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Carnaval. O que a experiência do Carnaval de rua do Rio tem a dizer a Fortaleza
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Carnaval. O que a experiência do Carnaval de rua do Rio tem a dizer a Fortaleza

Rita Fernandes, presidente de associação de blocos de rua do Rio, dialoga sobre as transformações da festa carioca, que reúne 464 blocos e mais de 6 milhões de foliões
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Foi um transbordo tão grande de gente na ânsia por Pré-Carnaval, que o Bloco Glitter jogou a toalha: desistiu da folia antes mesmo do começo, pelos problemas que o amontoado desordenado de gente causou. Como o Glitter, agremiação que despontava como fenômeno e inovava na proposta, em Fortaleza, antes dele, outros como o Quem é de Bem Fica e o Sanatório Geral calçaram as justificativas para o fim no desequilíbrio entre o crescimento de público e o apoio do Município.


Com um Carnaval que se espalha por 45 dias, Rio de Janeiro comporta 464 blocos oficiais. As ruas da Cidade Maravilhosa se enchem com cerca de 6 milhões de foliões em 600 desfiles. “Blocos considerados de pequenos a médios juntam 50 mil pessoas. O maior, o Cordão do Bola Preta, junta 1,5 milhão de foliões”, estima Rita Fernandes, presidente da Associação Independente dos Blocos de Carnaval de Rua da Zona Sul, Santa Teresa e Centro da Cidade (Sebastiana), que congrega 12 blocos na capital carioca.


Para tentar entender como a cidade sempre lembrada quando se fala em Carnaval se organiza na rua, O POVO conversou com Rita. E ela revela: o binômio amor pelo Carnaval e estrutura logística bancada pela Prefeitura é o que mantém a alegria carnavalesca pulsante.

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O POVO - Em Fortaleza, temos blocos que encerram atividade por acabarem levando muitos foliões às ruas. Ou seja, terminam por fazerem sucesso demais. Eles justificam que falta estrutura do bloco e apoio do poder público. São justificativas que vocês enfrentaram em algum ponto da história, no Rio?

Rita Fernandes - Já, mas isso foi lá atrás, uns dez anos atrás. Quando o prefeito Eduardo Paes (PMDB) entrou na primeira gestão dele (em 2009), o Carnaval de rua estava muito grande e com muitos problemas, porque o gestor anterior (César Maia) nem olhava para o Carnaval de rua. Assim que ele (Paes) entrou, o pessoal da Secretaria do Turismo entrou em contato comigo, a gente sentou e fez um panorama de quais eram os problemas e os gargalos. Desde o começo da gestão, foi visto como a gente podia resolver. Foram oito anos muito importantes em que, primeiro, se abraçava a ideia do Carnaval de rua, se reconhecia e se valorizava; depois, se fez todo um desenho de planejamento em que se colocava bastante infraestrutura para nos atender. O que a gente pedia? Uma organização de trânsito maior, mais policiamento, mais desvio de trânsito. Ele colocou o órgão público para organizar desvios de vias, rotas alternativas e aumentou o contingente de segurança, de guardas municipais, colocou a Comlurb, o órgão de limpeza, para poder nos ajudar e fez um modelo de parceria público-privada para poder pagar uma parte dessa estrutura — que eram os banheiros químicos, organizadores de trânsito e grades para proteger o patrimônio. Então, se fazia uma licitação e entregava para uma produtora operar essa operação. O caminho foi o poder público entrar e apoiar, porque, nas cidades em que o poder público não apoia, os blocos não conseguem manter a estrutura funcionando. Não tem como.

OP - Então, poder público foi preponderante na manutenção desse Carnaval?

Rita - Foi fundamental. De começar a dar essa estrutura da Cidade. Os blocos, por sua vez, começaram a se organizar para ter mais estrutura própria. Um carro de som maior, mais ritmistas nas baterias, contratação de equipe de apoio para ajudar a fluir o desfile. Nessa conversa que a gente teve lá atrás, foram instituídas algumas regras que ajudavam também no fluxo da Cidade. Porque com 600 desfiles não dá para manter algumas acomodações. Então, se definiu o tempo máximo de um bloco: entre concentrar, desfilar e dispersar são seis horas. A gente foi começando a fazer um desenho conjunto, num diálogo entre bloco e gestão pública.

OP - É por conta dessa operação que blocos grandes conseguem estar na rua?

Rita - A gente tem uma questão aqui que não são os blocos grandes. É porque são 600 desfiles espalhados por todos os bairros da Cidade. É um nó que a Cidade dá. Não é só uma questão se é grande ou se é pequeno, é a quantidade de blocos e o fato de a gente não ter circuitos. O blocos saem em toda a Cidade. Essa operação ela é toda muito séria. A Prefeitura não entra só pra apoiar bloco que leva 1,5 milhão de pessoas pra rua.
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OP - Desses 464 blocos, quantos recebem algum financiamento público?

Rita - Ninguém recebe. Dinheiro mesmo para o bloco, ninguém recebe. Nem de Prefeitura, nem de Estado.

OP - E como os blocos conseguem se manter? Aqui, existe um edital e alguns blocos recebem verba para conseguir sair...

Rita - Essa é a nossa briga. Já que a gente é responsável por gerar R$ 3 bilhões para Cidade, a gente entende que a Cidade também tem de nos apoiar de alguma maneira. Nós somos obrigados a procurar patrocínio privado para que que a gente se financie. Mas a gente compete com a própria Prefeitura, porque, quando ela faz a licitação, ela traz pra ela as marcas que querem patrocinar o Carnaval, e a gente fica numa briga danada. Essa é uma parte do modelo que a gente ainda precisa ajustar, com um modelo de edital de financiamento que ela possa também ajudar os blocos, não só com a infraestrutura. Os grandes e médios conseguem patrocínio da iniciativa privada e os pequenos têm de vender camisas, festas, venda de cerveja, financiamento coletivo, amigos que ajudam, são muitos modelos.

 

OP - Você acredita que existe alguma peculiaridade na organização desses blocos que faz com que seja possível a manutenção mesmo quando o número de pessoas é maior do que o estimado?

Rita - Isso acontece direto. O bloco acha que vai sair com 10 mil e vêm 50 mil pessoas, vêm 80 mil. E ele se mantém. No ano seguinte ele melhora, ou não. É muito comum isso acontecer. Ninguém nunca deixou de desfilar aqui porque cresceu. Jamais. Pelo contrário. Não conheço os blocos de Fortaleza, mas não se deixa de desfilar porque cresce.

OP - Mesmo a estrutura ficando mais difícil e botar o bloco na rua ficando mais oneroso?

Rita - As pessoas no Rio fazem Carnaval porque amam o Carnaval. Os blocos como o Bola Preta, o Simpatia (É Quase Amor), a Banda de Ipanema são grupos carnavalescos que têm paixão total pelo Carnaval, e vão continuar fazendo, seja lá da forma que for. Não está atrelado a um modelo que tem de dar certo. Não tem nada disso. As pessoas vão fazendo e vão encarando o desafio. Carnaval no Rio é muito visceral, é muito ligado a uma paixão. São 300 mil pessoas nos dois desfiles do Simpatia. Ninguém é profissional de Carnaval: são cineastas, jornalistas, médicos. É um Carnaval muito aberto, muito democrático, com a cara dos lugares. O Bloco de Ipanema tem uma cara, o do Centro tem outra, o de Santa Tereza tem outra. São blocos com muitíssima identidade. Têm uma relação com seus bairros, com seus territórios. Tanto que a gente não tem circuito e não tem roteiro, e não vai ter nunca, porque o bloco é ligado a onde ele nasce. É um Carnaval de amigos, de vizinhança, mesmo quando ele fica muito grande.

OP - Os blocos de rua do Rio têm agora uma nova questão posta aí que é a transferência de alguns deles para uma arena na Barra da Tijuca…

Rita - Não, não é transferência, vamos colocar a coisa no lugar certo. Eles (a Prefeitura) criaram um espaço que estão oferecendo para que alguns blocos se apresentem lá. Eles não estão transferindo nada. Eles anunciaram isso ontem (quinta-feira, 11). Se fosse uma transferência, todos seriam contra. Porque não é um Carnaval que se resuma a um lugar, a um circuito. Blocos que quiserem vão tocar também nessa arena. Nós da Sebastiana não vamos, porque entendemos que isso abre um precedente para um Carnaval que não tem a cara do Rio. Mas, como um lugar de shows, a gente não tem nada contra. Como lugar de Carnaval não tem sentido. Desde que essa ideia não tire o Carnaval da rua, pra gente tá tudo bem.

 

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