanto país, é cheio de beleza, de criatividade e precisa trazer essa beleza e criatividade para os seus negócios e não ser tão ideologicamente polarizado. Eu acho que uma ideologia te freia.

OP - uma solução clássica é fazer mais hospitais e contratar mais médicos, mas isso cria um custo de custeio e um custo atuarial.  Não é velho seguir esta fórmula?

Mark Britnell: Médicos e hospitais nunca vão se tornar obsoletos. Mas fingir que eu posso resolver os problemas da sociedade moderna com as doenças do século 21 é errado. E vocês tem no Brasil um sistema hospital centrado nos equipamentos privados e planos privados, com a forma de pagamento pela taxa de serviço, com retorno pelo volume e não pela qualidade. Na saúde pública, os políticos acham que o poder e a resposta estão em construir hospitais. A resposta é inteligência no serviço de atenção básica e serviço de comunidade, com tecnologia. Este é o caminho que os países desenvolvidos estão seguindo. Mas eu acho que é uma oportunidade para o Brasil. Nós sabemos que vocês não têm médicos suficientes, esse é o argumento usado para no programa Mais Médicos, para trazer os profissionais cubanos. Nunca haverá médicos suficientes. Então você pode ignorar uma geração de pensamentos saudáveis e isso significa quanto mais hospitais integrados com as tecnologias, com a saúde básica integrada com a nuvem, e a nuvem tem que estar integrada com o celular do paciente. Esse é o sistema desenvolvido em várias partes do mundo. Eu não falaria que é uma benção se você não tiver uma grande plataforma para a saúde básica. Há 15 anos que o outro lado do mundo tenta e eu acho que foi um erro.  Eu estava em São Paulo e três milhões de pessoas saindo do plano de saúde. A inflação médica muito alta, com dois dígitos. É uma situação muito louca. E nenhum serviço está andando bem. Por isso você tem que mudar como os hospitais privados trabalham, o modo de pagamento por taxa. Você tem que ter uma maior colaboração e participação da saúde pública. Existe um terceiro caminho, um caminho do meio.

OP - Qual o potencial comercial da saúde no Brasil?

Mark Britnell: A área provavelmente gasta US$ 9 trilhões por ano em cuidados com a saúde. É a segunda maior indústria depois agricultura, no planeta. Globalmente, está crescendo a uma taxa composta de 6% ao ano. É uma indústria enorme. KPMG é uma empresa global, nós operamos em 21 diferentes setores. Saúde é um dos nossos setores mais importantes, é uma das nossas quatro maiores prioridades. Nós ajudamos governos, hospitais públicos e privados, ao redor de todo o mundo, melhorando a eficiência de operações, levando técnicas de modernas de gerenciamento e modelagem, tais quais "lean" e "seis sigma", até a criação de novas parcerias entre público e o privado.Temos construído hospitais, centros de saúde, desenvolvendo parcerias com empresas de telecomunicação para a saúde. Nós oferecemos sistemas universais de saúde. Conversei com o prefeito (Roberto Cláudio) sobre um sistema que implementamos no Caribe. Temos construído muitos dispositivos e então há oportunidades. Infelizmente, nenhum país do mundo tem todos os meios e capacidade de gerenciamento para vencer os desafios dos cuidados com a saúde que se mostram hoje ou amanhã. O prefeito está buscando por novas ideias e você não consegue encontrar novas ideias a menos que se conecte globalmente.

OP - O que o Brasil tem a ensinar ao mundo, apesar dos problemas: PSF, SUS, Mais Médicos? O PSF, aliás, nasceu aqui no Ceará.

Mark Britnell: Sim, cobre uma média boa da população. Honestamente, tem muitos lugares no mundo, especialmente na África, que se inspiraram no PSF. Eu acho que é um modo bem lançado e acho que deviam investir mais no PSF.

OP - O que KPMG vende para a saúde?

Mark Britnell: A gente divide globalmente em seis posições de valor. Então tem uma posição de valor dedicada à transparência, dados, auditoria, governança clínica e governança de forma geral. Segunda é dedicada parte financeira e custeio de saúde. Terceira para saúde e soluções digitais que transformam a área. A quarta que trabalha transformação do modelo de remuneração de ponto pagador e prestação de serviço, o assunto mais discutido no Brasil hoje em saúde, sem dúvida nenhuma. Hoje, quando a fonte pagadora remunera o hospital, ela remunera por volume. Quanto mais você faz, mais você ganha. Isso está mudando no mundo e o Brasil está começando a mudar agora. Em vez de mudar por operação, vai remunerar pelo desfecho que você tem com aquele paciente. Você gerou valor para aquele paciente e se sim, vou te remunerar com base nisso, então isso faz com que você não estimule o sistema a operar por volume e sim por qualidade. A última que a gente chama de redesenho do sistema de saúde é justamente entrar no sistema público ou privado, entender as situações, trazer novas ideias que estão ligadas a tecnologia ou eficiência para transformar como aquele serviço é prestado atualmente.

OP - E a empresa atua tanto em países de renda mais baixa quanto em países desenvolvidos?

Mark Britnell: Estamos em 150 países, com uma prática de saúde de mais de 50.

OP - Qual o crescimento esperado para a KPMG globalmente e para o Brasil?

Mark Britnell: Globalmente nós temos alcançado um crescimento de 15%. Somos um empreendimento bem sucedido no mundo. E obviamente temos uma boa rede de contatos, temos times dedicados de saúde em 45 países e toda KPMG opera em 156 países. Um novo relatório vai ser lançado no final de novembro.

OP - Mais dinheiro não resolve, eficiência sim.

Mark Britnell: Sim. O que veio primeiro, a galinha ou o ovo? Honestamente, eu acho que precisamos de inovação, que requer investimento para inovar. Logico, nós falamos muito isso com o prefeito, de onde esse dinheiro vem parai investir. Se você tiver mais acordo entre o público e o privado, investimentos de longo prazo, você tem que olhar para a ineficiência, por exemplo, na cadeia de suprimentos, ou olhar a ineficiência em termos de corrupções. Temos de encontrar a ineficiência tornar isso um valor.

 

 

MARK BRITNELL

CHAIRMAN DA PRÁTICA GLOBAL DE SAÚDE DA KPMG

 

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