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Gustavo H. Badaró: "O desastre político e o respeito à Constituição"
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Gustavo H. Badaró: "O desastre político e o respeito à Constituição"

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Tipo Notícia Por

Gustavo Henrique Badaró

badaroadvogados@badaroadvogados.com.br

Professor livre-docente em Direito Processual Penal da Universidade de São Paulo (USP), advogado criminalista e consultor jurídico


Os últimos acontecimentos políticos experimentados no Brasil têm causado um furor como poucas vezes se viu na história da nação. O vazamento à imprensa de trechos da delação premiada realizada pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, do grupo JBS, lançam o atual governo na sua maior crise. Os desdobramentos do caso colocam o presidente Michel Temer como alvo de graves acusações, uma vez que haveria o seu explicito aval a uma suposta operação de compra de silêncio do deputado cassado e ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e de Lúcio Funaro, que seria seu operador financeiro.


Situações criminais que envolvem altos mandatários da nação, geralmente causam, para além dos problemas de insegurança política, grave insegurança jurídica – especialmente diante do clima de polarização estabelecido no Brasil. Todavia, a transformação um processo que deveria ser estritamente jurídico, em uma rinha político-ideológica, pode ter consequências desastrosas. Se no plano político, a delação dos irmãos Batista tem efeitos imediatos e devastadores, no campo jurídico é necessário tempo para investigar, processar e punir, sempre de acordo com as leis e a Constituição.


Já foi instaurada, perante o Supremo Tribunal Federal (STF), uma investigação criminal que poderá ou não culminar em uma denúncia contra o presidente Temer, por parte do procurador geral da República. Caso haja denúncia, a Constituição estabelece a necessidade de uma autorização política da Câmara dos Deputados para prosseguimento do processo penal, por dois terços dos deputados. Havendo tal aprovação, o processo é encaminhado para o STF e, se a denúncia for recebida pelo Plenário do Supremo, o presidente estará automaticamente afastado. Tais atos poderão ser considerados infração político-administrativa, levando a um processo de impeachment, que poderá levar ao seu afastamento provisório e à perda do cargo.


Em caso de perda definitiva do mandato do presidente Temer, como ficarão vagos os cargos de presidente e vice-presidente da República eleitos em 2014, na segunda metade do período presidencial, a Constituição determina que seja realizada eleição indireta, em 30 dias, pelo Congresso Nacional, em sessão conjunta dos senadores e deputados federais. O presidente e o vice-presidente eleitos pelo Congresso Nacional terão um mandato-tampão, apenas para completar o período faltante dos de seus antecessores.


Eventual processo, criminal ou de impeachment, deverá observar as garantias processuais, pautar-se por argumentos jurídicos, e a decisão final deverá ser o resultado da produção e valoração de provas e da correta interpretação das normas. A Nação nada tem a ganhar com movimentações que insistem em sobrepor interesses políticos-ideológico-partidários ao princípio da legalidade. Nos momentos de crise, o respeito à lei e a integral observância da Constituição tornam-se mais necessários. Um desastre político tem o poder de destruir reputações, mas, por maior que seja, não autoriza violar a Constituição.

 

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