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Dois dedos de prosa com Pedro Rocha
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Dois dedos de prosa com Pedro Rocha

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O jornalista, produtor, roteirista e diretor está em cartaz com o longa Corpo Delito, que integrou a 20ª Mostra de Cinema de Tiradentes.

 

Pedro trabalhou em uma série de documentários jornalísticos sobre direitos humanos, o que o inspirou no novo filme, distribuído pela Vitrine Petrobras. Corpo Delito acompanha o cotidiano de Ivan Silva, um homem em liberdade condicional, que circula com tornozeleira eletrônica. Em conversa com O POVO, Pedro destacou a necessidade de falar sobre direitos humanos, sobre o papel do Estado e pessoas sem oportunidades de autodefesa, que sofrem no sistema carcerário.


“A liberdade não tem muito que se discutir”


O POVO
- Qual a origem de Corpo Delito?


Pedro Rocha
- Ele surgiu da ideia de construir e tentar contrapor a imagem que os programas televisivos fazem dos acusados de algum crime, muitas vezes antes de serem condenados. Um estudo apresentou que, em Fortaleza, temos sete horas diárias de programas policiais, os mesmos que condenam antes de qualquer julgamento, propagam o discurso de ódio e pedem a morte dessas pessoas. Isso tem sido um problema grave no Brasil, o que tem gerado revolta e genocídio, principalmente nos jovens pretos de periferia. O número de homicídios é um absurdo comparado com outros números da sociedade. O pior ainda acontece quando os apresentadores conquistam espaço nas Câmaras dos Vereadores e incentivam essa chacina diária. Nesse caso, o filme surge para retratar uma pessoa que cometeu um crime, pagou por isso e está saindo da cadeia. Abrimos pesquisa de personagem e encontramos o Ivan Silva.

O POVO
- Como foi o processo de gravação, levando em conta que se trata de um personagem real?


Pedro - Foi um processo constante de negociação. Teve tensão desde o início, é claro. O Ivan não me conhecia. E, além disso, eu sou de outro mundo, já que sou filho de classe média, criado com educação e segurança. Já o Ivan veio de comunidade. Obviamente, ele teve desconfiança, apesar de sua curiosidade. Foi uma experiência e tanto para ambos. Descobrimos novos universos com esse projeto.

O POVO - De que forma o filme reflete e traduz os problemas do atual sistema penal e carcerário do País?


Pedro - Tem um problema bem básico na nossa sociedade, que, aparentemente, não tem previsão para se resolver. Isso se chama indiferença, falta de empatia. As pessoas preferem apontar antes de qualquer julgamento justo. Isso ainda reflete de forma bem patente na legislatura, na formação das leis criminais do País, que desconhece os problemas sociais que atravessam essas comunidades e pessoas. O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo. Tem que se discutir algumas leis de segurança, de legalização das drogas e, principalmente, escutar essa população mais afetada pelo Estado.

O POVO - Como o personagem enxerga as noções de liberdade depois da experiência da prisão e do filme?


Pedro
- A liberdade não tem muito que se discutir. Todo mundo quer sua liberdade. Uma das coisas mais importantes do ser humano é o seu desejo de ser livre. Principalmente para o Ivan, que desde sua adolescência passou pelo cárcere, quase 10 anos na cadeia. E, no meu caso, a liberdade que eu gostaria de ter é a de viver em uma cidade sem medo. Isso está cada vez mais improvável.

O POVO - Seu filme teve uma boa veiculação nacional por meio do Vitrine Petrobras. O Ivan sabe da repercussão da própria história?


Pedro - Ele sabe sim. Viajamos para São Paulo e Rio de Janeiro na semana passada para debatermos o filme juntos. É estranho para ele esse espaço com pessoas que são de outro mundo. Ele comenta, inclusive, que eu o levei para um lugar diferente, onde todos são cidadãos, e ele não, já que as pessoas o consomem agora. Por causa disso, ele está evitando exposição. Mas foram ótimas experiências, todas interessantes. Trocar vivências diferentes, compartilhar visões de mundo com os espectadores do filme e observar o Ivan vivendo isso é algo que foi excelente para mim.

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