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Delações da JBS. A relação entre programas de incentivo e as eleições no CE
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Delações da JBS. A relação entre programas de incentivo e as eleições no CE

Levantamento do O POVO revela que, além da JBS, outras três empresas fizeram doações de campanha em 2014 após receberem incentivos fiscais e financeiros de programas estaduais
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As delações dos principais dirigentes da empresa JBS lançaram luzes sobre o Programa de Incentivo às Atividades Portuárias e Industriais (Proapi) e o Fundo de Desenvolvimento Industrial (FDI), mecanismos criados pelo Governo do Ceará para atrair empresas por meio de incentivos fiscais e financeiros. Pelas regras do Proapi, além da isenção fiscal, as empresas que participarem do programa têm direito a créditos sobre o valor exportado.

[SAIBAMAIS]

O delator Wesley Batista, um dos donos da JBS, acusa o ex-governador Cid Gomes (PDT) de ter condicionado a liberação de R$ 110 milhões de incentivos fiscais para a empresa à doação de R$ 20 milhões para a campanha eleitoral daquele ano. O ex-governador nega e diz que irá processar o delator.


Levantamento feito no Portal da Transparência e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revela que não é incomum a concentração de liberação de recursos em anos eleitorais. Em três casos, as empresas beneficiadas foram doadoras de campanha de 2014: Grendene S/A, Paquetá Calçados Ltda e Bermas Maracanaú Indústria e Comércio de Couro Ltda.


A Grendene, empresa gaúcha do setor calçadista com três unidades no Ceará - Sobral, Fortaleza e Crato -, recebeu, entre os anos de 2012 e 2016, R$ 210 milhões de créditos do Proapi. Chama atenção o crescimento no volume de verbas que pode ser observado em 2014, quando foram repassados R$ 90 milhões, mais que o dobro do valor recebido em 2013: R$ 39,8 milhões.


A maior quantia depositada foi no dia 25 de agosto: R$ 44,3 milhões, três dias antes de um dos proprietários da companhia, Pedro Grendene Bartelle, fazer uma doação de R$ 1,2 milhão para a campanha do então candidato Camilo Santana (PT). As contribuições de pessoas ligadas à empresa totalizaram R$ 4 milhões. Em 2015, a empresa não recebeu nada do FDI/Proapi. Já no ano seguinte, quando aconteceram as eleições municipais e o comando da empresa também fez doações, a transferência de recursos do estado salta para R$ 68 milhões.


A Paquetá Calçados recebeu R$ 57,3 milhões entre 2009 e 2014, R$ 41,6 milhões dos quais apenas neste último ano. Entre 2015 e 2017, a companhia não recebeu repasses do FDI. Neste período, também há coincidência com doações para campanhas eleitorais: a empresa começou a repassar recursos para a campanha do petista em 15 de setembro, quando já tinha recebido do poder público R$ 23,6 milhões. Uma dia depois, mais uma contribuição, desta vez de R$ 11 milhões.


Também atuando no ramo de couros, a Bermas Maracanaú, assim como as demais concorrentes, teve em 2014 o maior volume de verbas em seu caixa: R$ 17,9 milhões, ao passo que em anos anteriores ou posteriores os valores passaram longe desse montante: R$ 4,6 milhões (2009), R$ 1,8 milhão (2010), R$ 2,7 milhões (2011), R$ 5,8 milhões (2012), R$ 5,4 milhões (2013), R$ 4,5 milhões (2017). Em 2015 e 2016 não houve repasses.


Explicações

Secretário da Fazenda do governo Cid Gomes até setembro de 2013, Mauro Filho, hoje na mesma pasta, não enxerga conflitos nessa relação empresas-poder público. Segundo ele, tratam-se de incentivos financeiros, e não tributários, relativos a um programa criado na gestão Tasso Jereissati (PSDB) em 1995 e regulamentado em 1996, e que não sofreu alterações nos anos seguintes.

 

Sobre a proximidade entre as datas de recebimento dos benefícios e de doações de campanha, ele ressalta que tudo foi feito com transparência e que as contas foram aprovadas pela Justiça Eleitoral, ao contrário de outras candidaturas Brasil afora que, segundo ele, colocaram dinheiro de propina “no bolso”.


O gestor destaca ainda que esses recursos não eram administrados por sua pasta, mas pelo Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico (Cede). À época das eleições, o titular do órgão era Alexandre Pereira, que se encontra em viagem ao exterior e disse que só poderia tratar do assunto quando voltasse ao País.

 

ENTENDA O CASO

 

Em vídeo tornado público no último dia19, Wesley Batista, durante delação premiada, acusa o ex-governador Cid Gomes (PDT) de pedir “propina” para a campanha de Camilo Santana (PT) em 2014. Ele teria cobrado o pagamento de créditos devido pelo governo e Cid teria dito que tomaria providências. Duas semanas depois, conta, o deputado federal Antonio Balhmann (PDT) e o secretário Arialdo Pinho garantiram, em nome de Cid, a liberação integral dos recursos em troca de doação no valor de R$ 20 milhões à campanha do petista.


No dia 22, em entrevista na Assembleia, Cid confirma que se reuniu com o empresário, mas nega recebimento de propina. Se dizendo “veementemente indignado”, afirmou ainda que irá processar Wesley por calúnia e difamação.

 

SAIBA MAIS

 

Mauro Filho explica ainda que as empresas receberam mais em 2014 devido ao aumento no volume de exportações. Além disso, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, é necessária a quitação de todas as dívidas até o fim do governo, sob o risco de punições. "Esse último ano é para se pagar tudo. Nunca vai ser igual aos anteriores". Questionado sobre o fato de os grupos não receberem recursos em 2015, ele atrela a situação à crise econômica. "Melhorou em 2016", sublinha.


O POVO procurou, desde quarta-feira, as três empresas citadas para tentar compreender o porquê das doações milionárias. A Grendene solicitou que as perguntas fossem enviadas por email e, em seguida, afirmou que não iria se pronunciar sobre o caso. A Paquetá e a Bermas alegaram, durante três dias, que as pessoas que poderiam tratar do tema não se encontravam nas empresas.

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