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Upcycling. A vida das coisas
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Upcycling. A vida das coisas

Cultura: Técnica prolonga a vida de produtos que seriam descartados, conferindo novos valores de uso, estética e sentido. São roupas, móveis e joias que ganham novas formas
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O upcycling faz produtos e resíduos que seriam descartados passarem por processos estéticos e criativos, e - ao fim - eles assumem novas funções e sentidos. Difundida por empresas, estilistas e público, a técnica tem ganhado espaço entre os consumidores brasileiros. A cortina é transformada em vestido, a mesa vira moldura, a blusa é vertida em biquini. Há uma concordância entre os agentes do setor produtivo: o planeta não suporta mais a extração exacerbada de matéria-prima virgem.
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Apesar de costumeiramente confundida com uma simples reciclagem, a técnica se diferencia por não precisar obrigatoriamente ter intervenção química, o que representaria um novo gasto de energia. 

Boa parte das peças que sofrem tratamento do upcycling estão em bom estado - mas, mesmo assim, seriam descartadas. “Essa transformação, ou renovação do ciclo de uma peça, se propõe a ser criativa; além de evitar o desperdício de materiais potencialmente ainda úteis e não passar pelos processos químicos e físicos da reciclagem”, explica Ruth Aragão, criadora de moda e figurino.
A técnica é empregada por empresas como a Insecta Shoes - que garimpa roupas de brechós e transforma os tecidos em sapatos. “Buscamos peças com modelagens defasadas, mas que tenham estampas ou texturas atraentes. Desmanchamos tudo e cada roupa rende, em média, cinco pares de sapato”, explica Bárbara Mattivy, fundadora da companhia. O objetivo, ela explica, é evitar o desperdício de materiais que ainda têm utilidade, sem ter que buscar novas matérias-primas e diminuindo o consumo de recursos. “O mais interessante é que, muitas vezes, o produto acabado torna-se mais prático, valioso e bonito do que era antes”, aponta. Por isso, na maioria dos casos, os objetos que sofrem interferências do upcycling têm preços mais altos do que os seus originais.
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Além do vestuário, a técnica é empregada para ressignificar acessórios, joias, objetos de decoração, móveis, brinquedos, e peças de cama, mesa e banho. “O fato é que os produtos de cada ‘área’ têm especificidades diferentes e próprias e, de tal modo, receberão intervenções também específicas. No caso da decoração, a resistência dos materiais deve ser cuidadosamente observada e testada, já que eles são usados comumente para revestimento de sofás, poltronas e cadeiras”, pontua Ruth Aragão. Para Eveline Costa, consultora de produtos educacionais do Senac/CE, o conceito primário da peça não se perde, apenas ganha nova utilidade. “A criatividade é o fio condutor das possibilidades”, diz.

Criatividade
Além do viés ambiental, o upcycling representa um desafio criativo para os produtores. Ao construir uma coleção “do zero”, o designer terá liberdade de especificar cores, fornecedores, estampas, texturas. Trabalhando com upcycling, há as limitações dos materiais existentes. “Com a peça já feita, já existe informação. Quando olho um elemento e vou reconfigurar de alguma forma, tenho as diretrizes que a peça oferece, de questão histórica, de tempo ou de época”, aponta o designer de moda Filipe Arara. Ao lado da designer Carol Outono, ele criou a marca cearense Brechó Arara, que garimpa, desmancha, recria, processa e ressignifica roupas e acessórios.
 

Os objetos chegam até Filipe e Carol por vários caminhos: dos brechós populares do Centro, do acervo pessoal de amigos, dos clientes que buscam um novo destino para as peças “estacionadas no guarda-roupas”. “Ou ela vai ser descartada ou ficará guardada. É uma energia parada. É um convite para reaproveitar o material e transformar em outra coisa. Eu parto da brincadeira e da metodologia: pensar nas peças que quero construir. É um processo criativo que se dá a partir desse pensamento. E eu vou procurar elementos, tecidos e texturas que já existem”, elucida Filipe. 

 

FICHA TÉCNICA
Modelo: Melindra Lindra
Direção de estilo: Brechó Arara
Roupas e acessórios: Brechó Arara
Cabelo : Salão Experimental
Fotografia: Mariana Parente/Especial para O POVO  

 

Saiba mais

“Não é de hoje que a gente aproveita as nossas roupas, transformando-as. Seja para recuperá-las de alguma ação física, como rasgos e furos; química, como manchas e encolhimento da matéria-prima; ou das ‘intempéries’ do nosso corpo, como o engordar e o emagrecer, a que estamos sujeitos. Ou mesmo porque simplesmente ‘enjoamos’ delas e queremos algo novo no nosso guarda-roupa. Por vezes, desejamos nos diferenciar, pela expressão subjetiva do nosso vestir”, acredita Ruth Aragão.

Filipe Arara lembra que há outras maneiras de economizar os recursos naturais. Além da redução das compras de produtos novos e da aplicação do upcycling, a aquisição de peças em brechós, por exemplo, é uma alternativa. “Roupas de outras pessoas podem ser nossas depois. Nós estamos no mundo para nos relacionarmos com tudo e com todos. Só usar o que não está mais sendo usado por outras pessoas já é uma forma de reciclagem e ressignificação”, comenta. Infelizmente, ele diz, o consumo de peças ‘de segunda mão’ ainda é raro e restrito a grupos específicos. “São pessoas que se perguntam o porquê das roupas serem tão caras e, ao mesmo tempo, durarem tão pouco”, aponta. 

 

Multimídia
Veja mais fotos sobre upcycling em
http://bit.ly/fotosupcycling

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