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Bate-papo com o leitor. Reencontrar Belchior
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Bate-papo com o leitor. Reencontrar Belchior

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Domingo, Fortaleza. Num dia assim, recebíamos a notícia de que Belchior havia morrido. Tinha ido dormir sentindo dores e fora encontrado já sem vida. Três meses depois daquele 30 de abril, resta pouco do alvoroço que cercou sua despedida. A vida, como que repetindo uma das canções do compositor cearense, voltava aos eixos, com o mesmo passo sem graça, duas retas paralelas riscadas no chão pelos pneus de um carro. A solidão feito o som do motor, repercutindo no infinito das estradas nuas. Tudo na poética de Belchior acena para isso, o esquecimento, o fato bruto que se dilui até ir-se apagando da memória, um desimportar-se vagaroso consumido pelo dia a dia. Não com Belchior, não com suas músicas, não com sua vida. O poeta volta, agora na voz e nos gestos do também cearense Gero Camilo, num dos palcos mais bonitos da cidade, misto de cinema e teatro. Lugar feito para ver e ouvir. Belchior é revivido, por assim dizer, pelas canções de Alucinação, disco seminal, reencantado não com o pesar de quem se foi, mas com a alegria de quem reencontra e celebra o trajeto sem lamentar a chegada, dê ela onde der. Reencontrar Belchior no São Luiz é chegar-se a uma cidade que se afasta da gente, aproximar os que se foram e dizer aos que se distanciam que é hora de um novo abraço. Ouvir Belchior é refazer laços que se afrouxaram. Alucinar-se, ao pé da letra, significa enxergar o que não existe, tornar real o impossível. Talvez seja disso que precisemos agora, um tanto de desvario para encarar o aço cru da realidade.


Por Henrique Araújo

Editor-adjunto de Conjuntura

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