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Debate. A Justiça, os psicólogos e a cura gay
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Debate. A Justiça, os psicólogos e a cura gay

Decisão liminar de juiz do Distrito Federal concedendo a psicólogos o direito de "promover estudos ou atendimento pertinente à (re)orientação sexual" acende debates sobre sexualidade e direitos
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Uma liminar concedida e um País inteiro envolto em debate de sexualidade, homofobia, gênero e liberdade. A decisão do juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, do Distrito Federal, que abre a possibilidade de psicólogos aplicarem tratamentos de reversão sexual em homossexuais, gerou uma onda de indignação. Obrigou o juiz a divulgar nota pública de esclarecimento em torno do processo.
Além das questões que envolvem o debate sobre gênero, os acontecimentos da última semana trazem à tona discussões, principalmente, sobre possibilidade de vida.


Assegurado pelo argumento da liberdade científica, um grupo de 23 psicólogos, liderado por Rozângela Alves Justino (que teve o registro cassado por aplicar tratamentos de mudança de orientação sexual em gays), conseguiu a reinterpretação da Resolução 001/1990 do Conselho Federal de Psicologia.


O texto da entidade se baseia em série de pesquisas e estabelece normas de atuação para psicólogos em relação às questões de gênero e homossexualidade. No entendimento do juiz, a resolução não deve “impedir os psicólogos de promover estudos ou atendimento, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual” para pessoas possivelmente interessadas em deixarem de ser gays.


Para a presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB-CE, Vanessa Venâncio, a decisão é contraditória. “Ao mesmo tempo em que decide manter a resolução, o juiz decide abrir exceções, porque se justifica que a proibição da reversão sexual estaria causando impacto na descoberta científica do País. Na verdade, é um retrocesso”, considera.


Para o psicanalista e professor da Universidade de Fortaleza (Unifor) Hugo Ramos Nogueira, o argumento de proibição da pesquisa não se sustenta para justificar os pseudotratamentos que fariam pessoas “deixarem” de ser gays. “Já foram feitas análises sobre esse suposto tratamento, que não tem eficácia e provoca malefícios, inclusive com ideação suicida. A psicologia estuda o tempo inteiro questões de gênero e sexualidade. Por isso não dá para alegar que o psicólogo não pode pesquisar”, diz. Ele considera que os tratamentos se utilizam de clichês para justificar o preconceito, a homofobia. “Não tem nada, de fato, ligado a uma compreensão maior da sexualidade e gênero”.


Há pouco menos de uma década, a Associação Americana de Psiquiatria — uma das mais respeitadas instituições de pesquisa — orientou que profissionais parassem de realizar terapias com a finalidade de alterar a orientação sexual considerando a ineficácia e a possibilidade de pessoas submetidas a esse tipo de terapia apresentarem depressão e tendências suicidas.

Repercussão


Em meio a memes, manifestações, campanhas e depoimentos emocionados de pessoas que, a muito custo, resistem ao preconceito e à homofobia, a decisão do juiz foi bastante criticada.


Os psicólogos que foram beneficiados com a liminar negaram que pensem em cura gay, afirmando que em nenhum momento consideraram homossexualidade “doença”. No entanto, matéria da Folha de São Paulo de 2009 mostra que a psicóloga Rozângela Alves Justino diz ter “curado centenas de pessoas”.


“Essa conversa que se propagou, se disseminou de que era cura gay, e que homossexualismo seria doença , isso é mentira”, afirmou ao O POVO Leonardo Loiola Cavalcanti, advogado de Rozângela. Mesmo negando a condição de doença, ao defender que “o paciente tem direito de buscar esse tratamento ou não”, usa expressões do contexto de saúde.


Dediane Sousa, 29, militante do movimento LGBTq há mais de dez anos, sente que a decisão legitima a negação de direitos. “Querer negar a minha sexualidade é negar o direito da minha existência, é negar o humano que sou, e isso vai muito mais além das relações afetivas, fala do que eu sou”, ensina.

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