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Abuso sexual. "Silenciar, de jeito nenhum"
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Abuso sexual. "Silenciar, de jeito nenhum"

Padre e psiquiatra, Rino Bonvini indica caminhos terapêuticos e, absolutamente, humanos que podem favorecer a cura de traumas provocados por um abuso sexual. "Silenciar, de jeito nenhum", conduz
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As jovens que falaram ao O POVO imaginam que a história vivida por elas se reflete em muitas outras guardadas em silêncio. Falar sobre o abuso sexual é fundamental para descontinuar a prática, dialoga o padre e psiquiatra Rino Bonvini, reconhecido pelo trabalho realizado à frente do Movimento Saúde Mental Comunitária do Bom Jardim.

“Silenciar, de jeito nenhum” porque isso efetiva o abuso, ratifica.


E, quando o abuso sexual acontece em grupos religiosos, como no caso da Comunidade Católica Família em Missão, “essa coisa é mais grave porque mistura a doença com a religião, a espiritualidade”, pontua Rino Bonvini. “Aproveita de um espaço sagrado, que teria que ajudar a pessoa a evoluir espiritualmente e usa isso como uma rede, como forma de capturar, entende? Isso é o perverso dentro do perverso. Nesse caso é mais grave por isso: usa uma coisa sagrada para obter uma coisa
profana”, sublinha.


O psiquiatra reconhece que o assunto é difícil de ser exposto pela extensão de sua delicadeza: “Mexe com uma esfera do ser muito profunda”. “Quando isso acontece com crianças e adolescentes, entramos numa outra esfera bem mais patológica”, acrescenta. Além de cada individualidade afetada, tem-se o contexto social marcado pela influência da cultura judaico-cristã, sinaliza Rino Bonvini. A sexualidade é algo escondido sob a cultura.


Isso significa também que há o medo, o choque, a vergonha “que a pessoa vai experimentando. Tem a dimensão do não ser compreendido, do não acreditar”, traduz o psiquiatra. Há contextos muito particulares, ele distingue, mas alinhavados por um sentimento comum: “O medo de ficar calado é pelo julgamento, do que as pessoas podem dizer, de serem considerados como coniventes, cúmplices”.


Mas é imperativo ir contra o medo. “É muito importante saber que a criança ou o adolescente tem muita dificuldade (de dizer sobre o abuso) por questões que falamos antes: de ser julgada, de não ser acreditada”, ressalta Bonvini. Alguém que é referência de afeto e confiança pode acolher o que aconteceu, ele credita. Encarar a história é, ao mesmo, se recompor. Um processo terapêutico, de “acolhida incondicional, sem nenhum tipo de julgamento”, indica o psiquiatra, conduz as restaurações humanas necessárias.

PALAVRA-CHAVE


E o que o processo terapêutico pode curar? “É a maneira para entrar em contato com essa ferida, que se manifesta mesmo como trauma”, responde o psiquiatra. “Entrar em contato com as feridas e iniciar o processo para sará-las pode ajudar a pessoa a entrar em contato com o que aconteceu e a se perdoar”, traça. Em alguns casos, ele identifica, as vítimas ficam presas “nas correntes da culpa e da vergonha”.


E perdão, literalmente, é uma palavra-chave para as vítimas de abuso sexual. “Nossa humanidade é caracterizada por dois elementos: a luz e a sombra. A luz é a conexão com o divino, para nos melhorarmos o máximo possível, crescer, evoluir. Por outro lado, carregamos a dimensão da nossa sombra. Na medida em que acolhemos nossa humanidade, acolhemos o fato... Se não perdoo o outro, não estou fechando o ciclo”, afirma.


A segunda fase do processo terapêutico, segue padre Rino, seria chegar ao perdão do abusador. Parece algo intransponível, emocionalmente falando. Mas, na complexidade e no profundo de cada indivíduo, o perdão pertence a certa racionalidade. O abusador, identifica Bonvini, “é aquilo que ele fez e aquilo que ele é. Aquilo que ele fez não se pode perdoar nunca. O ato não se perdoa e tem que ter justiça legal. Mas se pode perdoar a pessoa porque a pessoa é doente. Se pode perdoar a humanidade da pessoa que fez aquilo. É muito importante a vítima perceber essa diferença”, equilibra.


É, de fato, um processo lento de restauração, no qual a complexidade do humano deve ser compreendida, considera o padre e psiquiatra. É como colar os pedacinhos de crenças e de sentimentos bons. Neste sentido, Rino Bonvini cita uma arte japonesa capaz de consertar, com ouro, cerâmicas e outras delicadezas quebradas. O ouro, ele relaciona, simboliza nossa humanidade. “Também trazemos nossas quebras, mas isso não significa que essas quebras não possam ser restauradas”, conclui. (Ana Mary C. Cavalcante)

 

Saiba mais 

 

A denúncia de abuso sexual na Comunidade Católica Família em Missão está sob investigação, desde junho passado, na Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dececa). O primeiro inquérito foi concluído no 2º Distrito Policial (Aldeota). O encaminhamento à Dececa se deu pelo depoimento de duas adolescentes que também teriam sido vítimas do líder religioso.


Por meio da assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social, a delegada Juliana Amaral, da Dececa, informou ao O POVO que está concluindo o inquérito, ouvindo testemunhas, para fazer o encaminhamento ao Poder Judiciário.

O POVO também entrou em contato com o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE). De acordo com uma fonte ouvida pelo O POVO e que pediu para não ser identificada, o processo “é uma ação penal incondicionada, ou seja, o Estado acusa o réu”. Em nota, o MPCE respondeu ao jornal: “O caso está sendo acompanhando pelo Ministério Público do Estado do Ceará. Contudo, em virtude do teor, o processo corre em segredo de Justiça tendo por finalidade resguardar a identidade das vítimas.


Também Valter Machado, um dos advogados de defesa do suspeito, em contato por telefone, ponderou: “A defesa não tem interesse nenhum de divulgação relativa ao caso. Porque os dados do processo tramitam em segredo de Justiça.” (AMCC)

 

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