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Dois dedos de prosa com Sergio Arno
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Dois dedos de prosa com Sergio Arno

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Sergio Arno.
O cozinheiro responsável por criar a rede de restaurantes La Pasta Gialla, com duas unidades em Fortaleza, uma no Pátio Dom Luis e outra no shopping Iguatemi, presume um futuro de retorno à cozinha simples e “de casa”, como na época das avós. Comida saudável e feita a partir de receitas antigas. Para o chef, que veio à Cidade comemorar seus 30 anos de gastronomia e 18 restaurantes pelo Brasil, veremos muitas mudanças no comportamento do consumidor gastronômico brasileiro. Com agronomia e pecuária em avanço quanto à pesquisa de novos produtos, o Brasil deve passar por uma grande transformação nos próximos anos. Para uma comida livre de agrotóxicos e mais pratos elaborados com produtos made in Brazil.
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O POVO - O que mudou na gastronomia, da abertura do seu primeiro restaurante, o La Vecchia Cucina, até aqui?
 

Sergio - Tudo. Posso dizer que, quando abri o La Vecchia Cucina, em 1987, não existia nada importado ainda. Tudo era proibido. Talvez quem viajasse soubesse um pouquinho mais. Com a abertura de importações de comidas, começaram a chegar mais coisas, a gente começou a mudar. E aí, acho que o brasileiro começou também naquela época a aprender a comer melhor. Foi da água para o vinho. Tínhamos risoto que era arroz cozido misturado com ervilha de lata. E frango desfiado. Não existia nem interesse em ter cultura gastronômica. As pessoas comiam o que ia pra mesa. Pronto e acabou. Hoje, as pessoas entendem muito mais de tudo. Se naquela época eu mandasse [à mesa] um risoto como se faz hoje, o arroz bem molhado, bem empapado, o grão al dente, as pessoas devolviam e falavam que não era risoto. Risoto era aquele arroz soltinho. Hoje, se eu mandar aquele risoto seco e “passado”, a pessoa devolve e diz que não tá bom.

OP - Essa febre de chefs na TV tem impactado de que forma na gastronomia brasileira? O que acha dos chefs celebridades?
 

Sergio - Tá uma onda de fazer programas de televisão com chefs. Que nem são chefs na realidade. Diria que 90% das pessoas que estão na TV não sabem nem cozinhar. Mas a mídia é muito atrativa. Quem não quer aparecer? É muito mais pessoal para eles [chefs]: “Tá vendo, você me viu na televisão? Eu sou famoso”. Dos que eu vejo aí, 10% sabem cozinhar. O resto não sabe nada, de nada, de nada.

OP - Como você vê a utilização de produtos brasileiros na cozinha. Exploramos bem esses produtos?
 

Sergio - Aqui se tem quase tudo. Tem coisas que não dá pra fazer aqui. Como o presunto cru espanhol [presunto de pata negra]. Primeiro que não temos o porco preto. Não temos a belotta [fruto do carvalho], que é o que ele come, então não dá. Ao mesmo tempo, tem muita coisa que não tinha e hoje tem. No interior de São Paulo, próximo a Minas Gerais, na divisa de Itajubá, Maria da Fé, já tem uma grande plantação de olivas. Já têm azeites dignos de prêmio. A agricultura e a pecuária estão bem avançadas. Já tem muita coisa que não tinha. Já tem gado de raças diferenciadas.

OP - O que você imagina daqui a dez anos? Qual deve ser o perfil do consumidor gastronômico?
 

Sergio - Com certeza o que já tem na Europa. Receitas antigas serão revividas. A agricultura vai voltar a ser como era antigamente. Arado de madeira, só com bosta de galinha. Não vai ter mais químico nenhum. Os vinhos já estão mudando as terras. Para você ter um certificado de biodinâmico, que é mais que orgânico, você tem que mudar a sua terra. Não adianta você não pulverizar a sua planta com agrotóxico se a terra já está cheia de agrotóxico. O efeito vai ser o mesmo: negativo. Existe uma empresa certificadora de biodinâmicos na Europa. Não é uma empresa francesa nem italiana nem espanhola. Ela é neutra, certifica seus produtos, manda técnicos, químicos, físicos, para ver se o seu produto é mesmo totalmente biodinâmico, livre de agrotóxico. Acho que a tendência será essa. As pessoas estão querendo comer de novo melhor, valorizar o que antigamente as pessoas deixaram. A avó fazia o frango. Depois, a Sadia lançou o frango em pacotinho. Todo mundo largou a avó e foi comprar o frango em pacotinho porque era mais prático. Todo mundo largou a roça e veio para a cidade. A modernidade trouxe praticidade para a vida, mas piorou a alimentação. As pessoas vão voltar a comer como comiam antigamente, naturalmente, melhor, mais bem feito, sem química nenhuma.
 

Por Adailma Mendes
Editora-executiva das Revistas O POVO

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