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Eugênio Bucci. "É evidente que caminhamos para um jornalismo melhor"
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Eugênio Bucci. "É evidente que caminhamos para um jornalismo melhor"

Professor da Escola de Comunicação da USP diz que a imprensa precisará checar melhor os fatos para atender a uma demanda maior da sociedade por informação confiável
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Eugênio Bucci é professor titular na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), articulista do jornal O Estado de S. Paulo e colunista da revista Época. Entre outros livros, é autor de A forma bruta dos protestos, sobre as manifestações de 2013, que contribuíram para o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Foi presidente da Radiobrás (atualmente Empresa Brasil de Comunicação - EBC) durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.


O POVO - Como o senhor analisa essa avalanche de notícias falsas que circula na internet, as chamadas fake news?

Eugênio Bucci - A primeira coisa é separar melhor a ideia por trás desse conceito de fake news. A fake news não é apenas uma notícia falsa, pois notícias falsas aparecem também na imprensa convencional, desde que ela existe. Há erros de informação, imprecisões, distorções de enfoque que, muitas vezes, não correspondem aos fatos e que são publicadas como notícias normais na imprensa convencional. Nós estamos diante de um fenômeno diferente, que poderia ser traduzido em português, com mais precisão, como sugere o professor Carlos Eduardo Lins da Silva, como notícia fraudulenta. Nós estamos diante de uma usina de produção de notícias fraudulentas, com o propósito de fraudar os processos decisórios das democracias. É muito diferente, portanto, de um erro jornalístico, coisas que acontecem todo dia. Uma boa redação jornalística, quando comete um erro, procura se corrigir. Uma notícia fraudulenta é fabricada por alguma central ou algum grupo ou mesmo uma pessoa, que não age publicamente, de boa fé.

OP - A revista piauí publicou o ensaio de um sociólogo alemão, Wolfgang Streeck (“O retorno do recalcado”), atribuindo a invenção da fake news ao neoliberalismo. Segundo ele, ao não cumprir suas promessas de melhorar a vida das pessoas, os defensores do neoliberalismo começaram a inventar mentiras para se justificar. Quando seus adeptos notaram o tamanho do problema, passaram a exigir a checagem dos fatos. Isso implica que a imprensa convencional teria responsabilidade na disseminação das notícias falsas?

Eugênio Bucci - Não conheço o ensaio, mas, a partir desse resumo, posso fazer um comentário. Se o neoliberalismo tem culpa na propagação das notícias falsas, isso depende do que definimos como neoliberalismo. Sem dúvida nenhuma, a propagação das notícias fraudulentas é um sintoma de desajustes da sociedade capitalista contemporânea. Isso pode ser chamado de neoliberalismo ou pode ser chamado de sociedade do consumo, de sociedade do espetáculo. Teríamos várias lentes diferentes para olhar para isso. Mas, sem dúvida, é um sintoma de desajustes, contradições, iniquidades da sociedade contemporânea. É um sintoma de esgotamento de certas fórmulas da democracia. Ou seja, há uma crise da democracia claramente desnudada pelo sintoma das notícias fraudulentas. Mas eu tendo a ter uma certa cautela com explicações muito redutoras, eu não sei se é o caso desse artigo que você mencionou, que eu não li.


Do mesmo jeito que eu posso dizer que há uma responsabilidade do neoliberalismo nas notícias fraudulentas, eu também posso dizer que há uma responsabilidade da lógica do entretenimento: conteúdos cada vez mais produzidos e difundidos de acordo com a predileção emocional dos públicos. Do mesmo jeito que se fabrica um filme de ficção ou um programa de auditório para seduzir o público, os conteúdos jornalísticos cada vez mais são permeáveis a esse tipo de demanda. Cada vez mais o conteúdo jornalístico precisa ser emocionante, ser impactante. Precisa dialogar mais com a emoção do que com a razão. As notícias fraudulentas fazem exatamente assim, pegam o público pelo preconceito e pelo ódio, por canais emocionais.


OP - O sr. já foi chamado de “petista” e, por outra vista, como aliado da grande imprensa contra a esquerda. Como o sr. responde a isso, ou não responde?

Eugênio Bucci - Eu acho até que não me compete responder a isso. Mas isso acontece comigo todos os dias. As pessoas que atacam o que eu estou escrevendo ou falando, e que às vezes atacam à minha pessoa, me xingam de coisas diferentes, como “petista”, por exemplo. Em primeiro lugar eu não acho que petista é um xingamento. Eu fui militante do PT pelo menos até 1986, depois me afastei completamente da vida partidária. Depois quando o Lula foi eleito presidente em 2002, ele me convidou para ser presidente da Radiobrás, e eu aceitei o convite com muita honra. Outros me acusam de defender a grande imprensa, eu também não vejo nisso nenhuma ofensa. Eu defendo a imprensa; eu defendo a liberdade de imprensa. E sou também um grande crítico de muitos erros da imprensa. O que eu não aceito é a tentativa de amordaçar, ou de dirigir ou de submeter a imprensa a uma forma de governo ou a uma forma de doutrina política. Jamais aceitei isso na minha vida toda.

OP - Por que se fala mais na ética do jornalista e menos na ética das empresas de comunicação?

Eugênio Bucci - (É verdade) que falamos menos da ética das empresas do que da ética do jornalismo. A pergunta é: pode haver ética no jornalismo em uma empresa cujo dono desrespeita parâmetros éticos mais elementares? A resposta é não. E como fazemos com isso? Falamos muito que o jornalismo precisa ser independente, e é verdade. Mas o jornalismo pode se independente dos interesses comerciais da empresa? No caso brasileiro, na imensa maioria das empresas, a resposta é não. Nós temos empresas jornalísticas no Brasil que publicam notícias que contrariam o interesse de seus próprios negócios, mas elas são excepcionais; não são a regra. Se nós queremos ter uma grande imprensa; se quisermos uma imprensa que seja valorizada pela totalidade da sociedade, nós precisamos enfrentar esses temas.

OP - Caminhamos para um jornalismo melhor ou pior?

Eugênio Bucci - Evidente que caminhamos para um jornalismo melhor. A imprensa está melhorando. Mas temos de ver a questão um pouco mais de longe e também mais a longo prazo. Se compararmos a imprensa brasileira com o que ela era nos anos 1950, nos anos 1960, fazendo intervalos temporais de décadas, em uma série, vamos ver que a imprensa brasileira hoje, é melhor do que ela era nos anos 1950 e nos anos 1970. Isso não elimina crises e não elimina desafios e percalços muito graves. O modelo de negócio do jornalismo entrou em colapso em todos os lugares e isso acarreta estragos de proporções globais, são coisas muito sérias, mas, à medida em que exista perspectiva para o desenvolvimento democrático, necessariamente há perspectiva de melhora para a imprensa. Se a democracia entra em colapso - o que não é uma hipótese totalmente descartável - a imprensa também viverá um desastre muito grave. Mas se há um campo para que a democracia prospere - e parece haver, por menos simples que pareçam as soluções - nós caminhamos para uma imprensa melhor, porque a sociedade vai demandar mais da imprensa e a imprensa vai ter que checar mais os fatos. Então, se vencer a liberdade, se vencer a democracia, do Estado de Direito; se vencerem as causas da inclusão, da justiça social, nós, por um caminho ou outro encontraremos soluções para que a imprensa seja melhor. Ela terá de ser.

 

O POVO online

Confira a íntegra em:

http://bit.ly/eugeniobucci

 

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