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Agricultura urbana. Plantio e colheita transformam casas em pedaços de sertão
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Agricultura urbana. Plantio e colheita transformam casas em pedaços de sertão

Cotidiano: Uma prática sertaneja tem espaço nas casas e nos apartamentos de Fortaleza: plantar e colher o próprio alimento. O cultivo orgânico na Cidade também tem sido um caminho de memórias e de reencontro com a natureza
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[FOTO1] Do quintal às janelas, passando por varandas e corredores, em se plantando, tudo dá. Frutas, hortaliças, temperos, espécies medicinais ou aromáticas e plantas ornamentais ocupam os espaços cotidianos em plena cidade grande. O cultivo urbano traz o sertão para dentro de casa e da vida apressada, ao mesmo tempo em que restabelece o elo perdido entre homem, natureza e tempo. [SAIBAMAIS] 

“É um universo tão rico de possibilidades... Você resgata coisas dos avós, dos pais”, aponta Delano Cardoso Lima, 36 anos, geógrafo e professor da rede pública de ensino. Natural de Mombaça (a 302 quilômetros de Fortaleza), o novo contato com a terra lhe faz voltar até a casa da avó e resgatar “hábitos mais saudáveis... É uma filosofia de vida: aprende a comer coisas mais saudáveis, procura conviver com a natureza. A gente cultiva coisa que nem come, mas só porque aquela planta tem uma função, de repelir um inseto”. [FOTO2] 

Delano iniciou uma plantação, no quintal (um dos poucos restantes no bairro Jardim América), há cerca de quatro anos. Aprendeu sobre compostagem e mandala (técnicas da agricultura orgânica), e, hoje, colhe até morango. “O princípio é, justamente, essa quebra da questão do urbano não ter o verde, o produtivo; o urbano é o concreto. É você aproveitar os mínimos detalhes: plantar em PET, telha, bacia. Já colhi batata, banana, temperos”, contrapõe. Convivências  

Outras 15, 20 pessoas se juntaram ao professor no Grupo Agroecologia Urbana Ceará, criado no WhatsApp, e na página Quintais e Jardins Agroecológicos de Fortaleza, do Facebook. A união faz o conhecimento: de costas para o campo, a Capital não tem incentivos ou informações suficientes para a prática da agricultura urbana, demandam os participantes. É nos grupos que se trocam sementes e aprendizados. “Na agroecologia, é muito difundida a experiência. As pessoas resgatam: a minha avó fazia isso, minha tia fazia isso”, destaca Delano.  

De memória em memória, a convivência com a natureza se refaz no presente. O empresário Vítor de Lima Barroso, 38 anos, nasceu em Salvador, mas guarda as férias que passava na região de Itapipoca e Uruburetama, raízes cearenses do pai. Lembra-se bem “de subir na árvore, comer azeitona, tirar uma jaca” tanto quanto das experiências escolares de fazer brotar um pé de feijão em um único grão. “A mãe natureza tinha esse poder de se recriar e multiplicar as coisas. Isso me encantou muito”, une.  

Assim, quando saiu da casa dos pais, levou a vontade de plantar: “Sempre morei em lugares que pude ter uma árvore no quintal”, escolhe. Vítor plantou até no corredor de casa e, de caixas e jarros, colheu, inclusive, melancia. “Existem plantas que convivem com você em qualquer espaço”, diz. Dessa forma, ele cultiva, em uma casa no Papicu, alho-poró, romã, babosa, salsa, tomates, capim-santo, gengibre, além de uma laranjeira vizinha cujos galhos ultrapassam o muro e lhe oferecem os frutos. “Gosto muito de cuidar das plantas e, na verdade, elas cuidam de mim também... É curativo trabalhar com isso”, sente. Pequenos prazeres  

Além de colher o alimento de cada dia, mudando a qualidade do consumo, uma pequena plantação particular pode significar prazeres imensuráveis. O arquiteto Ruan Albuquerque, 27 anos, tomou gosto por plantas ornamentais e encheu de verde o apartamento de 55 metros quadrados, no bairro Conjunto Esperança.  

A síndica reclama porque a rega molha os apartamentos abaixo, mas Ruan promete ir “dando um jeito” e planeja colocar uma treliça, entre a cozinha e a área de serviço, para suporte de jarros e novos cultivos — como temperos. “Vou adaptando o espaço ao que quero. Tenho babosa, costela-de-Adão, samambaia na janela, que é um clássico! Cactos, suculentas, xique-xique, espada-de-São-Jorge”, enumera. 

“Tudo a gente pode comprar, mas eu tenho prazer em cultivar, em ver crescer. É na minha casa, eu posso estar pegando a qualquer hora”, engrandece. Simples assim, como foi outra vez. “Fui criado pelos meus avós e, quando morava com eles, numa casa grande, antiga, gostava de plantar”, restaura o arquiteto. “E plantei, na casa da minha avó, no Conjunto Esperança, um pé de acerola (há mais de dez anos). Acabei de vir de lá e trouxe um saco cheio de acerola! O que eu não posso plantar aqui, vou deixando lá. Essa conexão sempre existiu”, restabelece.

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