Logo O POVO+
Violência. Torcedores têm passado dos limites
DOM

Violência. Torcedores têm passado dos limites

Cobrança extrapola arquibancada, invade sedes dos clubes, vestiários e chega até a casa de jogadores, sob ameaças, intimidações e agressões, configurando crime
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
NULL (Foto: )
Foto: NULL

[FOTO1]
A cobrança excessiva de torcedores diante de insucessos de atletas, técnicos e dirigentes que atuam no futebol cearense tem sido uma marca lamentável em 2017. Em oito meses de temporada, já foram registrados episódios de invasão de treinos, lançamento de bomba, ameaças aos profissionais e, ainda mais grave, agressão a jogadores.


Há duas semanas, um emblemático e ainda mais surpreendente fato extrapolou a relação torcida-clube-atleta e entrou na seara da segurança pública. Um grupo de torcedores foi até a casa do meio campista Everton, do Fortaleza, fazer cobranças. Junto da família, o atleta ouviu ameaças e intimidações.

[SAIBAMAIS]
“Os primeiros conflitos foram entre torcidas, mas não houve ação efetiva do poder o público. De dez anos para cá, a briga passou a ser entre torcedores do mesmo grupo e de novo nada foi feito. Então, eles se acostumaram com a ideia de que, com pressão, podem conseguir as coisas”, reflete o sociólogo, especializado na sociologia do esporte, e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Maurício Murad, que tem dois livros publicados sobre o tema violência no futebol.


Para Murad, o fato de um atleta ter sido agredido, verbal ou fisicamente, em sua casa, já é problema do Estado. “É uma questão de segurança pública. É um cidadão que está sendo ameaçado, agredido, e isso é crime. Esses torcedores devem ser presos e punidos até às últimas consequências”, avalia.


A psicóloga Tássia Ramos, especializada em esportes, concorda com o sociólogo e aponta que “o problema é a carência da nossa segurança pública e a descrença nela, que é cada vez maior”, diz.


Everton não registrou boletim de ocorrência. O comportamento foi o mesmo de Edimar, Adalberto e Wellington Reis, atletas do Fortaleza agredidos na saída do vestiário do estádio Presidente Vargas, após empate do Tricolor diante do Remo, por 1 a 1, no dia 16 de julho passado.


O comportamento deles não é isolado. Segundo o livro “Violência no Futebol; Novas pesquisas, novas ideias, novas propostas”, de Maurício Murad, somente 3% dos crimes cometidos no universo do futebol entre 2014 e 2016 foram punidos até as consequências finais. Um nível de impunidade altíssimo, que se reforça com a omissão de denúncias. O sociólogo prega que a conivência pode se tornar incentivo. “Se nada é feito, a tendência é que contamine uma parcela maior”.

Reflexo


Em fevereiro, o então técnico do Ceará, Gilmar Dal Pozzo, foi parado bruscamente por um grupo de torcedores no Aeroporto Pinto Martins.

“Peça para sair antes que piore para o seu lado”, intimidou um deles. O fato culminou na saída do técnico.


“São grupos minoritários, agressivos, violentos, que só pensam na opressão pela força física. Isso é um reflexo do Brasil. Hoje a bandidagem está solta e não há ação da polícia. As autoridades precisam mostrar os limites para eles”, defende Murad,.


A maneira de pensar dessas minorias extremamente agressivas, com atitudes que repercutem demais, é sintetizada por Tássia. “Como eles não têm outra alternativa de fazer intervenção no clube do jeito que querem, acham que a violência é o único caminho”, explica.


A psicóloga ressalta, porém, que a agressão ou ameaça “é uma motivação fadada ao fracasso, não é um mecanismo de resistência mental de aprendizagem ou apresenta potencial de crescimento psicológico diante de pressão”. 

 

Episódios


16/2 Gilmar Dal Pozzo, técnico do Ceará, desembarca no aeroporto e é ameaçado por torcedores

14/3 Cerca de 40 torcedores invadem o Pici e exigem conversa com jogadores e comissão técnica do Fortaleza

20/4 Após eliminação do Fortaleza no Campeonato Cearense, grupo de torcedores tenta invadir vestiários  


16/7 Atletas do Fortaleza são agredidos na saída do vestiário do PV após empate em 1 a 1 com o Remo

22/7 Muros da sede do Ceará são pichados e bomba é arremessada no estacionamento do local, com treino
em andamento

23/8 Grupo de torcedores vai até a casa de Everton e intimida atleta do Fortaleza perante a família dele 

O que você achou desse conteúdo?