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“Quando comecei isso, não sabia aonde me levaria”, narra o diretor Bryan Fogel no início do filme Ícaro (2017), que retrata um dos maiores escândalos de doping no esporte. O filme, disponível na Netflix, é um dos indicados ao Oscar na categoria de Melhor Documentário, premiação que será realizada no próximo domingo.
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Jornalista e ciclista amador havia 28 anos, o norte-americano Fogel tinha a intenção de servir como cobaia de um programa de dopagem desenvolvido por especialistas para provar que é possível se dopar, competir e não ser pego, numa tentativa de seguir os passos do ciclista Lance Armstrong, que confessou uso de substâncias proibidas.
A busca de Fogel o leva até Grigory Rodchenkov, diretor do laboratório anti-doping da Rússia. Os resultados desembocam em revelações assustadoras sobre o programa de dopagem de atletas russos para os Jogos de Inverno de Sochi (2014), em um inimaginável esquema que operava durante a competição com suposto apoio da KGB e teria o patrocínio do governo comandado por Vladimir Putin.
O filme, que inicialmente retrataria a experiência de auto-doping de Fogel, sofre uma drástica alteração no roteiro após um documentário alemão denunciar a participação de Grigory em um esquema de doping do atletismo russo. A partir disso, o foco da película é no controverso cientista.
O longa retrata os bastidores e a movimentação da época, como os avanços da investigação, a fuga de Grigory da Rússia e o exílio nos Estados Unidos, a colaboração à Justiça americana e a repercussão de matéria reveladora do The New York Times. O químico detalha a Fogel o esquema de doping dos atletas e denuncia Putin.
O escândalo tirou esportistas russos das Olimpíadas do Rio de Janeiro, e os atletas do país tiveram que competir nos Jogos de Inverno de PyeongChang (2018) sem a bandeira do seu país. Putin e a alta cúpula do governo negam todas as acusações.
O conteúdo de entrevistas do documentário mostra figuras influentes do sistema anti-doping mundial, que dão suporte às revelações de Grigory e tom explicativo desse universo.
São 110 minutos retratando uma história surpreendente, sem perder o ritmo, e apresentando de forma bastante didática uma trama complicada que mais parece ter saído de um roteiro ficcional de espionagem e conspiração política.
A trilha sonora do doc é impecável, dando clima de suspense do início ao fim.
O longa ainda traz referências do escritor George Orwell, em 1984, depoimentos de atletas dopados negando com veemência o uso de substâncias proibidas e ilustrações que se somam ao enredo, como mecanismos para construir, sugerir ou contrapor narrativas. As imagens de apoio são utilizadas com maestria para explicar o contexto do caso.
O material de Bryan Fogel, premiado no Festival de Sundance, coloca em xeque não só a Rússia, mas todo o cenário esportivo. A direção do norte-americano apresenta uma imagem manchada do esporte, num ambiente onde a dopagem de atletas é o caminho.
Será difícil a Rússia recuperar a imagem de jogo limpo.
O país sediará a Copa do Mundo 2018 sob suspeita. É o primeiro evento de repercussão mundial organizado após o escândalo em Sochi. Para piorar, Alexander Krushelnitsky foi pego no doping durante os Jogos Inverno neste mês e devolveu a medalha de bronze. Nada mais previsível.