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Renato Janine. Em busca da boa política
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Renato Janine. Em busca da boa política

Política: Filósofo, professor e ex-ministro da Educação do governo Dilma Rousseff, Renato Janine Ribeiro lança obra na qual discute as saídas para a democracia brasileira em tempo de crise l
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O filósofo Renato Janine Ribeiro viu de perto a débâcle do governo Dilma. Titular da pasta da Educação entre abril e setembro de 2015, deixou o Planalto antes da derrocada. Chegavam ao fim 13 anos de gestões petistas.
 

Habituado a refletir sobre a política no plano acadêmico, Janine experimentou o que considera uma atividade essencial – o exercício da política. Ali, colocou à prova crenças e ideais. Dessa passagem pelo governo, e também dos episódios que se seguiram ao controverso afastamento de Dilma Rousseff por um Congresso caudatário dos interesses do ex-deputado Eduardo Cunha, resultou um livro cujo objetivo é examinar de perto, por meio de ensaios, os gargalos mais estreitos da democracia brasileira.
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Em entrevista ao O POVO por telefone, Renato Janine fala sobre o recém-lançado A boa política (Cia. das Letras), uma procura determinada por resposta a nossos impasses. Confira os principais trechos da conversa:

O POVO – Seu livro mais recente trata da boa política. Como definiria essa prática á luz do Brasil de hoje?


Renato Janine Ribeiro – O que eu acho de boa política são dois conjuntos de pares. Um é democracia e república. Democracia vem de baixo, é a voz do povo, a vontade de ter mais coisas e ser mais importante do que era antes. Crescer. República é algo mais austero, é a responsabilidade de fazer com que todas essas políticas de alguma forma se coordenem e organizem. Então a democracia quer mais, vem de baixo, enquanto a república eventualmente quer menos, mas quer organizar as coisas. Há um certo conflito. O PT era tradicionalmente um partido muito democrático e o PSDB tinha um discurso mais republicano, mais da organização das coisas do que do acesso popular a elas.
 

OP – O senhor concorda que haja um desmonte gradual de políticas públicas típicas de uma social-democracia no Brasil de hoje?
 

Renato Janine – Socialismo é igualdade no ponto de chegada. Liberalismo é igualdade no ponto de partida. Então a sociedade brasileira precisa crescer muito para se tornar liberal. Nossos liberais são falsos liberais porque querem apenas tirar o Estado e deixar todo o restante da desigualdade funcionar. Ora, se você tem desigualdade de oportunidades, você tem o que quiser, mas liberalismo não é. É um tipo de conservadorismo, é um tipo de reacionarismo. No Brasil de hoje o que acontece é que nós temos uma perspectiva socialista fraca e uma perspectiva liberal fraca e temos um conservadorismo grande. As demandas populares, que vêm de baixo, que eu chamo de democracia, estão estancadas no atual governo. A preocupação com o bem comum também está estancada. Então estamos sem boa política no País.

OP – O senhor fala sobre a quarta agenda da democracia brasileira, que seria a da qualidade dos serviços públicos, mas nada hoje aponta para isso. Com a crise fiscal, há um desmonte de políticas do Estado. Como acredita que essa demanda não atendida pode se refletir? Em mais protestos como os de 2013?
 

Renato Janine – A primeira agenda do Brasil foi o fim da ditadura e a democratização de 1985. A segunda foi a estabilidade da moeda e o Plano Real, de 1994. E a terceira começa quando o Estado brasileiro, com Lula presidente, decide fazer políticas de inclusão social em massa, muito forte, prioritárias, e não apenas como de governo. A quarta agenda seria a qualidade dos serviços públicos. É uma agenda sobretudo municipal e estadual. Os protestos de junho de 2013 foram muito importantes nesse ponto. Mas, apesar de a culpa pela falha dos serviços ser muitas vezes municipal e dos estados, isso se voltou contra a presidente Dilma. Foi aí que entramos numa situação de grande risco, de ódio, e hoje estamos colocando em risco todas as agendas do País, inclusive as agendas anteriores.

OP – Num dos capítulos do livro, o senhor trata de como o PT viu esfarelar-se seu capital ético. E fala que, desde o início, lá em 2002, o foco do discurso do governo petista tinha se desviado da ética. Por que aceitou integrar o governo mesmo ciente de que esse discurso, que era também prática antes de chegar ao poder, tinha perdido centralidade?


Renato Janine – O PT perdeu sua imagem ética, mas discordo totalmente de que seja um partido antiético por definição. Acho que é um partido que continua tendo um propósito ético grande, o erro dele foi fazer governos apelando mais pro consumo do que pra ética. O PT deveria ter dito, a cada vez que uma pessoa passava a ter três refeições por dia, que isso era uma conquista ética e não apenas do consumo. E aceitei fazer parte desse governo porque acredito muito no papel da educação pra fazer crescer esse país. Sou um defensor intransigente da qualidade da educação e do acesso universal. Tudo isso batia perfeitamente com as políticas que os últimos governos constitucionais do Brasil conduziram.

OP – Mesmo depois do estopim da crise, durante a qual aumentou significativamente a distância entre representados e representantes em nossa democracia, há uma tendência de que as mudanças propostas no Congresso não levem em conta demandas reais por mais democracia. Como percebe essas medidas - reforma política, novas regras para eleições, privatizações - dentro desse cenário de instabilidade? 


Renato Janine – As medidas que estão sendo adotadas pelo Congresso estão em descompasso com o que a sociedade brasileira quer, com o que a sociedade brasileira precisa. Então, nós estamos vendo um governo sem legitimidade – tem legalidade, mas a legitimidade é muito duvidosa – mexendo em questões fundamentais, como o patrimônio público. Considero isso uma coisa terrível, como considero terrível a falta de reação da sociedade diante disso. É um recuo gigantesco que estamos tendo de um ano e meio pra cá, e eu não sei como nós vamos sair disso. O brasileiro está com dificuldade de assimilar isso, o que faz que com que o grupo menos popular que pode haver no Brasil, que é a equipe do presidente da República, esteja com as mãos totalmente soltas pra fazer o que quiser.

OP – Se o Congresso se afasta das demandas reais e o modelo de reforma discutido hoje cria dificuldade de maior participação popular, como enxerga saídas para a crise política e ética no Brasil?
 

Renato Janine – Essa é a pergunta mais difícil. O único jeito é a sociedade tomar o País em mãos. O lado positivo disso tudo que estamos vivendo é que muitas máscaras foram arrancadas ou caíram, muita gente perdeu a crença, ilusões. Talvez isso nos permita olhar mais o que há de horrível e ruim e elaborar uma saída. Por outro lado, continua uma posição muito passiva. As pessoas não estão agindo. As coisas estão muito mais graves eticamente do que no governo Dilma. Entretanto, as ruas estão vazias. Essa depressão, essa decepção, esse desapontamento tem que mudar. Somente quando a sociedade disser que não quer mais esse tipo de política, que não quer mais esse tipo de condução da coisa pública é isso que isso poderá mudar. E isso está nas mãos de todos nós. Infelizmente, não estamos fazendo o que deveríamos fazer.

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