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A guerra perdida
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A guerra perdida

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Tipo Notícia

Emerson Castelo Branco, defensor público

Estudos e pesquisas indicam que a “guerra às drogas” como política de repressão penal é uma guerra perdida. O Estado, durante décadas, vem andando em círculo com a visão do aprisionamento de traficantes. Existe uma crença de isso inibe o tráfico ilícito de drogas. Ideia falsa. Nunca se prendeu tanto, ao mesmo tempo em que nunca se vendeu tanto drogas. Enquanto existir o mercado de consumo, existirá o traficante. Nem países com altíssimo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) conseguiram vencer o consumo de drogas, quanto mais o Brasil.


A própria política de repressão penal está equivocada. Quase todos os traficantes presos são denominados “peixes pequenos”. Aumenta cada vez mais a figura do usuário traficante. São pessoas que têm dívidas com traficantes e precisam traficar para pagar. São facilmente cooptadas para o tráfico, facilmente são presas e facilmente são substituídas por outras pessoas. Enquanto isso, os grandes chefes da distribuição de drogas, das rotas do narcotráfico, seguem quase intocáveis. Se é para existir repressão penal, se há quem acredite nesse caminho, pelo menos deveriam buscá-lo da forma mais eficiente.


Esta política de aprisionamento não diminui a incidência do crime. Inclusive, milhares de pessoas inseridas na criminalidade não temem a prisão. No fundo, sabem que algum dia serão presas. Na prisão, a realidade é ócio e droga. Quem conhecia o mundo das drogas fora da prisão, não verá algo muito diferente dentro dos presídios. Depois de cumprida a pena, retornam para os antigos círculos de criminalidade.


A “guerra às drogas” somada à ausência de políticas públicas efetivas causou o colapso do Ceará, com milhares assassinatos direta ou indiretamente motivados por questões relacionadas ao tráfico. Hoje, existe um fenômeno novo: as facções criminosas. Há mais de 10 anos, quando se formavam e se infiltravam na parte pobre das cidades, eram menosprezadas. E, há cinco anos, sequer eram reconhecidas pelo Estado.


A força das facções está nessa política de segurança míope de resolver o problema da criminalidade com o aprisionamento em massa. Presídios superlotados representam mais força para as facções. Quem não é batizado lá fora, será batizado lá dentro para sobreviver. A facção criminosa é a união do crime para uma sobrevivência comum.


Em razão das facções, a Cidade está dividida entre a parte “Síria” e a parte “Miami Beach”. Às vezes, Miami Beach é atingida, mas a Síria tem a violência no seu cotidiano. Na Defensoria Pública, lidamos com familiares de pessoas assassinadas e ameaçadas. Estabeleceu-se uma “justiça subterrânea” do crime, com processo e análise antes de a pessoa vir a ter sua morte decretada. Existe um “mundo” inalcançável pela justiça.


E a solução? São muitas as soluções.


Primeiro, é preciso vencer essa ilusão coletiva de que a diminuição da violência e da criminalidade poderiam ser resolvidas por meio da justiça penal e do aprisionamento em massa das pessoas.


Segundo, as drogas devem ser encaradas como problema de saúde pública. O álcool é uma droga lícita, gera dependência física e psíquica, nem por isso incide o Direito Penal e a justiça penal. Se fosse proibido, as pessoas continuariam a consumir álcool, talvez até mais. E a repressão penal teria o efeito de promover a violência. Com as atuais drogas ilícitas não é diferente, a “guerra às drogas” termina sendo pior do que o próprio efeito que as drogas produzem nos seus dependentes.


Terceiro, é preciso mapear os círculos de criminalidade e identificar os motivos determinantes de cada um. E investir no desenvolvimento humano das pessoas nesses locais, melhorando as oportunidades, garantindo políticas sociais efetivas e, principalmente, ter um olhar especial nas crianças e nos adolescentes, um olhar especial naquelas pessoas vulneráveis, que não romperam os limites éticos determinantes que lhes impedem de cometer crimes, mas que, logo mais, romperão. E, depois de rompidos os limites éticos, ingressando em círculos de criminalidade, tudo se torna mais difícil. Esse é o maior desafio: prevenção.

 

 

 

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