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Confronto das ideias. Revogar o Estatuto do Desarmamento ajudaria a reduzir a violência?
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Confronto das ideias. Revogar o Estatuto do Desarmamento ajudaria a reduzir a violência?

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Tipo Notícia Por

 

SIM

Fabricio Rebelo

rebelo@cepedes.com.br

Pesquisador em Segurança Pública, Coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança e autor do livro Articulando em Segurança: contrapontos ao desarmamento civil

 

Poucos assuntos são debatidos no Brasil de forma tão ideológica quanto a regulamentação de armas de fogo. Propositalmente ou não, as discussões sobre o desarmamento parecem apenas buscar fortalecer convicções previamente firmadas, pouco importando que elas não se alinhem à realidade. Não raro, toda a abordagem sobre a segurança pública é simplificada nesse tema, como se fosse isso a definir, exclusivamente, se os índices criminais serão melhores ou piores.


Projetar sobre as armas de fogo o destino da segurança pública, contudo, é um erro. Não são elas a determinar, sozinhas, se teremos mais ou menos mortos. Há todo um conjunto de fatores sociais que influenciam esse quadro, desde contingências econômicas até — e principalmente — a eficácia do sistema jurídico-penal. E as armas, nessa equação, tanto podem ser usadas para atacar quanto para defender, exatamente como as que equipam aqueles incumbidos da defesa da nação e da sociedade — Forças Armadas, polícias, guardas municipais, agentes de segurança privada etc.


É fato que, na dinâmica da segurança, as armas atraem atenção especial. Afinal, é com elas que mais se mata no Brasil. Porém, a análise das restrições ao seu acesso há de ser feita com técnica, fundada em resultados, e não de modo intuitivo.


Nesse sentido, os indicadores criminais brasileiros são claros quanto aos efeitos do Estatuto do Desarmamento. Sob sua vigência, as armas de fogo, na média, estiveram presentes em 71% dos assassinatos; antes dele, esse percentual era de 63%. As mortes com arma de fogo crescem hoje muito acima do total de homicídios (45,53% x 29,31%), e nunca se teve registros tão numerosos de arrastões, o crime que mais reflete a fragilização social e o destemor dos bandidos quanto a uma reação.


Portanto, mesmo sem poder resumir a discussão apenas às armas, a compreensão técnica a seu respeito é clara: retirá-las do cidadão foi um enorme erro, pois o que dele se retirou foi a chance de se proteger, sem em nada afetar os criminosos.

 

NÃO


Renato Roseno

renato.roseno@al.ce.gov.br

Deputado estadual (Psol-CE) e relator do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência

 

O medo, sabemos, é um péssimo conselheiro. No Brasil de nossos dias, apavorado pela insegurança urbana, o medo, habilmente manobrado nos discursos dos que ganham muito com o pânico coletivo, está virando, perigosamente, legislador e formulador de políticas públicas.


É o caso dos esforços recentes da chamada “bancada da bala” e seus entusiastas em revogar o estatuto do desarmamento. A intenção é vender à população a ideia de que a licença para o porte de armas é uma grande panaceia contra a insegurança, quando, na verdade, a experiência internacional e mesmo as recentes estatísticas brasileiras comprovam que mais armas de fogo circulando implicam em mais mortes e mais sofrimento para a população.


Para refletir sobre o trágico caso de Goiânia, precisamos enfrentar questões que se cruzam nos campos da pedagogia, da psicologia e da cultura — temos de pensar, por exemplo, na forma como certas narrativas violentas, tão propagadas pela extrema direita, impactam a subjetividade da juventude. Entretanto, se quisermos compreender o episódio no campo estrito da segurança pública, o debate sobre o acesso às armas ocupa um lugar central.


De acordo com o “Mapa da Violência 2016: homicídios por armas de fogo no Brasil”, entre 1980 e 2003, o crescimento das mortes por armas se deu a uma taxa de 8,1% ao ano. Após o estatuto, o ritmo caiu para 2,2% ao ano. Segundo o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), o cidadão que possui arma de fogo corre um risco 56% superior de ser morto numa situação de roubo. Já o Instituto Sou da Paz mostra que apenas uma reação em 34 casos de ataque armado tem sucesso.


São, portanto, estatísticas que desconstroem o discurso de defesa dos “cidadãos de bem” em face dos bandidos. Por outro lado, são números que não agradam a poderosa indústria armamentista brasileira e os parlamentares por ela financiados. Nos últimos dez anos, o Brasil exportou quase U$ 3 bilhões em armas e munições. Somente em 2015, foram mais de U$ 364 milhões em armas – cerca de um milhão por dia.


Resta saber em nome de quem falam os defensores da revogação do estatuto. Da população, nos parece que não é.

 

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